sábado, 9 de junho de 2018

O CAOS POLÍTICO EM QUE ESTÁ MERGULHADA A VENEZUELA (Parte 1)


A crise política e econômica venezuelana


- Por Éder Israel



Disponível em: <http://mediad.publicbroadcasting.net/p/wxxi/files/201803/vflag.jpg> Acesso em 06 jun. 2018

Do mesmo modo que a Venezuela se tornou no final do século XX um exemplo bem sucedido da aplicação de um modelo bolivariano de governo, o país mostrou, a partir do início do século XXI, alguns aspectos e mazelas deste regime político/econômico, tendo exaurido suas bases com a mesma velocidade com que as apresentou como salvação para muitas nações da América do Sul.

Porém, compreender a crise da Venezuela vai muito além de uma rasa e simples análise do quadro atual observado hoje no país; este entendimento passa pela compreensão dos contextos históricos que levaram a nação à adoção deste modelo bolivariano, dos aspectos favoráveis no início de sua adoção, para só aí partirmos para o entendimento daquilo que deu errado nos últimos anos.

Inicialmente é preciso que saibamos que ao longo de grande parte do século XIX o país foi governado por regimes ligados às grandes oligarquias rurais ou agentes militares, o que conferiu à Venezuela uma carga maior de nacionalismo e valorização dos recursos próprios, como os produtos agrícolas ou a exploração petrolífera a partir do início do século XX. Ora, ali, como a maioria dos regimes nacionalistas, tem-se a busca por parte do Estado de uma suposta aproximação/aceitação popular, o que condiciona à realização de certas concessões sociais para que não haja um ambiente propício a grupos contrários ao poder estabelecido. E esta mesma postura é mantida após a implantação da democracia em 1959.

Como na década de 1920 o petróleo começou a s ser explorado economicamente no país, o hidrocarboneto passa a ter um papel de destaque na composição econômica da Venezuela, tornando-se responsável por aproximadamente 30% do PIB atual, e 80% da pauta das exportações nacionais. Assim, passa a responder por quase 50% de todo o orçamento do Estado. As grandes reservas e principalmente a elevada qualidade do petróleo venezuelano colocam o país em uma posição de destaque no mercado internacional, tendo tornado o país latino um dos membros fundadores da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP na década de 1960, passando a exercer, junto de várias nações do Oriente Médio, forte influência sobre o mercado e os preços globais deste recurso estratégico.


Disponível em: <https://brasilamericaeconomia.com.br/sites/brasil.americaeconomia.com/files/styles/ae_main/public/field/image/petroleovenezuela.jpg?itok=2Ife8xip> Acesso em 06 jun. 2018

Porém, em 1973 o país privatiza a exploração petrolífera, o que faz com que o Estado passe a receber apenas os royalties da sua exploração, reduzindo assim a capacidade investidora do governo nos aspectos sociais. Aliás, o ano de 1973 marca também a ocorrência do Primeiro Choque do Petróleo, o que gerou  um aumento de cerca de 400% do preço do barril no mercado internacional, beneficiando em um primeiro momento os países exportadores, que passam a obter margens de lucro cada vez maiores, e o governo da Venezuela passa a ter mais recursos para a realização de investimentos de caráter social; mas, esses investimentos esperados para os setores sociais não ocorreram na intensidade que a população esperava.

Interessado na elevação dos preços do petróleo a partir de 1973, e nos possíveis dividendos que isso poderia gerar para o Estado, o governo venezuelano realiza a nacionalização das empresas do setor petrolífero em 1976; porém, a chegada do “contra-choque” do petróleo reduziu os preços do hidrocarboneto, e o que o governo via como chance de lucro se tornou aumento de custos de manutenção de uma cadeia produtiva estatal maior. Deste modo, a Venezuela se viu obrigada a contrair grandes empréstimos estrangeiros para manter os investimentos na indústria petroleira nacionalizada, elevando assim o endividamento externo do país.

Nessa situação, a Venezuela encontra-se em 1979 com o Segundo Choque do Petróleo, quando ocorre uma nova alta recorde nos preços; porém, diferentemente do I choque, desta vez as exportações dos países produtores foi afetada negativamente, uma vez que o preço se tornou tão alto, que o mercado consumidor passou a ser incapaz de manter o consumo de derivados de petróleo nos níveis de antes, sendo ainda menos capazes de aumentar o seu consumo. Essa situação prejudica severamente a condição econômica da Venezuela, posto que o país é amplamente dependente das exportações desse recurso para a composição de seu PIB e para a manutenção de sua balança comercial positiva.

Internacionalmente ocorre a elevação das taxas de juros, o que impacta severamente na Venezuela, pois a dívida externa da nação cresce de modo exponencial, ao passo que os investimentos externos se tornariam cada vez mais raros. O país latino passava a enfrentar na sua economia a mesma crise que assolava o Brasil, a qual batizamos de “Década Perdida”, com maciça saída de capitais, ampliação dos saldos devedores e aumento da dependência externa de sua economia. A prosperidade vinculada à produção e exportação do petróleo começava a cobrar o seu preço, e a crise econômica começava a se tornar um problema social, e esse problema social daria origem a uma severa crise política no país.


Disponível em: <https://k31.kn3.net/008024352.png> Acesso em 09 jun. 2018

Esta crise social atinge o seu auge em 1989, quando o governo venezuelano, comandado na época pelo presidente Carlos Pérez, é levado a contrair um empréstimo bilionário junto ao Fundo Monetário Internacional – FMI, tendo o governo latino oferecido ao banco como contrapartida para o empréstimo a adesão do país à “cartilha neoliberal”, baseada nas políticas de privatização de empresas estatais e no corte de gastos públicos pelo Estado. Porém, entre a chegada dos empréstimos que “salvaram” temporariamente a economia do país e o início do programa neoliberal na nação, Carlos Pérez é reeleito presidente, amparado por uma campanha eleitoral baseada em uma falsa recuperação da cries e em um enganoso crescimento da economia.

Uma vez reeleito, Pérez inicia a aplicação das medidas neoliberais, o que cria uma profunda e crescente insatisfação pública no país, que culminara em uma rebelião popular contra o governo, ainda em 1989. Essa rebelião ficaria conhecida como Caracazo, tendo terminado com centenas de mortos e milhares de feridos, depois que o governo utilizou forças militares na repressão das manifestações. Esta crise acaba por colocar em cheque o modelo político do país e a segurança para a economia baseada apenas na exportação de uma commodity, controlada pelo mercado internacional. Nesse momento nota-se que aquele período de estabilidade econômica inaugurado a partir da década de 1920 com a exploração de petróleo começa a ruir no final do século XX, criando espaço político para grupos ou figuras contrárias ao governo, com destaque para a ascensão pública de Hugo Chávez, envolvido em movimentos em prol da derrubada do governo de Pérez.


Disponível em: <http://revistazeta.net/wp-content/uploads/2018/03/caracazo-1.jpg> Acesso em 08 jun. 2018

Continua...

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