quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

GLOBALIZAÇÃO X CORONAVÍRUS CHINÊS


2019-nCoV: A MAIS RECENTE AMEAÇA DE PANDEMIA GLOBAL

- Por Éder Israel


Disponível em: <https://img.freepik.com/vetores-gratis/mapa-mundial-com-tecnologia-global-ou-rede-de-conexao-social-com-ilustracao-vetorial-de-nos-e-nos_1284-1968.jpg?size=626&ext=jpg> acesso em 25 jan. 2020

Por mais que a propaganda vendida pelo ideário da globalização seja de que a integração entre povos e espaços atue como ferramenta fundamental para a diminuição das disparidades socioeconômicas, a realidade tem mostrado que, por vezes, mais que os benefícios da modernidade, os malefícios da vida moderna tem se aproveitado desse processo integracional.

No atual estágio do processo de globalização das sociedades, é natural que as distâncias que separam os espaços se apresentem cada vez mais reduzidas, em decorrência da evolução massiva e constante dos meios de transportes e telecomunicações. Embora as distâncias físicas continuem praticamente as mesmas de milênios atrás (o movimento das placas tectônicas provoca uma mudança irrisória nessas distâncias no tempo histórico), o tempo gasto para percorrê-las tem se tornado cada vez mais diminuto, e no caso das informações, essa distância é percorrida quase que de modo instantâneo.

Assim, a globalização passa a se basear cada vez mais nos chamados fluxos, que se estabelecem pelas ( e para as) relações entre os espaços e os indivíduos, outrora isolados ou muito afastados. Porém, da mesma maneira que há fluxos extremamente positivos, como das informações, das tecnologias, dos capitais (...), fluxos negativos também se ampliam de modo exponencial nos últimos anos, como das drogas, das armas, do tráfico sexual, das doenças (...). Desse modo, a globalização e a formação da chamada aldeia global tende a aproximar os lugares e povos, possibilitando-lhes acessos aos benefícios da vida moderna, mas trazendo consigo as mazelas da atual sociedade humana.

Com a crescente velocidade e a intensidade dos deslocamentos materiais e imateriais entre os espaços, o mundo vive sob a ameaça constante de que qualquer problema de saúde pública de uma nação (ou mesmo de uma cidade) rapidamente se espalhe a nível planetário, fazendo com que uma epidemia de determinada enfermidade tenha condições de se tornar rapidamente uma pandemia global. O mundo já experimentou sucessivas vezes essa sensação de preocupação e alerta nesse início de século XXI, quando várias doenças regionalizadas em determinados espaços nacionais se espalharam para outros países e mesmo continentes, causando temor de uma infecção mundial. Portanto, em um mundo em que praticamente não exista mais o isolamento das sociedades, qualquer sinal de alerta das organizações de saúde deve ser observado com total atenção.


Disponível em: <https://media.graytvinc.com/images/Coronavirus5.jpg> acesso em 25 jan. 2020

O anúncio de um caso de infecção por uma cepa desconhecida do Coronavírus na cidade de Wuhan, na China, coloca o mundo em alerta para o risco de uma pandemia que poderia se espalhar rapidamente pelo mundo.

A Organização Mundial da Saúde – OMS emitiu um alerta no dia 31 de dezembro de 2019 , depois que a agência de saúde do Estado chinês informou a existência de casos de uma grave e misteriosa síndrome pulmonar na cidade de Wuhan, na porção Centro-Leste do país asiático. Imediatamente foi recomendado ao governo chinês o isolamento dos pacientes e o início das investigações das causas da infecção. Já no início de janeiro de 2020 as autoridades sanitárias chinesas anunciaram que a infecção estava sendo causada por uma cepa, até então desconhecida, do Coronavírus, que foi identificada como 2019-nCoV.

O segundo passo foi a identificação da origem da contaminação. Segundo o governo da China, os primeiros infectados tinham em comum o fato de frequentarem um grande mercado de frutos do mar na cidade de Wuhan, o que levou o governo a definir esse mercado como possível foco inicial da contaminação. No mercado da cidade, além dos peixes e frutos do mar, são comercializados ilegalmente animais selvagens, consumidos como iguarias culinárias por parte da população chinesa, como galinhas, morcegos, coelhos e cobras. Esses animais passaram a ser considerados possíveis reservatórios do vírus, e as pesquisas se concentraram nessa ideia.

O Coronavírus é conhecido das autoridades internacionais de saúde, e possui cepas identificadas que podem causar desde resfriados simples até graves pneumonias, como as que são observadas atualmente na China. Segundo as agências sanitárias, essa cepa, até então desconhecida, é muito próxima daquela que causou, na própria China, a epidemia de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS, na sigla em inglês) entre 2002 e 2003 e daquela outra que foi responsável pela Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS, na sigla em inglês) a partir de 2012, principalmente na Arábia Saudita. Geralmente os Coronavírus permanecem em animais infectados, e em certos casos, o contato direto entre esses animais infectados e seres humanos leva à contaminação das pessoas.

No caso da MERS, acredita-se que dromedários infectados transmitiram o Coronavírus MERS-CoV para pessoas no Oriente Médio, e depois de mutações virais passou a haver o contágio entre os próprios seres humanos, tendo a doença se espalhado pela região, causando a morte de aproximadamente 300 pessoas nos países infectados. No caso da SARS, acredita-se que gatos-almiscarados (provavelmente contaminados por morcegos), vendidos em mercados de animais selvagens na China, transmitiram o Coronavírus SARS-CoV para pessoas no país, e depois passou a haver o contágio entre os seres humanos. Diferentemente da MERS, a SARS se espalhou em larga escala para fora da Ásia, tendo causado a morte de mais de 800 pessoas no mundo.

As autoridades de saúde da China acreditam que morcegos ou cobras comercializadas no mercado de Wuhan tenham contaminado as pessoas que circulavam pelo espaço, e posteriormente essas pessoas contaminadas passaram a levar o vírus para fora do centro comercial. Um dos grandes problemas a respeito da proliferação da epidemia é o fato de que a cidade de Wuhan é uma grande metrópole, de aproximadamente 11 milhões de habitantes (maior que a população de cidades como Rio de Janeiro ou Nova Iorque). Além de ser um importante entreposto ferroviário, que faz a ligação entre as províncias litorâneas industrializadas da China e o interior agrícola do país, sendo rota de passagem de milhares de pessoas diariamente, o que potencializa as chances de dispersão do vírus.

Portanto, a cidade que é o grande epicentro da infecção do Coronavírus 2019-nCoV é também um importante elo nos transportes e na circulação de pessoas, tanto entre as regiões da China, como daquelas que chegam ou partem do país. O aeroporto internacional de Wuhan possui voos semanais regulares para a maioria das grandes capitais da Ásia e da Europa, o que aumenta ainda mais a dimensão da possível transmissão global do novo vírus. Junto à confirmação da primeira morte por conta da nova síndrome pulmonar, no dia 09 de janeiro de 2020 vieram as confirmações de casos da doença fora da China, inicialmente na Ásia e posteriormente nos Estados Unidos, e mais recentemente Europa e Austrália.


Adaptado de: <https://ca-times.brightspotcdn.com/dims4/default/5c938d6/2147483647/strip/true/crop/1356x1080+0+0/resize/840x669!/quality/90/?url=https%3A%2F%2Fcalifornia-times-brightspot.s3.amazonaws.com%2Ffd%2Ffd%2F5476f23f4b6fb532b486ec9892b6%2Fw10-la-sci-coronavirus-china-spreading.png> acesso em 25 jan. 2020

Em 24 de janeiro de 2020 haviam sido contabilizadas infecções em 11 países (para fins metodológicos, consideraremos Taiwan e Hong Kong como países, embora não o sejam), com 1315 casos confirmados e 41 mortes registradas (no período de elaboração do infográfico acima, os casos da Austrália e da França ainda não haviam sido confirmados).

O fato de a economia chinesa crescer em ritmo acelerado, associado à produção e exportação industrial maciça do país faz com que todo e qualquer acontecimento naquela nação se espalhe com vultosa rapidez pelo cenário global, e tem sido assim com o Coronavírus 2019-nCoV. Porém cabe ressaltar que as mercadorias industriais exportadas pela China não representam risco de contaminação, posto que a infecção se dá principalmente através do contato com secreções de indivíduos já infectados, liberadas por exemplo pela tosse ou pelo espirro. Portanto, a priori, a contaminação advém do contato direto ou indireto com organismos vivos e seus “derivados”.

Com a confirmação de casos em outras nações, os governos começaram a estabelecer ações de fiscalização e controle de seus fluxos transfronteiriços, principalmente nos aeroportos e estações ferroviárias. Países como a Itália e os Estados Unidos, assim como a própria China, têm utilizado scanners corporais e termômetros infravermelhos para a medição da temperatura das pessoas que chegam de áreas consideradas de risco ou já infectadas, uma vez que um dos principais sintomas aparentes das infecções por Coronavírus é a febre. Assim, busca-se a criação de uma triagem de casos suspeitos já na chegada aos países, para que não haja possibilidade imediata de contágio.


Disponível em: <https://www.sbs.com.au/news/sites/sbs.com.au.news/files/podcast_images/a_thermal_sensor_checks_body_temperatures_to_screen_for_the_coronavirus_at_seoul_airport_korea_aap.jpg> acesso em 25 jan. 2020

Scanners dotados de sensores termo sensíveis são utilizados para identificar pessoas que apresentam febre no desembarque de aviões e trens provenientes de áreas de risco de contaminação, tanto dentro quanto fora da China. Identificar os casos de infecção com rapidez é vital para o socorro às vítimas e para controle da proliferação do Coronavírus 2019-nCoV.

No caso chinês, o Estado estabeleceu ações emergenciais de grande porte, principalmente vinculadas à contenção da proliferação do vírus, tendo sido decretado o estado de quarentena nas cidades de Wuhan (primeiro local da infecção) e nas vizinhas Huanggang e Ezhou, todas localizadas na província de Hubei. Nessas localidades, os sistemas de transportes públicos, assim como locais de grandes aglomerações humanas, tiveram suas atividades suspensas por tempo indeterminado a partir de 23 de janeiro de 2020. A busca dessa quarentena é evitar que o vírus se espalhe ainda mais.

Juntamente a essas ações de isolamento o governo chinês deu início também a grandes investimentos em estruturas destinadas ao controle e combate ao novo vírus. Como a metrópole de Wuhan encontra-se isolada pela quarentena, e seus hospitais já estão superlotados, é necessária a construção de novos centros médicos emergenciais para atender à demanda local. Assim, em 23 de janeiro iniciaram-se as obras de um novo hospital, com 1.000 leitos que serão dedicados exclusivamente ao tratamento dos casos da nova infecção. A previsão é que o hospital seja inaugurado em 3 de fevereiro, apenas 10 dias após o início das obras. Cabe ressaltar que em 2003, o ápice da epidemia do Coronavírus SARS-CoV, foi erguido em Xangai outro hospital emergencial também em apenas 10 dias para tratamento dos infectados.

Por hora existe um esforço global em prol de dois objetivos principais, sendo o primeiro a contenção da infecção pelo novo vírus, e o segundo é a busca de uma vacina contra essa nova cepa do Coronavírus. Um dos grandes problemas de cepas desconhecidas de vírus, como nos casos do MERS-CoV, do SARS-CoV e do 2019-nCoV é que como ainda não havia contato deles com o organismo humano, portanto, não possuímos imunidade natural a eles; assim, as vacinas se tornam vitais para reduzir as mortes e a infecção. As agências de saúde pública e centros de pesquisas sanitárias da China realizaram rapidamente o sequenciamento genético do novo vírus e o divulgou em um banco de dados público, permitindo que outros governos e principalmente laboratórios privados iniciem pesquisas a respeito de possíveis vacinas e tratamentos, uma vez que atualmente os pacientes estão sendo tratados com os antivirais existentes, de acordo com os sintomas apresentados.

Outra grande preocupação do governo do país asiático é com as festividades do ano novo do calendário chinês, comemoradas a partir do dia 25 de janeiro, quando centenas de milhões de pessoas circulam pelo país, durante o período de férias. Estima-se que nesse período ocorra o maio fluxo migratório do mundo contemporâneo, e em um quadro de grave epidemia como o atual, os riscos de contaminação seriam incalculáveis e o número de infectados poderia atingir cifras inimagináveis. Grandes cidades do país, como Pequim, cancelaram as comemorações (que durariam uma semana), o que deve se estender por grande parte do território nacional, principalmente após a declaração do Primeiro Ministro, Xi Jinping, que no dia 25 de janeiro afirmou publicamente que a situação nacional é séria e que o surto está se acelerando dentro da China.

Se essa nova contaminação pode ou não se tornar uma pandemia global, apenas a velocidade nos resultados das pesquisas acerca de tratamento e erradicação será capaz de responder. Mas, do mesmo modo dos episódios anteriores, como a SARS em 2003, o vírus H1N1 (gripe suína) em 2009, a MERS em 2012, o EBOLA em 2013, dentre outros, o mundo precisa cada vez mais estar em estado de alerta, posto que os fluxos materiais observados na moderna globalização intensificam todas as possibilidades de intercâmbio entre os espaços e os povos, e as doenças infectocontagiosas não se fazem exceção a essas circulações contemporâneas. Os vírus têm sofrido mutações em ritmo cada vez mais veloz e se espalhado para locais antes impensáveis, ao passo que contaminações têm se tornados epidemias com mais frequência, e o risco de pandemias se mostra cada vez mais real e próximo.

Obs: Por tratar-se de uma epidemia em crescimento, os números de casos confirmados e de mortes aqui mencionados estarão (infelizmente) menores que os números atualizados na data de publicação desse texto.

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