A ESCALADA NAS TENSÕES POLÍTICAS ENTRE ESTADOS UNIDOS E IRÃ
Parte II: A revolução Árabe no país Persa
Por Éder Israel
Disponível
em: <http://notaalta.espm.br/wp-content/uploads/2018/08/eua_iran.jpg>
acesso em 11 jan. 2020
A busca por uma
República Teocrática no Irã mina as bases da Monarquia Autocrática do Xá Reza
Pahlavi e começa a romper os laços do país com as potências ocidentais.
O
crescente descontentamento popular decorrente da ocidentalização econômica e da
secularização política da monarquia do Xá Reza Pahlavi, combinado com os
protestos contra a violência e repressão estatal contra aqueles que se opunham
ao governo, sabidamente corrupto, do Irã culminaram em conflitos cada vez mais
intensos entre a população e o aparato governamental. Estudiosos apontam que o
estopim máximo para a revolução se iniciar foi a repressão militar contra uma
manifestação em setembro de 1978, onde quase uma centena de manifestantes foram
mortos pelo exército. Esse trágico evento entrou para os anais da história com
o nome de Sexta Feira Negra. Era a clara e manifesta demonstração de que a
única possibilidade de manutenção da monarquia seria pelo uso da violência e o
apoio das forças militares ao Xá; o que veremos que não sucedeu.
Na
medida em que as manifestações se ampliaram, chegando às somas de milhões de
pessoas nas ruas contra o governo, e a opinião pública estrangeira apresentando
ao mundo as mazelas da monarquia iraniana, os militares começaram a
gradativamente abandonar as ordens do Estado e se recusarem a reprimir com
violência a população, o que forçou Reza Pahlavi a fazer crescentes concessões
institucionais e constitucionais, em tentativas desesperadas de se manter no
poder, mas foram em vão. Os ares da revolução já tinham se espalhado pelo país
e as minorias já não eram mais tão minoritárias como julgaram os governos do
Irã e dos Estados Unidos no passado. A queda do governo era apenas questão de
tempo, e a geopolítica do Oriente Médio seria novamente reescrita, com
repercussões não apenas regionais, mas dessa vez globais.
Na
transição entre os anos de 1978 e 1979 a situação se torna completamente
insustentável para o Xá Reza Pahlavi no Irã, e o autoproclamado monarca
abandona o país em janeiro de 1979, deixando o governo a cargo de um
primeiro-ministro que não possuía qualquer governabilidade e apoio, A essa
altura, o aiatolá Ruhollah Khomeini, que já havia se exilado inicialmente na
Turquia, posteriormente no Iraque e por último na França retorna ao país para
liderar pessoalmente a Revolução, e consequentemente assumir o poder no país,
embora em seus discursos nos tempos de exílio, se mostrava irredutível na
negação de aspirações políticas em sua nação... Porém, assim que chega ao país
e assume o poder, implanta uma República Islâmica, bem diferente da proposta
inicial de um governo de liberdades e igualdades. Da mesma forma que Reza
Pahlavi reprimia seus opositores, Khomeini começa também a manifestar o poder
do Estado na repressão e combate a tudo que ia contra os ideais da revolução [leia-se
Lei Islâmica ou Sharia]. Estava, enfim, implantada a República Teocrática em
substituição à Monarquia Autocrática.
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acesso 11 jan. 2020
O aiatolá Ruhollah
Khomeini retorna do exílio na França no início de fevereiro de 1979, para
concretizar a Revolução Iraniana e assumir o poder como líder supremo, tanto no
aspecto religioso quanto no caráter político.
O
maior problema da Revolução Iraniana estava exatamente após a sua realização,
posto que quando o Xá fosse derrubado, grupos completamente distintos se uniram
em torno de um mesmo objetivo, que era o fim da Monarquia Autocrática, porém
após alcançarem o primeiro objetivo, começaram a disputar entre si o poder que
estava de certo modo vago. Por um lado haviam grupos de esquerda com ideários
socialistas/comunistas querendo a implantação de um regime nos moldes
soviéticos; por outro lado haviam grupos da elite liberal iraniana, buscando
assumir o controle do país e da exploração das reservas energéticas e
mineralógicas nacionais; haviam ainda grupos seculares, que apesar de
opositores ao regime de Reza Pahlavi, não se opunham à manutenção das relações
com o ocidente; e por fim, havia o grupo de maior poder, baseado nos clérigos
Xiitas do Irã, personificados na figura de Khomeini. Ou seja, após os conflitos
para derrubar o governo, iniciaram os conflitos para decidir quem seria o novo
governo. A violência civil explode no país e a repressão estatal da República
Islâmica cresce na mesma proporção.
Ao
assumir [na marra] o poder, o aiatolá implanta a partir do início da década de
1980 uma série de mudanças estruturais nas organizações políticas do país,
tendo como objetivo a criação de bases capazes de sustentar o projeto de uma
república baseada na Sharia e centrada nos dogmas religiosos do Alcorão. Dentre
as principais ações desse período de implantação da república encontra-se a
criação da Guarda Revolucionária Iraniana [não aprofundaremos nessa temática
por hora, mas guarde bem o contexto de criação da guarda revolucionária, pois
ela está no epicentro das tensões atuais entre Estados Unidos e Irã...]. Além
desse grupo militar, as reformas da Era Khomeini criaram conselhos e instituições
revolucionárias nas fileiras da administração pública, que suprimiram o governo
de transição que assumiria após a fuga do Xá Reza Pahlavi e que não
representaria nenhum empecilho para que o aiatolá se tornasse líder supremo da
nação.
Como
é conhecimento comum, e nesse caso o Irã não é uma exceção, os árabes Xiitas
não possuem boas relações políticas e culturais com o mundo ocidental, haja
visto que essa foi uma das justificativas para a revolta dos clérigos conta a
monarquia de Reza Pahlavi. Portanto, obviamente o novo governo teocrático
iraniano não buscará manter relações com os Estados Unidos, acusados de
influenciar negativamente a cultura islâmica e secularizar a religião iraniana,
e muito menos com a União Soviética, posto que o comunismo defendia o
estabelecimento de um Estado completamente laico (na verdade, ateu), o que era
inconcebível para um regime teocrático como a república iraniana. Assim, no
contexto da Guerra Fria o Irã tende a assumir uma posição de não alinhamento às
duas potências hegemônicas.
Nesse
contexto, e agora já buscando criar bases sólidas para o entendimento de toda a
desavença entre iranianos e estadunidenses, é necessário mencionar o incidente
de marca factualmente a ruptura entre o país asiático e a potência americana,
representado pelo sequestro dos funcionários da embaixada dos Estados Unidos em
Teerã, no final de 1979. Todos os 52 funcionários da instalação foram mantidos
reféns por grupos pró-Khomeini por mais de 1 ano. O sequestro dos funcionários
da embaixada está muito além de um mero incidente diplomático, pois ele marca a
primeira grande vitória do governo teocrático iraniano sobre o governo
estadunidense, posto que em 1980, o exército norte americano fracassou em sua
missão de resgate aos reféns, criando de quebra subsídios para a propaganda
anti-imperialista do regime do aiatolá Khomeini, e mais do que isso, força o
governo estadunidense a ceder, através da assinatura dos Acordos de Argel
[capital da Argélia, que mediou as discussões], às exigências do governo Xiita,
de se comprometer a não intervir politica e militarmente no Irã, retirar as
sanções e bloqueios econômicos impostos ao país desde a revolução, bem como as
dívidas iranianas com instituições dos Estados Unidos seriam quitadas, dentre
outras vantagens, em troca da liberação dos reféns e de sua saída segura do
território iraniano.
Em
suma, para um governo autoritário que se inicia, uma vitória dessa magnitude
sobre uma potência hegemônica tem duas consequências: a primeira é o
fortalecimento regional da república islâmica e a segunda é a legitimação dos
meios usados pelo regime em busca de seus objetivos. Seja como for, o estrago
foi feito... Estados Unidos [leia-se ocidente] e Irã já não possuem mais as
“boas relações” dos tempos da monarquia, e a situação tende a piorar, posto que
na mesma medida em que o petróleo se torna importante para o capitalismo
ocidental, o governo teocrático iraniano se torna mais forte no Oriente Médio e
começa a se configurar em uma influência negativa para as nações vizinhas.
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em:
<https://casamundicultura.com.br/wp-content/uploads/2019/04/featured-image-the-iranian-revolution.jpg>
acesso 11 jan. 2020
A “vitória” dos
revolucionários iranianos na crise dos reféns da embaixada dos Estados Unidos
em Teerã, somada ao fracasso do exército estadunidense na tentativa de resgate
da operação Eagle Claw, aumentaram o apoio/temor popular a
Khomeini, que começa a mirar suas ações para além dos territórios do Irã.
O
aiatolá Khomeini começa a vislumbrar a possibilidade de expansão da Revolução Islâmica
para os países vizinhos, principalmente o Iraque, cuja maioria da população era
Xiita, mas era governado na época por Saddam Hussein, pertencente à minoria
Sunita. O estabelecimento de uma grande revolução árabe a partir do Irã, além
de fortalecer a religião e os grupos xiitas, possibilitaria um importante
fortalecimento regional, decorrente do controle das principais áreas produtoras
de petróleo do Oriente Médio por grupos que não fossem pró-ocidente, e que não
aceitassem passivamente o imperialismo das potências europeias e dos Estados
Unidos. Os interesses políticos da recém estabelecida República Teocrática
Iraniana começava a se chocar invariavelmente com os interesses econômicos da
grande potência americana, e obviamente esse tipo de condição conduz para
conflitos e disputas entre as nações.
Antevendo
os riscos de uma Revolução Xiita em seu país, nos moldes daquela experimentada
pelo Irã, Saddam Hussein decide invadir o país vizinho em 1980, se aproveitando
da debilidade da nação no momento de reestruturação política e econômica pós
revolução. Além de evitar a perda do poder para os Xiitas de seu país, o
presidente do Iraque buscava ainda a conquista e o domínio das vastas reservas de
petróleo no território iraniano, uma vez que o governo Sunita do Iraque
mantinha abertas as negociações petrolíferas com o ocidente. Como a Revolução
Iraniana trouxe o rompimento do Irã com os Estados Unidos, a potência americana
necessitava outro aliado importante na região, que além de garantir o
suprimento de petróleo, manteria a presença estadunidense na região
estratégica. Logo, o governo estadunidense passa a apoiar o regime de Saddam
Hussein em sua tentativa de invasão e anexação do território do país governado
pelo aiatolá Khomeini. [Em tempo, note que após os atentados terroristas de 11
de setembro de 2001, Saddam Hussein entra para a lista de arqui-inimigos dos
Estados Unidos, mas entre 1980 e 1988 o presidente iraquiano era um grande
aliado americano...].
Disponível
em:
<https://ichef.bbci.co.uk/news/410/cpsprodpb/FDFD/production/_85912056_hi018856257.jpg>
acesso 12 jan. 2020
A guerra entre Irã e
Iraque não pode ser analisada apenas como um combate entre dois territórios
vizinhos no Oriente Médio. Esse conflito se insere em uma geopolítica muito
maior, que envolve os interesses de países que detém as maiores reservas
mundiais de petróleo e as grandes potências, que dependem de sua exploração
[você leu um spoiler...].
A
debilidade militar e econômica de um Irã, como uma república revolucionária
recém estabelecida, e a pouca capacidade financeira de um Iraque, externamente
endividado e dependente de capitais e apoio externos, produziram um conflito
que se arrastou por oito longos anos (1980 – 1988) e terminou sem nenhum
vencedor, sem nenhum ganho material ou factual, embora as perdas,
principalmente humanas tenham sido exponenciais. Estimativas (não oficiais) acreditam
que durante os oito anos de batalhas (quase que exclusivamente corpo a corpo
das infantarias) entre 400.000 e 800.000 pessoas (militares e civis) perderam
as vidas em ambos os lados, e no final das contas foi assinado um cessar-fogo e
as fronteiras foram mantidas exatamente nos mesmos limites que estavam antes da
guerra... Mas a instabilidade estava estabelecida e o mercado do petróleo havia
sido fortemente afetado, mais uma vez.
Continua...
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