domingo, 12 de janeiro de 2020

TENSÕES POLÍTICAS ENTRE ESTADOS UNIDOS E IRÃ - Parte I


A ESCALADA NAS TENSÕES POLÍTICAS ENTRE ESTADOS UNIDOS E IRÃ

Parte I: As origens no século XX

Por Éder Israel


Disponível em: <https://i.sozcu.com.tr/wp-content/uploads/2019/11/04/iecrop/abd-iran-aa-2_16_9_1572896309-880x495.jpg> acesso em 11 jan. 2020

Tensões políticas crescentes entre os governos dos Estados Unidos e do Irã marcam o início dessa terceira década do século XXI.

A compreensão da crise política atual envolvendo os governos dos Estados Unidos e do Irã traz consigo a necessidade de algumas ações iniciais, para que seja lançada luz sobre a situação e principalmente sejam desfeitos enganos de senso comum, arraigados em nosso pensamento ocidental, de que o Oriente Médio é uma região de relativa homogeneidade cultural e histórica. Apenas após a realização de tais “desambiguidades” seremos capazes de começar a entender o iceberg que se esconde sob o mar de acusações, sanções e discursos políticos acalorados por parte dos governantes das duas nações em questão.

Comecemos pelo começo (...) pela superação do pensamento comum de que todos os países do Oriente Médio (exceto Israel) são árabes... Na realidade o Irã é uma nação predominantemente Persa (sim, aquele velho resumo de aula, de que tudo no Oriente Médio é conflito árabe entre xiitas e sunitas não serve para entender verdadeiramente o Irã). Na realidade a população iraniana é composta por uma miscelânea de povos, etnias e culturas (bem do jeito que é o Oriente Médio), da qual cerca de 60% é de origem persa e apenas cerca de 3%(!) é de origem árabe. Para se ter uma ideia próxima do real, o povo Curdo, que luta pela criação de um Estado próprio, pois não possui ainda pátria, representa cerca de 6% da população iraniana. Sim, o Irã tem mais curdos sem pátria do que árabes nativos. Portanto, esqueça o mapinha mental do “xiita que briga com o sunita e um deles vira terrorista”. No nosso caso essa ideia não responde a todas as questões que surgirão, embora em certo momento essa minoria árabe passe a fazer parte ativamente do quadro de crise...

Desfeita essa ambiguidade étnico-cultural, necessitamos estabelecer um contexto histórico para os atuais conflitos entre a potência americana e a nação asiática. Embora as raízes mais profundas das questões políticas e territoriais do Irã remontem ao período de prosperidade do Império Persa, principalmente no período de 550 a.C. a 330 a.C. sob comando de Dario I e Xerxes I [até 1934 o Irã era chamado pelos estrangeiros de Pérsia, tendo “mudado de nome” apenas a partir de uma decisão governamental]. Mas, deixemos a história para a História e foquemos na geopolítica moderna. O século XX, principalmente após a Primeira Guerra Mundial traz consigo mudanças profundas no ordenamento mundial, principalmente para o Oriente Médio, que passa a ser uma região cada vez mais estratégica, em decorrência da expansão do consumo global de petróleo pelas nações ocidentais, e o Irã, uma das maiores reservas globais, passa a ser um novo Eldorado para o capitalismo industrial em expansão.


Disponível em: <https://www.onthisday.com/images/people/mohammad-reza-pahlavi-medium.jpg> acesso em 11 jan. 2020

Mohammad Reza Shah Pahlavi assume o poder no Irã como sucessor do pai, Reza Shah Pahlavi, em 1941 e permanece no posto até 1979.

As raízes históricas que nos interessam dentro da geopolítica atual do Oriente Médio remetem à primeira metade do século XX, quando o Irã (não mais Pérsia) passou a ser governado por Mohammad Reza Shah Pahlavi (para fins metodológicos, nos referiremos a partir de agora a esse governante como Xá Reza Pahlavi), o qual assumiu o poder e a condição de Xá (denominação dos monarcas persas), iniciando no país um governo baseado em uma monarquia  autocrática pró-ocidente, que governou o país a partir da Segunda Guerra Mundial, mantendo relações próximas com os Estado Unidos e a Inglaterra, nações interessadas na exploração das reservas petrolíferas iranianas pelo chamado Cartel das Sete Irmãs, composto por empresas ocidentais em busca do monopólio/cartel da exploração, refino e distribuição do petróleo, proveniente à época principalmente dos países do Oriente Médio. Xá Reza Pahlavi fazia parte da classe política muçulmana secular, isto é, não baseando em dogmas religiosos as decisões políticas (poderíamos arriscar a dizer, guardadas e respeitadas as devidas proporções, que um Estado muçulmano secular seria o mais próximo possível de um Estado laico ocidental [lembre-se, essa analogia é apenas pra fins metodológicos e auxílio à compreensão]).

Apesar de se autoproclamar herdeiro dos imperadores persas, inicialmente o poder do Xá Reza Pahlavi anda não era supremo no país, posto que o petróleo (a grande riqueza do Irã) ainda era controlado por seu primeiro-ministro, o nacionalista Mohammed Mossadeq, que havia anteriormente estatizado o setor petrolífero da nação, o que ia diametralmente contra as intenções imperialistas dos Estados Unidos e da Inglaterra para o Oriente Médio. Desse modo, Reza Pahlavi, com apoio das duas potências ocidentais deu um golpe em seu próprio primeiro-ministro em 1953, sob o pretexto de que a decisão de nacionalizar a produção de petróleo afastaria o Irã dos estadunidenses e ingleses, deixando o país à mercê de uma dominação soviética. Ora, o golpe dado pelo Xá Reza Pahlavi em seu próprio governo, mais do que uma mudança administrativa, estabelece factualmente a aproximação entre o governo do país asiático e as potências ocidentais, e mais do que isso, abre as portas do Golfo Pérsico pra as multinacionais petrolíferas, que estabeleceriam nesse contexto o Cartel das Sete Irmãs.

Nesse aspecto a política marcadamente secular do Xá começa a trazer choques de interesses com importantes lideranças religiosas do Irã, principalmente os árabes radicais Xiitas, completamente contrários à monarquia autocrática do país e principalmente à ocidentalização em curso na nação, decorrente da ampliação das relações econômicas (e agora políticas) com Estados Unidos e Inglaterra. Mais do que isso, a elite religiosa Xiita passa a buscar o fortalecimento político de suas lideranças, vislumbrando o estabelecimento de um Estado teocrático islâmico que controle o país e principalmente as reservas petrolíferas iranianas. [Perceba, e comece a fazer disso um hábito, que o atual arqui-inimigo do governo estadunidense no Oriente Médio, era no passado um aliado importante. Você irá se surpreender com o número de vezes ao longo do tempo que essa mesma história se repete...].

Outro aspecto importante e causador de significativo descontentamento interno no Irã era a visão passiva que o país passava a ter acerca da existência e legitimidade do Estado de Israel, criado em 1947/48 pela Organização das Nações Unidas – ONU e com claro e manifesto apoio dos Estados Unidos, agora parceiros da monarquia secular iraniana, o que coloca o Irã, país de maioria persa, em rota de colisão com uma minoria árabe Xiita barulhenta, que além de não apoiar a secularização política, não deseja a aproximação com o ocidente e abomina a existência de um território judeu formalizado na Terra Santa. O barril de pólvora do Oriente Médio que jamais se apagou de fato, volta a encontrar uma fagulha para explodir uma vez mais.

Na medida em que as pressões das minorias religiosas iranianas cresciam dentro do país, o Xá direcionava cada vez mais suas ações para o combate e afastamento de qualquer ideário socialista/comunista do Irã (afinal, era isso que preocupava os Estados Unidos, e não um grupo de clérigos Xiitas que compunham uma minoria tecnicamente insignificante no país). Porém, talvez o grande erro da monarquia autocrática de Reza Pahlavi foi exatamente subestimar as inquietações internas na nação, em detrimento da geopolítica global da bipolaridade da Guerra Fria. Os grupos contrários ao governo secular eram combatidos e massacrados pelo serviço secreto do governo (Savak), ampliando o autoritarismo na mesma escala em que crescia o descontentamento interno. Eram notórios os sinais de que a situação fugiria em breve do controle, posto que o próprio Xá foi alvo de pelo menos dois atentados a tiros durante seu governo, mas confiando no apoio estadunidense e nos petrodólares “infinitos”, a situação política interna do Irã foi sendo colocada cada vez mais em segundo plano.

Na segunda metade da década de 1970 explode um grande movimento contrário à monarquia, inicialmente articulado por uma elite econômica liberal iraniana, descontente com as intervenções externas na economia e no setor petrolífero do país [leia-se Sete Irmãs], um crescente movimento político de esquerda, violentamente reprimido e perseguido pela Savak e os clérigos religiosos [lideranças Xiitas] insatisfeitos pela secularização política e ocidentalização da cultura nacional. Na tentativa de conter a crescente onda de oposição interna, o Xá Reza Pahlavi realiza profundas reformas no sistema sociocultural do Irã, as quais foram conhecidas como “Revolução Branca”, com destaque para o banimento e censura de publicações de cunho marxista e islâmico, supervalorização de traços culturais de origem persa e não islâmica e direito de voto concedido às mulheres (o que trouxe ainda mais descontentamento às lideranças patriarcais Xiitas).


Disponível em: <http://pds13.egloos.com/pds/200811/17/23/b0042023_49207056e6536.jpg> acesso em 11 jan. 2020

A influência política do aiatolá Ruhollah Musavi Khomeini cresce no Irã (mesmo ele estando exilado do país desde a década de 1960), na medida em que a imagem interna e externa do Xá Reza Pahlavi se desgasta em decorrência de suas políticas.

No contexto de aumento da repressão e da violência governamental no país, até mesmo o governo dos Estados Unidos, até então aliado e parceiro do Xá [é bem verdade que o então presidente Jimmy Carter estava pressionado pela mídia internacional e preocupado em não manchar a autoimagem estadunidense de guardião da liberdade e dos direitos humanos] ameaça encerrar o fornecimento de armamentos para o governo iraniano, caso esse não reveja seus atos de repressão e a autocracia crescentes no país, o que joga ainda mais combustível na fogueira de ânimos que encontra-se acesa no Oriente Médio. Sem ter alternativa, Reza Pahlavi afrouxa a rigidez política [leia-se autoritarismo], o que alimenta ainda mais as ondas de protestos, fortalecendo ainda mais uma ameaçadora personificação da oposição à monarquia secular, representada pela liderança do grupo Xiita, o aiatolá Ruhollah Musavi Khomeini (na época comandando as manifestações do exílio). Agora com uma revolução popular batendo às portas, escândalos de corrupção assolando o governo e os Estados Unidos ameaçando abandonar a parceria, o Estado monarca iraniano se vê em grandes dificuldades.

Continua...

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