GOLPE DE ESTADO EM MYANMAR
- Prof. Éder Israel
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em: <https://phvox.com.br/wp-content/uploads/2021/02/golpe.jpg> acesso em
03 fev. 2021
O
território de Myanmar se localiza no Sudeste da Ásia, fazendo fronteira com os
territórios da China, Laos, Bangladesh, Índia e Tailândia, além de possuir um
extenso litoral que se estende pelo mar de Adaman e pela Baia de Bengala. Por
conta de sua localização estratégica o país foi até 1948 uma importante zona
colonial da Inglaterra, quando então se tornou independente, ainda sob o antigo
nome de Birmânia.
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Após
alcançar a independência colonial o país sofre um golpe militar em 1962, e o
governo ditatorial instaurado implanta na Birmânia a partir de 1974 um regime
político aliado ao bloco socialista, que era comandado pela União Soviética
durante a Guerra Fria. As relações com os soviéticos são mantidas até o
enfraquecimento da ideologia defendida pela potência europeia, e o rompimento
com Moscou ocorre em 1988. A Birmânia entra então em um segundo período de
ditadura militar, dessa vez sob a ideologia capitalista e sem influência direta
do ideário socialista de antes. Esse novo regime militar muda o nome do país
para Myanmar em 1989.
Mesmo
sob um regime militar o país realiza eleições legislativas em 1990, quando as
urnas deram a vitória ao grupo de oposição ao regime, a chamada Liga Nacional
pela Democracia – LND. Porém o resultado eleitoral não foi aceito pelo governo
autoritário que detinha o poder desde 1988. Das eleições de 1990 sai
fortalecida a figura de Aung San Suu Kyi, filha de um dos principais líderes do
movimento pró- independência da Birmânia em 1948. Suu Kyi, que foi
posteriormente vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 1991, e ocupava atualmente o
cargo de Conselheira de Estado no governo nacional, que sofreu o golpe de 2021.
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A
não aceitação do regime ao resultado das urnas levou instabilidade social ao
país, com grandes ondas de protestos populares seguidas de fortes e violentas
repressões por parte do Estado, culminando em massivo fluxo migratório de
populações de Myanmar em direção aos países vizinhos, na condição de refugiados
nos anos seguintes. Novas eleições foram convocadas apenas em 2007, e sob graves
acusações de fraude os grupos políticos apoiadores do regime militar alcançaram
a maioria absoluta dos votos, ampliando-se tanto a repressão do poder público
como as manifestações populares contra o regime ditatorial.
Apenas
em 2011 a ditadura começa a dar sinais de enfraquecimento e a democracia começa
a ser vista como uma possibilidade material para o cenário político de Myanmar.
Nesse contexto os militares iniciam um lento e controlado processo de transição
política no país, que culminaria nas eleições verdadeiramente democráticas de
2015. Porém, em 2008, a Constituição nacional havia sido reeditada para que aos
militares ficasse garantido automaticamente ¼ dos lugares na Assembleia
Legislativa, assim como a chefia dos principais ministérios do Estado,
independentemente de quem vencesse as eleições.
As
urnas em 2015 confirmaram a oposição popular ao regime militar instaurado no
país, sendo que a LND recebeu a maioria absoluta dos votos populares, embora
Aung San Suu Kyi não pudesse assumir o cargo de presidente do país, por ser
casada com um estrangeiro e a Constituição apresentar veto a tal situação, tendo
sido então indicado à presidência nacional Htin Kyaw, outro membro da cúpula do
partido. Em resposta aos questionamentos
externos, o novo governo cria no ano seguinte e cargo de Conselheiro de Estado
(equivalente ao posto de Primeiro-Ministro) que passou a ser ocupado por Aung
San Suu Kyi. A participação de Suu Kyi no comando político do país apresentou
momentos de amplo apoio da comunidade internacional, por conta de sua luta pra
democracia nacional e dos vários anos que passou em prisão domiciliar durante o
período militar, mas também de grandes questionamentos e contestações pelo
mundo, principalmente por sua negligência ou inoperância nos conflitos étnicos
de Myanmar, envolvendo principalmente os crimes humanitários sabidamente
cometidos contra a minoria muçulmana Rohingya a partir de 2017, tido por várias
organizações internacionais como um processo de limpeza étnica.
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Em
novembro de 2020 foram realizadas novas eleições gerais em Myanmar e a LND
alcançou nova vitória, mantendo o partido no poder nacional, com um segundo
período mandatário a se iniciar no dia 01 de fevereiro de 2021. Porém, antes da
abertura da primeira sessão do parlamento, quando seria confirmada a vitória do
partido de Suu Kyi, os militares decretaram a prisão das principais lideranças
ligadas ao partido vencedor do pleito, entre eles a própria Aung San Suu Kyi e
o então presidente em exercício Win Myint, além de ativistas e intelectuais do
país. Após depor o poder instituído, as lideranças militares entregaram o
comando do país ao General Min Aung Hlaing, que assumiu o governo de modo
excepcional, com base supostamente em dispositivos legais presentes na Constituição
de 2008.
A
alegação inicial dos militares é de que houve fraude nas eleições de 2020,
justificando a decretação por parte das forças armadas de um Estado de
Emergência em Myanmar, que estabelece a possibilidade de permanência do alto
comando militar no poder por pelo menos um ano ou até que novas eleições sejam
convocadas e realizadas. Porém do mesmo modo que pairam dúvidas acerca das
reais motivações do golpe, existem também incertezas a respeito do desfecho da
situação política da nação.
Internacionalmente
muitos governos tem se posicionado a respeito dos acontecimentos, e na
geopolítica atual, como era de se esperar, Estados Unidos e China adotam
posturas e discursos antagônicos. Por um lado o governo estadunidense, bem como
a maioria dos governos da União Europeia, manifestou desacordo à intervenção
militar no país asiático, convocando uma reunião emergencial do Conselho de
Segurança da ONU para debater possíveis medidas e interferências no caso. Por
outro lado, o governo da China defende a não interferência externa e a garantia
da soberania política de Myanmar, e um apoio, ainda que velado e dissimulado,
aos militares e à tomada do poder recente.
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acesso em 03 fev. 2021
Sabe-se
que nos últimos anos grandes transformações ocorreram em Myanmar,
principalmente no campo econômico, através da abertura do país aos
investimentos externos, o que tem modernizado a nação e, segundo algumas
lideranças conservadoras, ocidentalizado a sociedade. Essa modernização,
principalmente relacionada aos meios de comunicação e às mídias sociais tem
possibilitado crescente intercâmbio de informações até então restritas e
censuradas do país, tais como os massacres sucessivos de minorias étnicas como
os Rohingyas, que colocam o governo e as forças armadas do país em uma situação
de no mínimo conivência desse grave crime, considerado internacionalmente um
genocídio.
Porém,
apenas o tempo e o desenrolar dos fatos mostrarão o que de fato está por trás
do golpe de 2021 e o que se seguirá a ele.
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