A ESCALADA NAS TENSÕES POLÍTICAS ENTRE ESTADOS UNIDOS E IRÃ
Parte I: As origens no século XX
Por Éder Israel
Disponível em: <https://i.sozcu.com.tr/wp-content/uploads/2019/11/04/iecrop/abd-iran-aa-2_16_9_1572896309-880x495.jpg> acesso em 11 jan. 2020
Tensões políticas crescentes entre os governos dos Estados Unidos e do Irã marcam o início dessa terceira década do século XXI.
A
compreensão da crise política atual envolvendo os governos dos Estados Unidos e
do Irã traz consigo a necessidade de algumas ações iniciais, para que seja
lançada luz sobre a situação e principalmente sejam desfeitos enganos de senso
comum, arraigados em nosso pensamento ocidental, de que o Oriente Médio é uma
região de relativa homogeneidade cultural e histórica. Apenas após a realização
de tais “desambiguidades” seremos capazes de começar a entender o iceberg que
se esconde sob o mar de acusações, sanções e discursos políticos acalorados por
parte dos governantes das duas nações em questão.
Comecemos
pelo começo (...) pela superação do pensamento comum de que todos os países do
Oriente Médio (exceto Israel) são árabes... Na realidade o Irã é uma nação
predominantemente Persa (sim, aquele velho resumo de aula, de que tudo no
Oriente Médio é conflito árabe entre xiitas e sunitas não serve para entender
verdadeiramente o Irã). Na realidade a população iraniana é composta por uma
miscelânea de povos, etnias e culturas (bem do jeito que é o Oriente Médio), da
qual cerca de 60% é de origem persa e apenas cerca de 3%(!) é de origem árabe.
Para se ter uma ideia próxima do real, o povo Curdo, que luta pela criação de
um Estado próprio, pois não possui ainda pátria, representa cerca de 6% da
população iraniana. Sim, o Irã tem mais curdos sem pátria do que árabes
nativos. Portanto, esqueça o mapinha mental do “xiita que briga com o sunita e
um deles vira terrorista”. No nosso caso essa ideia não responde a todas as
questões que surgirão, embora em certo momento essa minoria árabe passe a fazer
parte ativamente do quadro de crise...
Desfeita
essa ambiguidade étnico-cultural, necessitamos estabelecer um contexto
histórico para os atuais conflitos entre a potência americana e a nação
asiática. Embora as raízes mais profundas das questões políticas e territoriais
do Irã remontem ao período de prosperidade do Império Persa, principalmente no
período de 550 a.C. a 330 a.C. sob comando de Dario I e Xerxes I [até 1934 o
Irã era chamado pelos estrangeiros de Pérsia, tendo “mudado de nome” apenas a
partir de uma decisão governamental]. Mas, deixemos a história para a História
e foquemos na geopolítica moderna. O século XX, principalmente após a Primeira
Guerra Mundial traz consigo mudanças profundas no ordenamento mundial,
principalmente para o Oriente Médio, que passa a ser uma região cada vez mais
estratégica, em decorrência da expansão do consumo global de petróleo pelas
nações ocidentais, e o Irã, uma das maiores reservas globais, passa a ser um novo
Eldorado para o capitalismo industrial em expansão.
Disponível em: <https://www.onthisday.com/images/people/mohammad-reza-pahlavi-medium.jpg> acesso em 11 jan. 2020
Mohammad Reza Shah
Pahlavi assume o poder no Irã como sucessor do pai, Reza Shah Pahlavi, em 1941
e permanece no posto até 1979.
As
raízes históricas que nos interessam dentro da geopolítica atual do Oriente
Médio remetem à primeira metade do século XX, quando o Irã (não mais Pérsia)
passou a ser governado por Mohammad Reza Shah Pahlavi (para fins metodológicos,
nos referiremos a partir de agora a esse governante como Xá Reza Pahlavi), o
qual assumiu o poder e a condição de Xá (denominação dos monarcas persas),
iniciando no país um governo baseado em uma monarquia autocrática pró-ocidente, que governou o país
a partir da Segunda Guerra Mundial, mantendo relações próximas com os Estado
Unidos e a Inglaterra, nações interessadas na exploração das reservas
petrolíferas iranianas pelo chamado Cartel das Sete Irmãs, composto por
empresas ocidentais em busca do monopólio/cartel da exploração, refino e
distribuição do petróleo, proveniente à época principalmente dos países do
Oriente Médio. Xá Reza Pahlavi fazia parte da classe política muçulmana
secular, isto é, não baseando em dogmas religiosos as decisões políticas
(poderíamos arriscar a dizer, guardadas e respeitadas as devidas proporções,
que um Estado muçulmano secular seria o mais próximo possível de um Estado
laico ocidental [lembre-se, essa analogia é apenas pra fins metodológicos e
auxílio à compreensão]).
Apesar
de se autoproclamar herdeiro dos imperadores persas, inicialmente o poder do Xá
Reza Pahlavi anda não era supremo no país, posto que o petróleo (a grande
riqueza do Irã) ainda era controlado por seu primeiro-ministro, o nacionalista Mohammed Mossadeq, que havia
anteriormente estatizado o setor petrolífero da nação, o que ia diametralmente
contra as intenções imperialistas dos Estados Unidos e da Inglaterra para o
Oriente Médio. Desse modo, Reza Pahlavi, com apoio das duas potências
ocidentais deu um golpe em seu próprio primeiro-ministro em 1953, sob o
pretexto de que a decisão de nacionalizar a produção de petróleo afastaria o
Irã dos estadunidenses e ingleses, deixando o país à mercê de uma dominação
soviética. Ora, o golpe dado pelo Xá Reza Pahlavi em seu próprio governo, mais
do que uma mudança administrativa, estabelece factualmente a aproximação entre
o governo do país asiático e as potências ocidentais, e mais do que isso, abre
as portas do Golfo Pérsico pra as multinacionais petrolíferas, que
estabeleceriam nesse contexto o Cartel das Sete Irmãs.
Nesse aspecto a política marcadamente secular
do Xá começa a trazer choques de interesses com importantes lideranças
religiosas do Irã, principalmente os árabes radicais Xiitas, completamente
contrários à monarquia autocrática do país e principalmente à ocidentalização
em curso na nação, decorrente da ampliação das relações econômicas (e agora
políticas) com Estados Unidos e Inglaterra. Mais do que isso, a elite religiosa
Xiita passa a buscar o fortalecimento político de suas lideranças, vislumbrando
o estabelecimento de um Estado teocrático islâmico que controle o país e
principalmente as reservas petrolíferas iranianas. [Perceba, e comece a fazer
disso um hábito, que o atual arqui-inimigo do governo estadunidense no Oriente
Médio, era no passado um aliado importante. Você irá se surpreender com o
número de vezes ao longo do tempo que essa mesma história se repete...].
Outro aspecto importante e causador de
significativo descontentamento interno no Irã era a visão passiva que o país
passava a ter acerca da existência e legitimidade do Estado de Israel, criado
em 1947/48 pela Organização das Nações Unidas – ONU e com claro e manifesto
apoio dos Estados Unidos, agora parceiros da monarquia secular iraniana, o que
coloca o Irã, país de maioria persa, em rota de colisão com uma minoria árabe
Xiita barulhenta, que além de não apoiar a secularização política, não deseja a
aproximação com o ocidente e abomina a existência de um território judeu
formalizado na Terra Santa. O barril de pólvora do Oriente Médio que jamais se
apagou de fato, volta a encontrar uma fagulha para explodir uma vez mais.
Na medida em que as pressões das minorias
religiosas iranianas cresciam dentro do país, o Xá direcionava cada vez mais
suas ações para o combate e afastamento de qualquer ideário
socialista/comunista do Irã (afinal, era isso que preocupava os Estados Unidos,
e não um grupo de clérigos Xiitas que compunham uma minoria tecnicamente
insignificante no país). Porém, talvez o grande erro da monarquia autocrática
de Reza Pahlavi foi exatamente subestimar as inquietações internas na nação, em
detrimento da geopolítica global da bipolaridade da Guerra Fria. Os grupos
contrários ao governo secular eram combatidos e massacrados pelo serviço
secreto do governo (Savak), ampliando o autoritarismo na mesma escala em que
crescia o descontentamento interno. Eram notórios os sinais de que a situação
fugiria em breve do controle, posto que o próprio Xá foi alvo de pelo menos
dois atentados a tiros durante seu governo, mas confiando no apoio
estadunidense e nos petrodólares “infinitos”, a situação política interna do
Irã foi sendo colocada cada vez mais em segundo plano.
Na segunda metade da década de 1970 explode um
grande movimento contrário à monarquia, inicialmente articulado por uma elite
econômica liberal iraniana, descontente com as intervenções externas na
economia e no setor petrolífero do país [leia-se Sete Irmãs], um crescente
movimento político de esquerda, violentamente reprimido e perseguido pela Savak
e os clérigos religiosos [lideranças Xiitas] insatisfeitos pela secularização
política e ocidentalização da cultura nacional. Na tentativa de conter a
crescente onda de oposição interna, o Xá Reza Pahlavi realiza profundas reformas
no sistema sociocultural do Irã, as quais foram conhecidas como “Revolução
Branca”, com destaque para o banimento e censura de publicações de cunho
marxista e islâmico, supervalorização de traços culturais de origem persa e não
islâmica e direito de voto concedido às mulheres (o que trouxe ainda mais
descontentamento às lideranças patriarcais Xiitas).
Disponível em: <http://pds13.egloos.com/pds/200811/17/23/b0042023_49207056e6536.jpg> acesso em 11 jan. 2020
A influência política do aiatolá Ruhollah
Musavi Khomeini cresce no Irã (mesmo ele estando exilado do país desde a década de 1960), na medida em que a imagem interna e externa do
Xá Reza Pahlavi se desgasta em decorrência de suas políticas.
No contexto de aumento da repressão e da
violência governamental no país, até mesmo o governo dos Estados Unidos, até
então aliado e parceiro do Xá [é bem verdade que o então presidente Jimmy
Carter estava pressionado pela mídia internacional e preocupado em não manchar a
autoimagem estadunidense de guardião da liberdade e dos direitos humanos] ameaça
encerrar o fornecimento de armamentos para o governo iraniano, caso esse não
reveja seus atos de repressão e a autocracia crescentes no país, o que joga
ainda mais combustível na fogueira de ânimos que encontra-se acesa no Oriente
Médio. Sem ter alternativa, Reza Pahlavi afrouxa a rigidez política [leia-se
autoritarismo], o que alimenta ainda mais as ondas de protestos, fortalecendo
ainda mais uma ameaçadora personificação da oposição à monarquia secular,
representada pela liderança do grupo Xiita, o aiatolá Ruhollah Musavi Khomeini (na época comandando as manifestações do exílio). Agora com uma revolução popular batendo
às portas, escândalos de corrupção assolando o governo e os Estados Unidos
ameaçando abandonar a parceria, o Estado monarca iraniano se vê em grandes
dificuldades.
Continua...
Nenhum comentário:
Postar um comentário