A crise política e econômica venezuelana
- Por Éder Israel
Disponível
em: <http://mediad.publicbroadcasting.net/p/wxxi/files/201803/vflag.jpg>
Acesso em 06 jun. 2018
Do
mesmo modo que a Venezuela se tornou no final do século XX um exemplo bem
sucedido da aplicação de um modelo bolivariano de governo, o país mostrou, a
partir do início do século XXI, alguns aspectos e mazelas deste regime
político/econômico, tendo exaurido suas bases com a mesma velocidade com que as
apresentou como salvação para muitas nações da América do Sul.
Porém,
compreender a crise da Venezuela vai muito além de uma rasa e simples análise
do quadro atual observado hoje no país; este entendimento passa pela
compreensão dos contextos históricos que levaram a nação à adoção deste modelo
bolivariano, dos aspectos favoráveis no início de sua adoção, para só aí
partirmos para o entendimento daquilo que deu errado nos últimos anos.
Inicialmente
é preciso que saibamos que ao longo de grande parte do século XIX o país foi
governado por regimes ligados às grandes oligarquias rurais ou agentes
militares, o que conferiu à Venezuela uma carga maior de nacionalismo e
valorização dos recursos próprios, como os produtos agrícolas ou a exploração
petrolífera a partir do início do século XX. Ora, ali, como a maioria dos
regimes nacionalistas, tem-se a busca por parte do Estado de uma suposta
aproximação/aceitação popular, o que condiciona à realização de certas
concessões sociais para que não haja um ambiente propício a grupos contrários
ao poder estabelecido. E esta mesma postura é mantida após a implantação da
democracia em 1959.
Como
na década de 1920 o petróleo começou a s ser explorado economicamente no país,
o hidrocarboneto passa a ter um papel de destaque na composição econômica da
Venezuela, tornando-se responsável por aproximadamente 30% do PIB atual, e 80%
da pauta das exportações nacionais. Assim, passa a responder por quase 50% de
todo o orçamento do Estado. As grandes reservas e principalmente a elevada
qualidade do petróleo venezuelano colocam o país em uma posição de destaque no
mercado internacional, tendo tornado o país latino um dos membros fundadores da
Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP na década de 1960,
passando a exercer, junto de várias nações do Oriente Médio, forte influência
sobre o mercado e os preços globais deste recurso estratégico.
Disponível
em:
<https://brasilamericaeconomia.com.br/sites/brasil.americaeconomia.com/files/styles/ae_main/public/field/image/petroleovenezuela.jpg?itok=2Ife8xip>
Acesso em 06 jun. 2018
Porém,
em 1973 o país privatiza a exploração petrolífera, o que faz com que o Estado
passe a receber apenas os royalties da sua exploração, reduzindo assim a
capacidade investidora do governo nos aspectos sociais. Aliás, o ano de 1973
marca também a ocorrência do Primeiro Choque do Petróleo, o que gerou um aumento de cerca de 400% do preço do
barril no mercado internacional, beneficiando em um primeiro momento os países exportadores,
que passam a obter margens de lucro cada vez maiores, e o governo da Venezuela
passa a ter mais recursos para a realização de investimentos de caráter social;
mas, esses investimentos esperados para os setores sociais não ocorreram na
intensidade que a população esperava.
Interessado
na elevação dos preços do petróleo a partir de 1973, e nos possíveis dividendos
que isso poderia gerar para o Estado, o governo venezuelano realiza a
nacionalização das empresas do setor petrolífero em 1976; porém, a chegada do
“contra-choque” do petróleo reduziu os preços do hidrocarboneto, e o que o
governo via como chance de lucro se tornou aumento de custos de manutenção de
uma cadeia produtiva estatal maior. Deste modo, a Venezuela se viu obrigada a
contrair grandes empréstimos estrangeiros para manter os investimentos na
indústria petroleira nacionalizada, elevando assim o endividamento externo do
país.
Nessa
situação, a Venezuela encontra-se em 1979 com o Segundo Choque do Petróleo,
quando ocorre uma nova alta recorde nos preços; porém, diferentemente do I
choque, desta vez as exportações dos países produtores foi afetada
negativamente, uma vez que o preço se tornou tão alto, que o mercado consumidor
passou a ser incapaz de manter o consumo de derivados de petróleo nos níveis de
antes, sendo ainda menos capazes de aumentar o seu consumo. Essa situação
prejudica severamente a condição econômica da Venezuela, posto que o país é
amplamente dependente das exportações desse recurso para a composição de seu
PIB e para a manutenção de sua balança comercial positiva.
Internacionalmente
ocorre a elevação das taxas de juros, o que impacta severamente na Venezuela,
pois a dívida externa da nação cresce de modo exponencial, ao passo que os
investimentos externos se tornariam cada vez mais raros. O país latino passava
a enfrentar na sua economia a mesma crise que assolava o Brasil, a qual
batizamos de “Década Perdida”, com maciça saída de capitais, ampliação dos
saldos devedores e aumento da dependência externa de sua economia. A
prosperidade vinculada à produção e exportação do petróleo começava a cobrar o
seu preço, e a crise econômica começava a se tornar um problema social, e esse
problema social daria origem a uma severa crise política no país.
Disponível
em: <https://k31.kn3.net/008024352.png> Acesso em 09 jun. 2018
Esta
crise social atinge o seu auge em 1989, quando o governo venezuelano, comandado
na época pelo presidente Carlos Pérez, é levado a contrair um empréstimo
bilionário junto ao Fundo Monetário Internacional – FMI, tendo o governo latino
oferecido ao banco como contrapartida para o empréstimo a adesão do país à
“cartilha neoliberal”, baseada nas políticas de privatização de empresas
estatais e no corte de gastos públicos pelo Estado. Porém, entre a chegada dos
empréstimos que “salvaram” temporariamente a economia do país e o início do
programa neoliberal na nação, Carlos Pérez é reeleito presidente, amparado por
uma campanha eleitoral baseada em uma falsa recuperação da cries e em um
enganoso crescimento da economia.
Uma
vez reeleito, Pérez inicia a aplicação das medidas neoliberais, o que cria uma
profunda e crescente insatisfação pública no país, que culminara em uma
rebelião popular contra o governo, ainda em 1989. Essa rebelião ficaria
conhecida como Caracazo, tendo terminado com centenas de mortos e milhares de
feridos, depois que o governo utilizou forças militares na repressão das
manifestações. Esta crise acaba por colocar em cheque o modelo político do país
e a segurança para a economia baseada apenas na exportação de uma commodity,
controlada pelo mercado internacional. Nesse momento nota-se que aquele período
de estabilidade econômica inaugurado a partir da década de 1920 com a
exploração de petróleo começa a ruir no final do século XX, criando espaço
político para grupos ou figuras contrárias ao governo, com destaque para a
ascensão pública de Hugo Chávez, envolvido em movimentos em prol da derrubada
do governo de Pérez.
Disponível
em: <http://revistazeta.net/wp-content/uploads/2018/03/caracazo-1.jpg>
Acesso em 08 jun. 2018
Continua...
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