domingo, 19 de janeiro de 2020

TENSÕES POLÍTICAS ENTRE ESTADOS UNIDOS E IRÃ - Parte III



A ESCALADA NAS TENSÕES POLÍTICAS ENTRE ESTADOS UNIDOS E IRÃ

Parte III: O país Persa cada vez mais controlado pelos Árabes

Por Éder Israel


Disponível em: <http://cornellilj.org/wp-content/uploads/2018/01/maxresdefault_52.jpg> acesso em 12 jan. 2020

O fortalecimento geopolítico que o Irã acredita estar obtendo após a Revolução Xiita, combinado com a certeza que as demais nações tem da não ameaça regional representada por essa República Teocrática, começam a nutrir uma dicotomia que tem tudo para não dar nada certo ou para dar muito errado...

A ampliação gradativa e natural do poder político do aiatolá Khomeini, uma possível aproximação do ideário iraniano aos demais países vizinhos começa a preocupar as nações ocidentais, principalmente em decorrência do impacto que isso traria ao mercado global de petróleo, uma vez que a grande maioria desse recurso consumido no mundo moderno provém do Oriente Médio. Outro ponto preocupante nessa nova geopolítica que se desenha é a postura iraniana em relação ao Estado de Israel [lembre-se que no período da monarquia do Xá Reza Pahlavi mencionamos que o Irã se mantinha de certo modo aquém dessas discussões]. O governo Xiita que se instaura na República Iraniana é veementemente contra a existência do Estado judeu nas terras palestinas, e isso ainda será a causa de muita dor de cabeça no futuro.

Porém, a morte de Khomeini em 1989 cria uma série de expectativas a respeito da transição religiosa e política do país, principalmente do modo como o Estado seria conduzido pelo novo aiatolá. Era de fato um período de grandes mudanças e transformações na geopolítica mundial, com a queda do Muro de Berlim na Alemanha, o inicio do esfacelamento da União Soviética e a Guerra Fria dando sinais claros de que seria brevemente superada. Cabe ressaltar que havia no Estado iraniano a figura do aiatolá, líder supremo dos poderes político e religioso, mas abaixo dessa liderança havia a figura de um presidente, mera formalidade, uma vez que na prática, durante os anos de Khomeini ele centrava em si todo o poder decisório. Assim, a tendência natural é que o então presidente (aliado de confiança do aiatolá) assumisse o cargo de líder supremo do país, e foi exatamente o que se observou, quando Ali Hossayn Khamenei (presidente iraniano entre 1981 e 1989) ascende ao cargo de aiatolá iraniano [para fins metodológico nos referiremos a ele a partir de agora apenas como aiatolá Khamenei].


Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/90/Portrait_of_Ali_Khamenei%2C_1985_%282%29.jpg> acesso em 12 jan. 2020

Ao assumir o poder supremo no Irã, o novo aiatolá, Ali Khamenei demonstra que as mudanças esperadas pelo ocidente na condução política do país não seriam de fato vislumbradas. Fiel ao ideário de Khomeini, a nova liderança manteria os mesmos posicionamentos do governo após a revolução em 1979.

Seu histórico regresso com presidente iraniano durante o período de liderança suprema do aiatolá Khomeini, trouxeram a Khamenei a experiência administrativa que faltava a seu antecessor, posto que ao assumir o poder no Irã após a revolução, Khomeini não possuía vasta [ou nenhuma] experiência política, o que lhe trouxe a necessidade de aparelhar a república com a figura de um presidente. O novo aiatolá [embora continuasse a existir o presidente] acabou por aglomerar em si grande parte do poder nacional, mais até do que o antigo líder. Indiscutivelmente, o aiatolá Khomeini desempenhava uma liderança carismática sobre a população, que falta a Khamenei, porém o atual líder supremo compensa essa falta com o entendimento político que os anos de presidência lhe garantiram. Até certo ponto exageradamente, mas não totalmente irreal, podemos conceber que a figura do presidente iraniano na atualidade é mais simbólica do que factual [a decisão final é sempre do aiatolá].

A participação ativa no governo durante a era Khomeini garantiu a Khamenei uma rede importante de relações e influências dentro da administração iraniana, com destaque para a proximidade com a Guarda Revolucionária Iraniana, supervisionada por ele antes e depois de assumir a presidência do país [lembre-se que já mencionamos que a Guarda Revolucionária Iraniana encontra-se no epicentro da atual crise com os Estados Unidos. Vá guardando essas informações...]. Com uma liderança tão proeminente exercendo os cargos de chefe político e religioso, nenhum presidente iraniano conseguiu sair da sombra do aiatolá Khamenei, tendo sido os governos de Ali Akbar Hashemi Rafsanjani (1989 – 1997) e de Seyed Muhammad Khatami (1997 – 2005) de pouco peso na geopolítica regional, posto que a figura de Khamenei ocupava todo o cenário político iraniano. Mas nesse meio tempo faz-se necessária a análise do início do século XXI, posto que esse momento trará o acirramento atual entre Estado Unidos e Irã, nesse contexto as desavenças começam a tomar forma de possível conflito militar.


Disponível em: <https://media.elobservadordelsur.com/adjuntos/247/imagenes/000/089/0000089714.jpg> acesso em 12 jan. 2020

Os atentados terroristas contra os Estados Unidos em 11 de setembro de 2001 provocaram uma profunda mudança na política externa da potência americana, tendo o então presidente, George W. Bush lançado a chamada “Guerra ao Terror”, com intervenções militares e imposição de sanções econômicas contra nações acusadas de apoiar grupos terroristas, dentre elas o Irã.

Após a realização dos ataques do grupo terrorista Al-Qaeda, liderado por Osama Bin Laden, contra alvos políticos, militares e civis dentro do território dos Estados Unidos, o país lança a chamada Doutrina Bush, que tinha como justificativa o combate ao terrorismo e ao extremismo religioso, principalmente no Oriente Médio. Como alvos diretos o governo Bush agrupou seus quatro desafetos principais, Afeganistão, Iraque, Irã e Coreia do Norte, no que ficou conhecido como “Eixo do Mal”. A ofensiva militar se iniciou com a invasão do Afeganistão, ainda em 2001, seguida pela ocupação do Iraque em 2004, enquanto contra o Irã e a Coreia do Norte foram impostas apenas sanções econômicas. [Vai parecer repetitivo, e de fato é... mas devemos nos lembrar que em 1979 a URSS invadiu o Afeganistão e os Estados Unidos apoiaram grupos insurgentes afegãos, que expulsaram os soviéticos em 1989. Uma das lideranças principais desses insurgentes era Osama Bin Laden, treinado, financiado e apoiado pelo governo estadunidense. Novamente o aliado do passado é o arqui-inimigo do presente...]

No caso do Irã, os Estados Unidos possuíam uma combinação de fatores que levavam a considerar o país asiático como uma ameaça a seus interesses. Em primeiro lugar, desde a revolução de 1979 as lideranças xiitas do país consideravam a potência americana um inimigo público da fé islâmica. Em segundo lugar, o governo dos aiatolás dificultava o acesso estadunidense à produção de petróleo iraniana (cabe destacar que o irã possui a segunda maior reserva global em volume de produção). Em terceiro lugar o governo iraniano estaria supostamente investindo em um programa nuclear para fins militares, mesmo sendo signatário do Tratado de Não-Proliferação Nuclear - TNP, em vigor desde 1970. O governo iraniano negava o uso de atomística para produção de bombas atômicas.

Aliás, a questão nuclear iraniana é um assunto controverso, para se dizer o mínimo... Os investimentos do país nessa tecnologia foram iniciados ainda durante o governo do Xá Reza Pahlavi na década de 1950, como parte de um grande acordo internacional chamado de “Programa Átomos para a Paz” [não ria...], defendido, apoiado e financiado pelos Estados Unidos [não ria...]. Pois bem, o Irã agora governado por desafetos declarados dos estadunidenses estaria desenvolvendo tecnologia para a criação de uma bomba atômica, o que traz consigo dois problemas centrais: Sendo signatário do TNP, o país asiático se comprometeu a não desenvolver tais armamentos, e estaria portanto infringindo uma regra internacional, estando sujeito a punições, que poderiam ir de sanções econômicas até intervenções militares. Além disso, o governo iraniano afirmou repetidas vezes que é totalmente contrário à existência do Estado de Israel na região, e a posse desse tipo de armamento colocaria os israelenses (importantes aliados dos Estados Unidos) em risco iminente de ataque. Publicamente, o próprio aiatolá Khamenei já afirmou repetidas vezes que o holocausto nunca existiu...


Disponível em: <https://editorart.files.wordpress.com/2010/08/mahmoud_ahmadinejad1.jpg> acesso em 12 jan. 2020

A situação entre Estados Unidos e Irã se torna ainda mais complexa a partir de 2005, quando Mahmoud Ahmadinejad se torna presidente do país. Diferentemente de seus dois antecessores, Ahmadinejad não permanecerá envolto nas sombras da figura do aiatolá supremo. O novo presidente iraniano é midiático e incisivo nos ataques públicos ao governo estadunidense.

Mahmoud Ahmadinejad é um importante aliado do aiatolá Khamenei, se assim não o fosse, dificilmente teria ascendido ao posto presidencial do Irã. Na realidade a aparente bravata do presidente se trata do fato de ele assumir o papel de interlocutor público do líder supremo, muitas vezes falando aquilo que o aiatolá não falaria ou fazendo aquilo que o grande líder não se prestaria a fazer. Mahmoud seria de certo modo a voz de Khamenei fora do Irã, uma vez que o aiatolá não viaja para fora do país... Com carta branca para falar suas bravatas em nome da república, o presidente se torna um dos principais personagens da geopolítica do Oriente Médio no início do século XXI, travando por várias vezes debates acalorados e trocas de ameaças diversas com o então presidente George W. Bush, mas a maioria dos insultos e ameaças raramente passaram do nível da verbalização.

Porém, de um jeito ou de outro o programa nuclear iraniano seguiu, apesar de todas as pressões externas e das sucessivas sanções econômicas impostas ao país pela Organização das Nações Unidas – ONU e pela Organização Mundial do Comércio – OMC. Apesar de ser de conhecimento público que o país asiático estivesse realizando pesquisas atômicas, explorando reservas próprias de urânio e realizando enriquecimento do combustível, os organismos internacionais não conseguiram de fato provar o uso desses recursos ou suas motivações para os campos militares, por isso (em grande parte) o país não foi invadido pelas forças armadas estadunidenses ou de seus aliados. Do mesmo modo que os discursos afiados do presidente iraniano não criaram um conflito bélico com os países ocidentais, eles dificultaram qualquer tentativa de estabelecimento de um acordo internacional que diminuísse as sanções econômicas impostas ou reconhecesse as intenções civis do programa nuclear do Irã.


Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/14/Hassan_Rouhani.jpg > acesso em 12 jan. 2020

Após o período Ahmadinejad, agora sob a presidência do moderado Hassan Rouhani o Irã reabre os debates com as lideranças ocidentais e os organismos internacionais, criando possibilidades para a superação das incertezas quanto ao programa nuclear do país e a suspensão das sansões econômicas impostas à República Islâmica.

Apenas após o período de presidência de Mahmoud Ahmadinejad e a chegada ao poder de Hassan Rouhani ao poder em 2013 as portas de negociação internacional foram reabertas para o Irã, e as nações passaram a buscar o estabelecimento de um novo acordo nuclear, que contemplasse as mudanças globais observadas desde a assinatura do TNP e as novas diretrizes do projeto supostamente civil iraniano. Ainda em 2013 foi iniciada uma série de reuniões entre o Irã e o grupo conhecido como P5 + 1, composto pelos 5 membros do Conselho de Segurança da ONU (Estados Unidos, França, Inglaterra, Rússia e China) e a Alemanha, onde foram tratados e definidos os termos do Acordo Nuclear do Irã, finalizado e formalizado em 2015, na tentativa de por um fim na escalada de tensões e ameaças entre o ocidente e o Oriente Médio. Os termos desse acordo previam que o país asiático se comprometeria a reduzir seus estoques de urânio enriquecido, além de permitir a visita de supervisores internacionais, que atestassem as finalidades pacíficas do programa, em troca da retirada das sanções econômicas impostas ao país pela ONU e pela OMC.

Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário