domingo, 26 de janeiro de 2020

TENSÕES POLÍTICAS ENTRE ESTADOS UNIDOS E IRÃ - Parte V



A ESCALADA NAS TENSÕES POLÍTICAS ENTRE ESTADOS UNIDOS E IRÃ

Parte V: Petróleo, poder ou votos?

Por Éder Israel


Disponível em: <https://media.washtimes.com/media/image/2019/06/19/6_192019_b3-thom-war-iran-gg8201.jpg> acesso em 12 jan. 2020

Em meio à escalada das tensões entre Estados Unidos e Irã, além dos interesses econômicos envolvidos com uma possível intervenção militar no Oriente Médio, devemos analisar também a componente política associada a tal contexto. 2020 é ano eleitoral na nação americana, e a mídia tem peso vital na corrida presidencial do país.

Donald Trump não alcançou a presidência dos Estados Unidos por conta de sua vasta carreira política [até porque ela não existe] e nem pela sua experiência em gestão pública [pois ela é tão grande quanto sua carreira política...]. O empresário bem sucedido, membro do Partido Republicano assumiu o poder após oito anos da administração Barack Obama, do Partido Democrata. Foi notória a ênfase social e diplomática dada às ações de governo durante a gestão Obama, e isso acabou criando uma certa insatisfação econômica na classe empresarial nacional. Eleger um homem de negócios se mostrava em 2016 uma boa alternativa para essa classe, e Trump era a pessoa certa para o projeto.

Trump foi eleito com um discurso nacionalista inflamado e entoando em toda oportunidade que tinha na mídia o slogan “Make America great again”. Era a versão republicana do “Yes, we can!” de Obama... Porém a “América grande novamente” representou um retorno à velha política republicana dos tempos de George W. Bush, em que o lobby das indústrias armamentistas [nas corridas eleitorais estadunidenses, apenas a indústria farmacêutica “doa” mais dinheiro para as campanhas...] muitas vezes direciona as decisões políticas internas (relativas ao direito civil de posse e porte de armas) e externas (relativas às intervenções militares em outras nações) [leia-se Oriente Médio]. Durante a primeira metade de seu governo, bastou ao presidente inflamar a “plateia” com as ações de retirar os Estados Unidos de acordo internacionais ou prometer barrar os mexicanos com um muro fronteiriço.

Mas quando a reeleição bate às portas, você precisa ir além dos discursos e alcançar ações efetivas. A classe empresarial não quer apenas aplaudir o presidente na TV, ela quer também ganhar dinheiro, e como a indústria armamentista é quem paga grande parte da brincadeira, ela precisa de conflitos para vender armas, ela precisa de instabilidades que criem rumores de guerra, que a população se sinta alarmada a ponto de precisar comprar mais armas para se sentir segura... Assim, o Oriente Médio é a região ideal para colocar essas ações em prática, pois uma região que vive em (semi)ebulição não requer tanta coisa para voltar a ferver.


Disponível em: <http://info7rm.blob.core.windows.net.optimalcdn.com/images/2017/12/06/trump-jerusalem.jpg> acesso em 13 jan. 2020

A mudança da embaixada estadunidense em Israel da capital Tel Aviv para a cidade de Jerusalém (em litígio por israelenses e árabes desde a fundação do Estado judeu) reacendeu disputas regionais entre esses dois grupos, e enfureceu grupos como o Hamas (que atua na Faixa de Gaza) e o Hezbollah (que atua no Líbano). Estava lançada a instabilidade midiática.

Aumentando-se as tensões no Oriente Médio a partir da transferência da embaixada em Israel, os Estados Unidos jugaram ser necessário o envio de mais aparato militar para a região, sob a justificativa de proteger os judeus dos árabes enfurecidos (e não se posicionar próximo às fronteiras do Irã, para uma possível intervenção...). A indústria armamentista, a sociedade conservadora estadunidense e o movimento sionista aplaudem a decisão. Mas a massa popular dos Estados Unidos [não confunda massa popular com  população pobre...] ficou receosa, pois os grupos árabes ameaçaram ataques e retaliações à essa ação. Faltava o governo combater um inimigo perigoso para que a população apoiasse o presidente que a manteve segura. Isso gera muitos votos...

Assim, no final de 2019, o exército dos Estados Unidos em resposta à população temerosa, realizou uma operação secreta no território da Síria, na qual foi morto Abu Bakr al-Baghdadi, líder do grupo terrorista Estado Islâmico (atualmente tratado como Daesh). A morte de al-Baghdadi fecha um ciclo de caçadas a lideranças terroristas árabes, iniciado pela Guerra ao Terror de George W. Bush a partir de 2001 [lembre-se que mencionamos que a política externa de Donald Trump é a retomada da Doutrina Bush...]. A operação militar estadunidense no território sírio reforça ainda mais a presença da potência ocidental no Oriente Médio, e os rumores de um conflito seguem aumentando mas ele não se inicia de fato.

Trump tem um dilema preocupante em sua cabeça, pois por um lado a pressão e o lobby da indústria armamentista reforçam a necessidade de intervenções militares de grande envergadura, mas por outro lado, a população [leia-se eleitores] criaram uma resistência a essas intervenções durante a Era Bush, em decorrência do elevado número de mortes de soldados nos campos de batalha do Oriente Médio durante a Guerra ao Terror. A preocupação de Trump deve ser praticar uma ação de deixe claro que haverá beligerância (o que agrada aos empresários e investidores de campanha), e em seguida fazer um discurso midiático, de que defende a liberdade, a democracia e a paz mundial (o que agrada a massa eleitoral estadunidense). E provavelmente será nesse processo que a inexperiência política do presidente pode fazer a situação fugir do controle.

Soma-se a esse dilema pré-eleitoral as acusações de que Donald Trump teria feito uso ilegal de suas atribuições presidenciais para pressionar mandatários e representantes políticos de outras nações, em especial o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, ao qual solicitou em um telefonema que investigasse a família de Joe Biden, vice presidente de Barack Obama e pré candidato do Partido Democrata para uma possível disputa presidencial com Trump em 2020. Após virem a tona as acusações e os depoimentos comprovando o referido telefonema, foi aberto o processo que pede o impeachment do presidente estadunidense, tendo sido o mesmo aprovado pela câmara, mas dificilmente será aprovado pelo senado, onde os republicanos são a maioria. Mas o desgaste eleitoral foi estabelecido... Assim, entra em cena o perfil do político midiático moderno, o qual sempre que aparece um fato que coloca em cheque sua competência ou honestidade, busca a criação de um fato novo, uma notícia bombástica que ocupe todo o espaço na imprensa e lance uma cortina de fumaça sobre as acusações. Era preciso inundar os meios de telecomunicação com algo novo que tirasse o espaço das notícias do impeachment.


Disponível em: <https://www.counterpunch.org/wp-content/dropzone/2020/01/Qasem_Soleiman_in_NAC_conference.jpg> acesso em 13 jan. 2020

No início de 2020 o exército dos Estados Unidos realizou uma operação militar no território iraquiano, na qual foi morto o General da Guarda Revolucionária Iraniana, Qasem Soleimani, responsável pela Força Quds, uma divisão especial para a realização de operações secretas fora do Irã.

Segundo o governo dos Estados Unidos, Soleimani era responsável por ações terroristas realizadas pelo governo iraniano fora do país, além de prestar apoio a grupos como o Hamas, na faixa de Gaza e o Hezbollah, no Líbano. A morte do General iraniano seria a continuação da eliminação de lideranças inimigas aos estadunidenses, como Saddam Hussein (morto na administração Bush) Osama Bin Laden (morto durante a administração Obama) e Abu Bakr al-Baghdadi (morto durante a administração Trump). É o tipo de evento que causa grande comoção e demonstra que o governo do país está disposto a combater os inimigos que ameaçam à população, uma cortina de fumaça e tanto para tirar da mídia as acusações contra o presidente...

A justificativa para a ação militar realizada é de que o líder da força militar iraniana estaria no país vizinho planejando uma ação terrorista contra as tropas americanas, que se encontram no país desde a sua ocupação em 2004. Ora, Donald Trump supostamente realizou uma ação militar em território iraquiano, invadido pelos estadunidenses, para defender o Iraque de uma invasão do Irã [é tipo matar alguém para impedir que ele morra...]. Porém dessa vez o impacto seria ainda maior no Irã do que nos Estado Unidos. A notícia da morte do líder militar (terceira figura mais importante do país, abaixo apelas do aiatolá Khamenei e do presidente Hassan Rouhani) gerou grandes manifestações de apoio ao governo da República islâmica e de ódio ao governo estadunidense. A população e o governo iraniano exigiam uma resposta rápida e contundente ao assassinato.


Disponível em: <https://sa.kapamilya.com/absnews/abscbnnews/media/2020/afp/01/04/ayatollah-ali-khamenei.jpg> acesso em 13 jan. 2020

Há uma proximidade muito grande entre as lideranças políticas e religiosas iranianas, personificadas pelo aiatolá Khamenei na atualidade e as forças militares do país, principalmente a Guarda Revolucionária, criada pelo aiatolá Khomeini em 1979. Soleimani era uma das figuras mais fortes dentro do governo do Irã, e os desdobramentos de sua morte são ainda incertos.

A resposta militar do Irã veio logo em seguida, com o lançamento de mísseis contra bases militares no Iraque que abrigam tropas e equipamentos do exército dos Estados Unidos. Supostamente não houveram vítimas fatais, mas foi um prenúncio de que o governo Iraniano pode responder militarmente às ações empreendidas pelos estadunidenses no Oriente Médio. Entretanto, o fato de as ações das forças militares dos dois países estarem acontecendo no território iraquiano traz ainda mais instabilidade para a região. Relembre que iraquianos e iranianos já estiveram em guerra por 8 anos na década de 1980 e o conflito terminou sem nenhum vencedor...

Ainda em janeiro de 2020 a notícia da queda de um avião comercial ucraniano com 176 pessoas a bordo (todas morreram) no território iraniano lançou fortes suspeitas sobre as causas reais do evento. O Irã, responsável pelas investigações afirmou que uma falha mecânica havia causado a queda da aeronave, porém se recusou a entregar as “caixas pretas” com os dados do voo até a queda para a Boeing (fabricante da aeronave) ou para o governo dos Estados Unidos (país sede da fabricante do avião). O governo estadunidense afirmava que o exército da república islâmica teria derrubado a aeronave, o que foi negado com veemência pelo governo do país asiático. Dias depois, a TV estatal iraniana divulgou um comunicado, no qual o governo do país admitia que militares atingiram com um míssil o avião ucraniano por engano, provocando a sua queda e a morte de todos os passageiros e tripulantes a bordo.

Por um lado o governo do Irã afirma que investigará e punirá todos os responsáveis pelo ocorrido, por outro lado nações europeias exigem que o país asiático traga a público a verdade das investigações, sob a ameaça de impor novas e pesadas sanções aos iranianos e tem-se ainda a população, que começa a se manifestar nas ruas contra o governo, acusando-o de tentar esconder os fatos em relação à tragédia (grande parte dos passageiros do avião era iraniana). As manifestações populares se dirigem contra a figura do presidente do país, a liderança religiosa do aiatolá e contra as forças armadas, em especial a Guarda Revolucionária. Dadas as devidas proporções e diferenciações, foi exatamente assim que iniciou a onda de revoltas contra as lideranças políticas na chamada Primavera Árabe de 2011, com manifestações contra um governo autoritário e com apoio de nações ocidentais. Porém, apenas o tempo dirá se estamos prestes a ver uma nova guerra no Oriente Médio, ou mais uma ameaça que não se transforma em conflito ou ainda uma inimaginável “Primavera Persa”...


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