GRUPO TALIBÃ RETOMA O PODER NO AFEGANISTÃO
Prof. Éder Israel
Combatentes do Talibã exibem forte arsenal bélico, tomado das forças de
segurança
Disponível em: <https://folharondoniense.com.br/mundo/talibas-deixam-mais-de-100-mortos-ou-feridos-em-base-militar-no-afeganistao/>
acesso em 17 ago. 2021
O mês de agosto de 2021 marca dois movimentos
geopolíticos muito importantes para o mundo, os quais, em decorrência do quadro
pandêmico atual, podem passar à margem dos grandes debates globais. O primeiro
deles é a retirada completa (ou quase) das tropas estadunidenses do território
afegão; o segundo, e sem dúvidas mais impactante, o retorno triunfal do grupo
radical Talibã (ou Talebã, ou Taliban...) ao controle político do país
asiático. Compreender esses dois movimentos, a relação entre eles e
principalmente seus desdobramentos se faz vital para que possamos assistir com
entendimento à geopolítica do século XXI sendo escrita diante dos nossos olhos.
Confusa, assim como é muita coisa que
acontece no Oriente Médio aos nossos olhos ocidentais, é a relação histórica de
“amor e ódio” entre os governos estadunidenses e as lideranças radicais do
grupo árabe, pois em variados contextos históricos eles se atacam ou se ajudam
com a mesma facilidade e intensidade. Precisamos, portanto, buscar no passado
as raízes dessa interação para que possamos talvez lançar luz sobre os
acontecimentos do presente. Para tal estabeleceremos como marco histórico
inicial o período da bipolaridade mundial na Guerra Fria.
Primeiramente faz-se necessário entender o que
é de fato o grupo Talibã, compreendendo todo o contexto e cenário de sua gênese
em meados dos anos de 1990... porém, de certa forma, essa organização já existia
mesmo antes de existir formalmente (?!), tendo sua fase embrionária fecundada
ainda no final dos anos de 1970...
Essa origem embrionária remonta ao período de ocupação soviética no Afeganistão, compreendido entre 1979 e 1989, no apagar das luzes da Guerra Fria. Nesse período o bloco geopolítico comandado pela potência do Leste Europeu buscava ampliar sua presença e domínio no Oriente Médio, como meio de minar o crescimento econômico dos Estados Unidos, amplamente dependente do petróleo importado daquela região asiática. Portanto, nesse período de disputa ideológica quem não estivesse do lado soviético, tenderia a se aliar aos Estados Unidos e vice-versa, e foi assim com vários grupos árabes rebeldes em território afegão que não se interessavam (entre várias outras coisas) com o Estado ateu apregoado pelo bloco socialista. Muito pelo contrário!
Tanque foi abandonado, assim como muito armamento, após a retirada da
URSS em 1989
Disponível em: <https://scroll.in/article/1001228/what-a-military-takeover-by-the-taliban-could-mean-for-afghanistan>
acesso em 17 ago. 2021
Dos vários grupos rebeldes do país um dos
mais destacados era o composto pelos Mujahidins (em tradução livre: “Guerreiros
Santos”) que receberam apoio direto do serviço secreto dos Estados Unidos (CIA)
para combater e expulsar os soviéticos que controlavam o Afeganistão à época.
Esse apoio significava logística, capitais, treinamentos e armas. Em suma, o
governo estadunidense travava uma guerra no Oriente Médio contra seu maior
inimigo sem a necessidade de usar diretamente suas próprias tropas. E deu certo!
Em 1989 os Soviéticos foram enfim expulsos do país asiático, e os vários grupos
rebeldes estavam armados até os dentes e lutariam agora contra o governo
afegão, que continuava a receber apoio externo da URSS.
Em 1992 os grupos rebeldes conseguiram enfim dominar
as maiores cidades do país e extirparam o poder do governo nacional. Porém,
longe da estabilidade, começaria um segundo conflito, dessa vez entre os vários
grupos internos que até pouco tempo partilhavam as trincheiras contra o
Socialismo soviético. Nesse contexto que o grupo majoritário, os Mujahidins,
continua recebendo apoio externo, dessa vez do governo paquistanês, vizinho ao
Afeganistão, enquanto os demais grupos e dissidentes Mujahidins lutam
por seu próprio lugar ao sol. É nesse efervescente caldeirão beligerante que
nasce em 1994 um pequeno grupo, composto por não mais que meia centena de
jovens estudantes, batizado como Talibã (ou “Estudantes” em Pachto, uma
das línguas faladas no país).
Sob comando de Mohammed Omar, um proeminente
combatente que recebeu apoio e treinamento dos Estados Unidos durante a
ocupação soviética, o novo grupo inicia suas ações paramilitares e começa a
divulgar suas bases ideológicas e projetos para o país. Dentre os principais
preceitos desse movimento estavam o combate às influências ocidentais (isso
inclui principalmente os EUA, que até pouco tempo os financiava, treinava e
armava...) e a implantação de um regime de governo baseado na Sharia, ou
Lei Islâmica (na verdade a sua própria interpretação dela...). Um dos grandes
trunfos do grupo recém criado foi o grande apoio popular, principalmente por
parte do grupo étnico a que “pertencia”, o povo Pachtun, o mais numeroso
do Afeganistão.
Desde sua fundação em 1994, Mohammed Omar comanda o Talibã até sua morte
em 2013
Adaptado de: <https://www.gratispng.com/png-d65pha/>
e <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:FlagofTaliban.svg> acesso em
17 ago. 2021
Ao longo do restante daquela década o grupo
ganhava em volume, poder e influência nacional, conseguindo conquistar o
controle de várias cidades, combatendo até a derrota de suas forças de defesa
ou fazendo com que elas simplesmente passassem para o seu lado e fortalecesse o
movimento rebelde. Nesse processo o Talibã foi acumulando grande parte do
poderio e arsenal bélico, que permitiriam posteriormente a ampliação de sua
zona de influência na nação e a aniquilação de grupos ou forças opositoras.
Já em 1996 o grupo toma a cidade de Cabul,
capital do Afeganistão e sede do governo nacional, bem como assume o poder
político e passa a governar o país, colocando em prática muitos dos projetos
idealizados durante a gênese do grupo dois anos antes, principalmente o
radicalismo na interpretação das escrituras sagradas islâmicas e a busca pela “desocidentalização”
da sociedade, através do uso sistemático da violência contra minorias étnicas,
opositores e marcadamente as mulheres, essas últimas plenamente cerceadas da
vida social do país e relegadas a um quadro de extrema submissão e dominação.
O poder político do Talibã permaneceu quase
que inabalável até o ano de 2001, mesmo tendo sido reconhecido formalmente como
governo por apenas três nações: Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Paquistão.
■ Continua...
muito interessante, ansiosa pela próxima parte
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