quinta-feira, 19 de agosto de 2021

GRUPO TALIBÃ (parte 2)

 

O GOVERNO E A QUEDA DO TALIBÃ NO AFEGANISTÃO


Prof. Éder Israel

 Em 11 de setembro de 2001 os Estados Unidos são atacados pelo grupo Al Qaeda, comandado por Osama Bin Laden

Disponível em: <https://www.snopes.com/fact-check/wtc-terrorism-insurance/> acesso em 17 ago. 2021

Compreendida a formação e ascensão do grupo Talibã no Afeganistão faz-se necessário agora o entendimento do modo como os radicais comandaram o país árabe durante os 5 anos em que permaneceram de fato no poder. É também importante que se esclareça o conjunto de fatores que culminariam na perda de seu controle da nação em 2001, e principalmente como os combatentes permaneceram ativos e atuantes nos bastidores, à espreita para reassumir o controle da nação na primeira oportunidade que aparecesse.

O Talibã seguiu à risca seu projeto inicial de implantar no Afeganistão um regime político centrando na interpretação radical das escrituras sagradas para os islâmicos, suprimindo direitos essenciais de grande parte de sua população e perseguindo minorias e grupos que se posicionassem contrariamente à sua doutrina. Isso trouxe um grande isolamento geopolítico à nação e acentuou sobremaneira as mazelas socioeconômicas que já impactavam pesadamente sobre a população.

Internamente o grupo impôs um regime teocrático radical à população, criticado e contestado por nações e organizações internacionais, no qual a violação dos direitos humanos era marcante e latente, com destaque para o cerceamento das liberdades individuais das populações femininas, proibidas de frequentar estabelecimentos de ensino e de ocupar postos no mercado de trabalho, sejam nos setores púbicos ou privados. Até mesmo a saída das mulheres de suas casas era condicionada ao fato de estarem acompanhadas de algum membro da família, do sexo masculino.

A “desocidentalização” do país teve ainda ações para a eliminação de aspectos culturais, que segundo os radicais talibãs estariam contra os preceitos estabelecidos pela Sharia. Nesse processo grandes patrimônios culturais da humanidade, como muitas bibliotecas lotadas de obras seculares que foram incendiadas e até mesmo representações religiosas de outras culturas, como as seculares estátuas de Buda presentes no país, que foram implodidas, sob a acusação de atentarem contra a fé islâmica. As perdas culturais, históricas, sociais, políticas e econômicas do período de governo do Talibã são irreparáveis ao Afeganistão e ao povo afegão.

Nesse período houve aproximação entre o grupo radical e outros representantes dessa visão extremista das escrituras sagradas islâmicas, com destaque para Osama Bin Laden e sua organização terrorista, conhecida como Al Qaeda, que tinha em comum com as lideranças talibãs o revanchismo contra o mundo ocidental, acusado de usurpar os recursos naturais e minar os traços culturais do Mundo Árabe. Esse discurso de ódio às culturas ocidentais se concentrava contra a representação geopolítica dos Estados Unidos, grande potência econômica do contexto e grande interessado no petróleo dos países árabes. Destruir a hegemonia estadunidense seria então o grande projeto da Al Qaeda, agora apoiado também pelo Talibã.

Osama Bin Laden, líder do grupo Al Qaeda se torna o principal inimigo dos Estados Unidos, após os atentados de 2001

Disponível em: <https://sicnoticias.pt/mundo/2017-01-20-Bin-Laden-estava-preocupado-com-envelhecimento-da-Al-Qaeda-antes-de-ser-abatido> acesso em 17 ago. 2021

Em setembro de 2001 o grupo comandado por Bin Laden realiza o mais icônico atentado terrorista da era moderna, atacando alvos estratégicos nos Estados Unidos como aviões lotados de civis, em sua maioria estadunidenses. Naquele ato o objetivo principal era mostrar ao mundo as fragilidades da maior potência mundial, atacando seu poderio econômico, representado pelas torres gêmeas do World Trade Center; seu poderio político, representado pela Casa Branca; e seu poderio militar, representado pela sede do Pentágono. Após os ataques o governo dos Estados Unidos rapidamente encontra ligações entre o grupo Al Qaeda e o Talibã, que governava o Afeganistão, acusando o grupo radical afegão de oferecer refúgio a Osama Bin Laden e a lideranças de sua organização do grupo, além de apoiar à realização dos atentados.

Desse modo, ainda em 2001, os Estados Unidos lançam uma grande ofensiva militar em resposta aos atentados, globalmente conhecida como Guerra ao Terror, que na prática materializa a nova política externa estadunidense para o século XXI, que ficaria conhecida como Doutrina Bush. Naquele ano o Afeganistão é invadido por tropas da colisão liderada pela potência americana, e rapidamente sua superioridade bélica permite a derrubada do Talibã do poder no país árabe, aparentemente pondo fim à era de extremismo e violência que marcou o regime ali implantado.

Porém, após a derrubada do regime extremista os Estados Unidos permaneceram no Afeganistão, seja através de seu efetivo militar que ali se manteve sob a justificativa de garantir a paz e a segurança da população, ou mesmo (e principalmente) pela influência política, posto que sob o discurso de criar um governo de coalizão nacional, com representatividade dos grupos étnicos afegãos, Hamid Karzai foi apoiado pelos Estados Unidos e assumiu a presidência ainda em 2001, tendo permanecido no poder até 2014. Enquanto Karzai esteve no poder os Estados Unidos tiveram sua presença e influência direta garantidas no Afeganistão, aumentando a dependência da nação asiática em relação à potência ocidental.

De fato, o Afeganistão é um país icônico na geopolítica mundial há vários séculos. Não por acaso vários impérios e potências econômicas tentaram dominar essa nação do Oriente Médio, que não possui grandes reservas de petróleo como seus vizinhos, não detém solos agricultáveis de excelente fertilidade e nem possui vastas jazidas mineralógicas... Em suma o Afeganistão é um país de relevo montanhoso, sem saída para o oceano e com grande parte de seu espaço inserido em zonas desérticas. Mas a despeito de todos esses fatores complicadores, o país possui uma posição geográfica estratégica, encrustado bem no centro do continente e em uma região de intensos conflitos. Poderíamos dizer que dominar o Afeganistão seria como ter um escritório administrativo em uma zona em que qualquer instabilidade afeta o mundo inteiro. E era nisso que pensava a URSS em 1979 e que pensavam os EUA em 2001...

Dentre os aspectos que justificam tanto interesse das potências em dominar o Afeganistão podemos destacar o fato de ter proximidade com potências nucleares instáveis, como Índia e Paquistão, ou com candidatos a novas potências nucleares, como o Irã; de possuir vizinhança geográfica com importantes jazidas de petróleo, como Irã e Iraque; de estar circunscrito em zonas de constante instabilidade beligerante, como os Territórios Palestinos e Israel; ou ainda de representar uma rota comercial de suma importância na ligação entre Oriente e Ocidente. Porém, da mesma maneira que o Afeganistão desperta o interesse das grandes potências ao longo de diferentes contextos históricos, o país se mostra também uma terra de difícil conquista, tendo conseguido derrubar e expulsar forças militares e nações inegavelmente mais fortes. Daí a expressão cunhada por muitos historiadores de que o país é um “Cemitério de grandes impérios” ...

De certo modo os Estados Unidos foram bem sucedidos em derrubar o Talibã do poder nacional, mas fracassaram no projeto de aniquilar de vez as ideias extremistas do grupo e principalmente suas aspirações de reconquistar de vez o controle político da nação. Embora o Governo de Hamid Karzai tenha permitido de maneira negligente o domínio econômico pelos Estados Unidos, sua aprovação e área de influência política se expandiu muito pouco para além da cidade de Cabul, tendo os membros do Talibã se dispersado, mas permanecido ativos em porções isoladas do interior da nação, à espreita da oportunidade para uma tentativa de retomada do controle nacional.

Zalmay Khalilzad (esq) foi enviado por Trump a Doha para se encontrar e negociar com o líder Talibã, Mullah Abdul Ghani Baradar (dir) em 2020

Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-58252774> acesso em 17 ago. 2021

Talvez o grande erro nesse período tenha sido uma estabanada tentativa de aproximação diplomática dos Estados Unidos, sob comando do então presidente Donald Trump, com as lideranças do grupo radical a partir de 2018, na qual se tentava desenhar um acordo de paz entre o governo afegão e o grupo Talibã, para que fosse realizada a retirada definitiva das tropas estadunidenses que ocupavam o país desde sua invasão em 2001. Como havia uma pressão popular na potência americana em prol do retorno dos soldados para a América, bem como uma pressão política por conta dos elevados gastos financeiros da permanência das tropas no Oriente Médio, Trump costurou às pressas um acordo e confiou em todas as garantias dadas pelos radicais árabes. Talvez por inocência, ou por incompetência, ou por covardia...

Não tinha como isso dar certo!

■ Continua...

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