A ESCALADA NAS TENSÕES POLÍTICAS ENTRE ESTADOS UNIDOS E IRÃ
Parte V: Petróleo, poder ou votos?
Por Éder Israel
Disponível
em:
<https://media.washtimes.com/media/image/2019/06/19/6_192019_b3-thom-war-iran-gg8201.jpg>
acesso em 12 jan. 2020
Em meio à escalada das
tensões entre Estados Unidos e Irã, além dos interesses econômicos envolvidos
com uma possível intervenção militar no Oriente Médio, devemos analisar também
a componente política associada a tal contexto. 2020 é ano eleitoral na nação
americana, e a mídia tem peso vital na corrida presidencial do país.
Donald
Trump não alcançou a presidência dos Estados Unidos por conta de sua vasta
carreira política [até porque ela não existe] e nem pela sua experiência em
gestão pública [pois ela é tão grande quanto sua carreira política...]. O
empresário bem sucedido, membro do Partido Republicano assumiu o poder após
oito anos da administração Barack Obama, do Partido Democrata. Foi notória a
ênfase social e diplomática dada às ações de governo durante a gestão Obama, e
isso acabou criando uma certa insatisfação econômica na classe empresarial
nacional. Eleger um homem de negócios se mostrava em 2016 uma boa alternativa
para essa classe, e Trump era a pessoa certa para o projeto.
Trump
foi eleito com um discurso nacionalista inflamado e entoando em toda
oportunidade que tinha na mídia o slogan “Make
America great again”. Era a versão republicana do “Yes, we can!” de Obama... Porém a “América grande novamente”
representou um retorno à velha política republicana dos tempos de George W.
Bush, em que o lobby das indústrias armamentistas [nas corridas eleitorais
estadunidenses, apenas a indústria farmacêutica “doa” mais dinheiro para as
campanhas...] muitas vezes direciona as decisões políticas internas (relativas
ao direito civil de posse e porte de armas) e externas (relativas às
intervenções militares em outras nações) [leia-se Oriente Médio]. Durante a
primeira metade de seu governo, bastou ao presidente inflamar a “plateia” com
as ações de retirar os Estados Unidos de acordo internacionais ou prometer
barrar os mexicanos com um muro fronteiriço.
Mas
quando a reeleição bate às portas, você precisa ir além dos discursos e
alcançar ações efetivas. A classe empresarial não quer apenas aplaudir o
presidente na TV, ela quer também ganhar dinheiro, e como a indústria
armamentista é quem paga grande parte da brincadeira, ela precisa de conflitos
para vender armas, ela precisa de instabilidades que criem rumores de guerra,
que a população se sinta alarmada a ponto de precisar comprar mais armas para
se sentir segura... Assim, o Oriente Médio é a região ideal para colocar essas
ações em prática, pois uma região que vive em (semi)ebulição não requer tanta
coisa para voltar a ferver.
Disponível
em: <http://info7rm.blob.core.windows.net.optimalcdn.com/images/2017/12/06/trump-jerusalem.jpg>
acesso em 13 jan. 2020
A mudança da embaixada
estadunidense em Israel da capital Tel Aviv para a cidade de Jerusalém (em
litígio por israelenses e árabes desde a fundação do Estado judeu) reacendeu
disputas regionais entre esses dois grupos, e enfureceu grupos como o Hamas
(que atua na Faixa de Gaza) e o Hezbollah (que atua no Líbano). Estava lançada
a instabilidade midiática.
Aumentando-se
as tensões no Oriente Médio a partir da transferência da embaixada em Israel,
os Estados Unidos jugaram ser necessário o envio de mais aparato militar para a
região, sob a justificativa de proteger os judeus dos árabes enfurecidos (e não
se posicionar próximo às fronteiras do Irã, para uma possível intervenção...).
A indústria armamentista, a sociedade conservadora estadunidense e o movimento
sionista aplaudem a decisão. Mas a massa popular dos Estados Unidos [não
confunda massa popular com população
pobre...] ficou receosa, pois os grupos árabes ameaçaram ataques e retaliações
à essa ação. Faltava o governo combater um inimigo perigoso para que a
população apoiasse o presidente que a manteve segura. Isso gera muitos votos...
Assim,
no final de 2019, o exército dos Estados Unidos em resposta à população
temerosa, realizou uma operação secreta no território da Síria, na qual foi
morto Abu Bakr al-Baghdadi, líder do grupo terrorista Estado Islâmico (atualmente
tratado como Daesh). A morte de al-Baghdadi fecha um ciclo de caçadas a
lideranças terroristas árabes, iniciado pela Guerra ao Terror de George W. Bush
a partir de 2001 [lembre-se que mencionamos que a política externa de Donald
Trump é a retomada da Doutrina Bush...]. A operação militar estadunidense no
território sírio reforça ainda mais a presença da potência ocidental no Oriente
Médio, e os rumores de um conflito seguem aumentando mas ele não se inicia de
fato.
Trump
tem um dilema preocupante em sua cabeça, pois por um lado a pressão e o lobby
da indústria armamentista reforçam a necessidade de intervenções militares de
grande envergadura, mas por outro lado, a população [leia-se eleitores] criaram
uma resistência a essas intervenções durante a Era Bush, em decorrência do
elevado número de mortes de soldados nos campos de batalha do Oriente Médio
durante a Guerra ao Terror. A preocupação de Trump deve ser praticar uma ação
de deixe claro que haverá beligerância (o que agrada aos empresários e
investidores de campanha), e em seguida fazer um discurso midiático, de que
defende a liberdade, a democracia e a paz mundial (o que agrada a massa
eleitoral estadunidense). E provavelmente será nesse processo que a
inexperiência política do presidente pode fazer a situação fugir do controle.
Soma-se
a esse dilema pré-eleitoral as acusações de que Donald Trump teria feito uso
ilegal de suas atribuições presidenciais para pressionar mandatários e
representantes políticos de outras nações, em especial o presidente da Ucrânia,
Volodymyr Zelensky, ao qual solicitou em um telefonema que investigasse a
família de Joe Biden, vice presidente de Barack Obama e pré candidato do
Partido Democrata para uma possível disputa presidencial com Trump em 2020.
Após virem a tona as acusações e os depoimentos comprovando o referido
telefonema, foi aberto o processo que pede o impeachment do presidente
estadunidense, tendo sido o mesmo aprovado pela câmara, mas dificilmente será
aprovado pelo senado, onde os republicanos são a maioria. Mas o desgaste
eleitoral foi estabelecido... Assim, entra em cena o perfil do político
midiático moderno, o qual sempre que aparece um fato que coloca em cheque sua
competência ou honestidade, busca a criação de um fato novo, uma notícia
bombástica que ocupe todo o espaço na imprensa e lance uma cortina de fumaça
sobre as acusações. Era preciso inundar os meios de telecomunicação com algo
novo que tirasse o espaço das notícias do impeachment.
Disponível
em:
<https://www.counterpunch.org/wp-content/dropzone/2020/01/Qasem_Soleiman_in_NAC_conference.jpg>
acesso em 13 jan. 2020
No início de 2020 o
exército dos Estados Unidos realizou uma operação militar no território
iraquiano, na qual foi morto o General da Guarda Revolucionária Iraniana, Qasem
Soleimani, responsável pela Força Quds, uma divisão especial para a realização
de operações secretas fora do Irã.
Segundo
o governo dos Estados Unidos, Soleimani era responsável por ações terroristas
realizadas pelo governo iraniano fora do país, além de prestar apoio a grupos
como o Hamas, na faixa de Gaza e o Hezbollah, no Líbano. A morte do General
iraniano seria a continuação da eliminação de lideranças inimigas aos
estadunidenses, como Saddam Hussein (morto na administração Bush) Osama Bin
Laden (morto durante a administração Obama) e Abu Bakr al-Baghdadi (morto
durante a administração Trump). É o tipo de evento que causa grande comoção e
demonstra que o governo do país está disposto a combater os inimigos que
ameaçam à população, uma cortina de fumaça e tanto para tirar da mídia as
acusações contra o presidente...
A
justificativa para a ação militar realizada é de que o líder da força militar
iraniana estaria no país vizinho planejando uma ação terrorista contra as
tropas americanas, que se encontram no país desde a sua ocupação em 2004. Ora,
Donald Trump supostamente realizou uma ação militar em território iraquiano,
invadido pelos estadunidenses, para defender o Iraque de uma invasão do Irã [é
tipo matar alguém para impedir que ele morra...]. Porém dessa vez o impacto seria
ainda maior no Irã do que nos Estado Unidos. A notícia da morte do líder
militar (terceira figura mais importante do país, abaixo apelas do aiatolá
Khamenei e do presidente Hassan Rouhani) gerou grandes manifestações de apoio
ao governo da República islâmica e de ódio ao governo estadunidense. A
população e o governo iraniano exigiam uma resposta rápida e contundente ao assassinato.
Disponível
em: <https://sa.kapamilya.com/absnews/abscbnnews/media/2020/afp/01/04/ayatollah-ali-khamenei.jpg>
acesso em 13 jan. 2020
Há uma proximidade muito
grande entre as lideranças políticas e religiosas iranianas, personificadas
pelo aiatolá Khamenei na atualidade e as forças militares do país,
principalmente a Guarda Revolucionária, criada pelo aiatolá Khomeini em 1979.
Soleimani era uma das figuras mais fortes dentro do governo do Irã, e os
desdobramentos de sua morte são ainda incertos.
A
resposta militar do Irã veio logo em seguida, com o lançamento de mísseis
contra bases militares no Iraque que abrigam tropas e equipamentos do exército
dos Estados Unidos. Supostamente não houveram vítimas fatais, mas foi um
prenúncio de que o governo Iraniano pode responder militarmente às ações
empreendidas pelos estadunidenses no Oriente Médio. Entretanto, o fato de as
ações das forças militares dos dois países estarem acontecendo no território iraquiano
traz ainda mais instabilidade para a região. Relembre que iraquianos e
iranianos já estiveram em guerra por 8 anos na década de 1980 e o conflito
terminou sem nenhum vencedor...
Ainda
em janeiro de 2020 a notícia da queda de um avião comercial ucraniano com 176
pessoas a bordo (todas morreram) no território iraniano lançou fortes suspeitas
sobre as causas reais do evento. O Irã, responsável pelas investigações afirmou
que uma falha mecânica havia causado a queda da aeronave, porém se recusou a entregar
as “caixas pretas” com os dados do voo até a queda para a Boeing (fabricante da
aeronave) ou para o governo dos Estados Unidos (país sede da fabricante do
avião). O governo estadunidense afirmava que o exército da república islâmica
teria derrubado a aeronave, o que foi negado com veemência pelo governo do país
asiático. Dias depois, a TV estatal iraniana divulgou um comunicado, no qual o
governo do país admitia que militares atingiram com um míssil o avião ucraniano
por engano, provocando a sua queda e a morte de todos os passageiros e
tripulantes a bordo.
Por
um lado o governo do Irã afirma que investigará e punirá todos os responsáveis
pelo ocorrido, por outro lado nações europeias exigem que o país asiático traga
a público a verdade das investigações, sob a ameaça de impor novas e pesadas
sanções aos iranianos e tem-se ainda a população, que começa a se manifestar
nas ruas contra o governo, acusando-o de tentar esconder os fatos em relação à
tragédia (grande parte dos passageiros do avião era iraniana). As manifestações
populares se dirigem contra a figura do presidente do país, a liderança
religiosa do aiatolá e contra as forças armadas, em especial a Guarda
Revolucionária. Dadas as devidas proporções e diferenciações, foi exatamente
assim que iniciou a onda de revoltas contra as lideranças políticas na chamada
Primavera Árabe de 2011, com manifestações contra um governo autoritário e com
apoio de nações ocidentais. Porém, apenas o tempo dirá se estamos prestes a ver
uma nova guerra no Oriente Médio, ou mais uma ameaça que não se transforma em
conflito ou ainda uma inimaginável “Primavera Persa”...
■
Nenhum comentário:
Postar um comentário