Parte 1: Povos
Por Éder Israel
Aos
nossos olhos, ocidentais e etnocêntricos, falar sobre o Oriente Médio torna-se
algo confuso e cheio de meandros que geralmente desencadeiam uma onda de
preconceitos e pré-julgamentos que acabam por colocar no mesmo grupo de análise
as pessoas que simplesmente seguem suas vidas com base nas escrituras do
Alcorão e aquelas que fazem dele a leitura deturpada que melhor lhe convém e
espalham pelo mundo o terrorismo e o extremismo religioso, o que torna aos “olhos
do mundo” um seguidor do Islã em um terrorista suicida e facínora.
Para
complicar ainda mais a situação, chega-nos informações desencontradas acerca de Xiitas, Sunitas, Curdos, Árabes, Muçulmanos, Islâmicos... Quem é quem nisso
tudo?? Quem são os bandidos e quem são os mocinhos?? Há de fato bandidos e
mocinhos?? Ainda nos chegam notícias de um tal de Estado Islâmico, misturado
com Al qaeda, com Talibã, com Califado, seguidores de uma tal Suna, pregando uma
Sharia, declarando uma Jihad... Meu Deus! (ou Ala!, ou Buda!...) é coisa demais
para uma cabeça só...
Mas
vamos lá, tentar entender ao menos um pouco disso tudo...
Uma
das primeiras coisas que se faz necessária para a discussão é entender a
diferença entre os Xiitas e os Sunitas, isso vai ajudar bastante a compreender
a secular disputa que existe entre esses dois grupos religiosos antagônicos e
rivais dentro da religião Islâmica.
As
disputas entre esses dois grupos, e sua separação propriamente dita, se deu
após a morte do Profeta Maomé, autor do Alcorão, o livro sagrado para a
religião islâmica. Com a morte do líder desta religião, que na verdade se
confundia com política e economia, deu-se início uma disputa interna para
decidir quem deveria suceder o Profeta no “controle” da religião. Nesse
contexto de transição do poder a ideia inicial era que Abu Bakr e Omar, sogros
de Maomé, escolhessem o novo líder do Islã, uma vez que detinham o posto de Califa e naturais sucessores do Profeta. Em meados do século VII os califas
decidiram que o genro de Maomé, Othman, deveria assumir o posto de líder
supremo da religião, o que descontentou árabes recém convertidos ao Islã.
Othman durou pouco no cargo, sendo assassinado após assumir o lugar de Maomé...
Com
a morte de Othman, assumiu o poder outro Califa, chamado Ali, que era por sua
vez primo de Maomé. Ali foi acusado posteriormente de tramar o assassinato de
Othman e acabou sendo assassinado também por grupos que eram contrários ao seu
califado. Com a morte de Ali, quem assume o poder no Islã é Muhawya, que não
tinha laços sanguíneos diretos com Maomé, fato que gerou a criação de um grupo
contrário ao seu direito de ser Califa e outro favorável, estabelecendo assim
os Xiitas e Sunitas respectivamente.
Entende-se
(de modo simples e direto) como sendo Xiitas os membros de um grupo minoritário
dentro do Islã que defende que a sucessão de Maomé deva ser realizada apenas
por indivíduos que possuam laços sanguíneos com o Profeta, e que as escrituras
sagradas do Islã devem ser seguidas do modo tradicional, através de uma leitura
com base naquela que era feita ainda nos tempos de Maomé. Assim, para os
Xiitas, deve-se seguir na vida a Lei Islâmica acima de todas as demais coisas e
leis, e a vida dos islâmicos deve obedecer a um código de regras e dogmas
supremos propostos ainda pelo Profeta no Alcorão, o que estabelece a Sharia.
Esta
Sharia, tão discutida, comentada e afirmada atualmente nos meios de mídia de
massa significa “ao pé da letra” fazer da sua vida algo muito próximo à vida
que se levava no período em que Maomé escrevera o Alcorão. Trata-se de uma
leitura tradicional, ortodoxa e literal das escrituras sagradas, que acaba por
retomar as bases clássicas do Islã, uma vez que esta religião encontra-se
intimamente ligada à vida política das populações. Assim, a Sharia seria a
obediência às leis sagradas estabelecidas pelo Profeta em suas escrituras.
Por
outro lado existe um grupo majoritário que pratica o Islamismo sob uma ótica
“mais moderna” (sei que não é uma ideia interessante essa de religião mais
moderna, mas enfim...) este grupo representa os Sunitas, cujo nome deriva da
Suna, um livro sagrado no qual são narradas histórias de grandes ações
realizadas por Maomé e um conjunto de regras morais a serem seguidas segundo as
lições do criador do Islã. Mas vamos com calma, pois os sunitas não abandonaram
o Alcorão para seguir a Suna; esse grupo segue as leis islâmicas, porém se valem
também da leitura desse segundo livro sagrado, diferentemente dos Xiitas que
baseiam-se apenas na leitura do Alcorão.
Juntamente
aos Xiitas e Sunitas, os Curdos são sempre citados quando o assunto é Oriente
Médio e conflitos étnicos nessa região. Mas afinal, quem são e o que querem os
Curdos?
Os
Curdos correspondem hoje ao maior grupo étnico que não tem uma terra para
chamar de sua. Se autodeclaram oriundos e proprietários de um território que
chamam Curdistão, o qual se estende por uma série de países tais como a
Turquia, Irã, Iraque. Síria, dentre outros. Segundo consta existem hoje mais de
25 milhões de pessoas no mundo que se declaram curdas, sendo que a quase
totalidade se encontra nos países onde afirmam localizar-se sua “terra natal”.
O
grande problema com relação aos Curdos se dá exatamente aí, no que se relaciona
a seu território, pois reivindicam para si uma área que abrange parcelas dos
territórios de várias outras nações autônomas. No Iraque por exemplo os Curdos
ocupam historicamente uma área localizada em uma das maiores jazidas de
petróleo do país, o que levou no passado o governo do líder Sunita, Saddam Hussein,
a lançar mão de ataques com armas químicas com o intuito de eliminar a
população curda e ter acesso pleno às reservas do combustível fóssil.
Após
os ataques químicos e o enfraquecimento do governo de Hussein o Iraque se viu
obrigado a criar uma zona de segurança e “permitir” a permanência dos Curdos nessa
região, pelo menos enquanto a mídia internacional estiver de olho... Assim, em
grande parte dos países da região, os Curdos são considerados invasores e uma
ameaça à estabilidade e ao direito soberano das nações sobre seu território
nacional. Falaremos um pouco mais sobre os Curdos em breve quando estivermos
discutindo Estado Islâmico.
Por
hora, sinto apenas uma vontade enorme de fazer uma relação entre o povo curdo em
sua busca por território e os judeus após a Segunda Guerra Mundial, mas vou
tentar me conter por dois motivos: primeiro por que são povos diferentes e em
situações completamente diferentes, e segundo por que a solução para o
primeiro caso não foi tão bem feita assim...
Continua...
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