quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

MYANMAR, FEVEREIRO DE 2021

 

GOLPE DE ESTADO EM MYANMAR

- Prof. Éder Israel


Soldado do exército de Myanmar monitora rua próxima ao Congresso Nacional.

Disponível em: <https://phvox.com.br/wp-content/uploads/2021/02/golpe.jpg> acesso em 03 fev. 2021

O território de Myanmar se localiza no Sudeste da Ásia, fazendo fronteira com os territórios da China, Laos, Bangladesh, Índia e Tailândia, além de possuir um extenso litoral que se estende pelo mar de Adaman e pela Baia de Bengala. Por conta de sua localização estratégica o país foi até 1948 uma importante zona colonial da Inglaterra, quando então se tornou independente, ainda sob o antigo nome de Birmânia.


Localização geográfica e limites fronteiriços do território de Myanmar, antiga Birmânia.

Disponível em: <https://cpb-us-e1.wpmucdn.com/blogs.cornell.edu/dist/a/5456/files/2015/03/Myanmar-Asia-Map-2b274mm.jpg> acesso em 03 fev. 2021

Após alcançar a independência colonial o país sofre um golpe militar em 1962, e o governo ditatorial instaurado implanta na Birmânia a partir de 1974 um regime político aliado ao bloco socialista, que era comandado pela União Soviética durante a Guerra Fria. As relações com os soviéticos são mantidas até o enfraquecimento da ideologia defendida pela potência europeia, e o rompimento com Moscou ocorre em 1988. A Birmânia entra então em um segundo período de ditadura militar, dessa vez sob a ideologia capitalista e sem influência direta do ideário socialista de antes. Esse novo regime militar muda o nome do país para Myanmar em 1989.

Mesmo sob um regime militar o país realiza eleições legislativas em 1990, quando as urnas deram a vitória ao grupo de oposição ao regime, a chamada Liga Nacional pela Democracia – LND. Porém o resultado eleitoral não foi aceito pelo governo autoritário que detinha o poder desde 1988. Das eleições de 1990 sai fortalecida a figura de Aung San Suu Kyi, filha de um dos principais líderes do movimento pró- independência da Birmânia em 1948. Suu Kyi, que foi posteriormente vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 1991, e ocupava atualmente o cargo de Conselheira de Estado no governo nacional, que sofreu o golpe de 2021.


Em prisão domiciliar, coube à família de Suu Kyi receber em seu nome o Nobel da Paz em 1991.

Disponível em: <https://i.pinimg.com/originals/81/f7/ec/81f7ece1f72113ac058d912ff40018ce.jpg> acesso em 03 fev. 2021

A não aceitação do regime ao resultado das urnas levou instabilidade social ao país, com grandes ondas de protestos populares seguidas de fortes e violentas repressões por parte do Estado, culminando em massivo fluxo migratório de populações de Myanmar em direção aos países vizinhos, na condição de refugiados nos anos seguintes. Novas eleições foram convocadas apenas em 2007, e sob graves acusações de fraude os grupos políticos apoiadores do regime militar alcançaram a maioria absoluta dos votos, ampliando-se tanto a repressão do poder público como as manifestações populares contra o regime ditatorial.

Apenas em 2011 a ditadura começa a dar sinais de enfraquecimento e a democracia começa a ser vista como uma possibilidade material para o cenário político de Myanmar. Nesse contexto os militares iniciam um lento e controlado processo de transição política no país, que culminaria nas eleições verdadeiramente democráticas de 2015. Porém, em 2008, a Constituição nacional havia sido reeditada para que aos militares ficasse garantido automaticamente ¼ dos lugares na Assembleia Legislativa, assim como a chefia dos principais ministérios do Estado, independentemente de quem vencesse as eleições.

As urnas em 2015 confirmaram a oposição popular ao regime militar instaurado no país, sendo que a LND recebeu a maioria absoluta dos votos populares, embora Aung San Suu Kyi não pudesse assumir o cargo de presidente do país, por ser casada com um estrangeiro e a Constituição apresentar veto a tal situação, tendo sido então indicado à presidência nacional Htin Kyaw, outro membro da cúpula do partido.  Em resposta aos questionamentos externos, o novo governo cria no ano seguinte e cargo de Conselheiro de Estado (equivalente ao posto de Primeiro-Ministro) que passou a ser ocupado por Aung San Suu Kyi. A participação de Suu Kyi no comando político do país apresentou momentos de amplo apoio da comunidade internacional, por conta de sua luta pra democracia nacional e dos vários anos que passou em prisão domiciliar durante o período militar, mas também de grandes questionamentos e contestações pelo mundo, principalmente por sua negligência ou inoperância nos conflitos étnicos de Myanmar, envolvendo principalmente os crimes humanitários sabidamente cometidos contra a minoria muçulmana Rohingya a partir de 2017, tido por várias organizações internacionais como um processo de limpeza étnica.


Muçulmanos de Myanmar acusam Suu Kyi de conivência aos massacres de Rohingyas no país.

Disponível em: <http://bsmedia.business-standard.com/_media/bs/img/article/2017-09/06/full/1504721496-6392.jpg> acesso em 03 fev. 2021

Em novembro de 2020 foram realizadas novas eleições gerais em Myanmar e a LND alcançou nova vitória, mantendo o partido no poder nacional, com um segundo período mandatário a se iniciar no dia 01 de fevereiro de 2021. Porém, antes da abertura da primeira sessão do parlamento, quando seria confirmada a vitória do partido de Suu Kyi, os militares decretaram a prisão das principais lideranças ligadas ao partido vencedor do pleito, entre eles a própria Aung San Suu Kyi e o então presidente em exercício Win Myint, além de ativistas e intelectuais do país. Após depor o poder instituído, as lideranças militares entregaram o comando do país ao General Min Aung Hlaing, que assumiu o governo de modo excepcional, com base supostamente em dispositivos legais presentes na Constituição de 2008.

A alegação inicial dos militares é de que houve fraude nas eleições de 2020, justificando a decretação por parte das forças armadas de um Estado de Emergência em Myanmar, que estabelece a possibilidade de permanência do alto comando militar no poder por pelo menos um ano ou até que novas eleições sejam convocadas e realizadas. Porém do mesmo modo que pairam dúvidas acerca das reais motivações do golpe, existem também incertezas a respeito do desfecho da situação política da nação.

Internacionalmente muitos governos tem se posicionado a respeito dos acontecimentos, e na geopolítica atual, como era de se esperar, Estados Unidos e China adotam posturas e discursos antagônicos. Por um lado o governo estadunidense, bem como a maioria dos governos da União Europeia, manifestou desacordo à intervenção militar no país asiático, convocando uma reunião emergencial do Conselho de Segurança da ONU para debater possíveis medidas e interferências no caso. Por outro lado, o governo da China defende a não interferência externa e a garantia da soberania política de Myanmar, e um apoio, ainda que velado e dissimulado, aos militares e à tomada do poder recente.


Manifestantes tomam as ruas do país em protestos contra o golpe e o General Min Aung Hlaing.

Disponível em: <https://s3media.freemalaysiatoday.com/wp-content/uploads/2021/02/AP21032350090425.jpg> acesso em 03 fev. 2021

Sabe-se que nos últimos anos grandes transformações ocorreram em Myanmar, principalmente no campo econômico, através da abertura do país aos investimentos externos, o que tem modernizado a nação e, segundo algumas lideranças conservadoras, ocidentalizado a sociedade. Essa modernização, principalmente relacionada aos meios de comunicação e às mídias sociais tem possibilitado crescente intercâmbio de informações até então restritas e censuradas do país, tais como os massacres sucessivos de minorias étnicas como os Rohingyas, que colocam o governo e as forças armadas do país em uma situação de no mínimo conivência desse grave crime, considerado internacionalmente um genocídio.

Porém, apenas o tempo e o desenrolar dos fatos mostrarão o que de fato está por trás do golpe de 2021 e o que se seguirá a ele.

 

 

 

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