O GOVERNO E A QUEDA DO
TALIBÃ NO AFEGANISTÃO
Prof. Éder Israel
Disponível em: <https://www.snopes.com/fact-check/wtc-terrorism-insurance/>
acesso em 17 ago. 2021
Compreendida a formação e ascensão do grupo
Talibã no Afeganistão faz-se necessário agora o entendimento do modo como os
radicais comandaram o país árabe durante os 5 anos em que permaneceram de fato
no poder. É também importante que se esclareça o conjunto de fatores que
culminariam na perda de seu controle da nação em 2001, e principalmente como os
combatentes permaneceram ativos e atuantes nos bastidores, à espreita para
reassumir o controle da nação na primeira oportunidade que aparecesse.
O Talibã seguiu à risca seu projeto inicial
de implantar no Afeganistão um regime político centrando na interpretação
radical das escrituras sagradas para os islâmicos, suprimindo direitos
essenciais de grande parte de sua população e perseguindo minorias e grupos que
se posicionassem contrariamente à sua doutrina. Isso trouxe um grande
isolamento geopolítico à nação e acentuou sobremaneira as mazelas
socioeconômicas que já impactavam pesadamente sobre a população.
Internamente o grupo impôs um regime
teocrático radical à população, criticado e contestado por nações e
organizações internacionais, no qual a violação dos direitos humanos era
marcante e latente, com destaque para o cerceamento das liberdades individuais
das populações femininas, proibidas de frequentar estabelecimentos de ensino e
de ocupar postos no mercado de trabalho, sejam nos setores púbicos ou privados.
Até mesmo a saída das mulheres de suas casas era condicionada ao fato de
estarem acompanhadas de algum membro da família, do sexo masculino.
A “desocidentalização” do país teve ainda ações
para a eliminação de aspectos culturais, que segundo os radicais talibãs
estariam contra os preceitos estabelecidos pela Sharia. Nesse processo grandes
patrimônios culturais da humanidade, como muitas bibliotecas lotadas de obras
seculares que foram incendiadas e até mesmo representações religiosas de outras
culturas, como as seculares estátuas de Buda presentes no país, que foram implodidas,
sob a acusação de atentarem contra a fé islâmica. As perdas culturais,
históricas, sociais, políticas e econômicas do período de governo do Talibã são
irreparáveis ao Afeganistão e ao povo afegão.
Nesse período houve aproximação entre o grupo
radical e outros representantes dessa visão extremista das escrituras sagradas
islâmicas, com destaque para Osama Bin Laden e sua organização terrorista,
conhecida como Al Qaeda, que tinha em comum com as lideranças talibãs o
revanchismo contra o mundo ocidental, acusado de usurpar os recursos naturais e
minar os traços culturais do Mundo Árabe. Esse discurso de ódio às culturas
ocidentais se concentrava contra a representação geopolítica dos Estados
Unidos, grande potência econômica do contexto e grande interessado no petróleo
dos países árabes. Destruir a hegemonia estadunidense seria então o grande
projeto da Al Qaeda, agora apoiado também pelo Talibã.
Osama Bin Laden, líder do grupo Al Qaeda se torna o principal inimigo
dos Estados Unidos, após os atentados de 2001
Disponível em: <https://sicnoticias.pt/mundo/2017-01-20-Bin-Laden-estava-preocupado-com-envelhecimento-da-Al-Qaeda-antes-de-ser-abatido>
acesso em 17 ago. 2021
Em setembro de 2001 o grupo comandado por Bin
Laden realiza o mais icônico atentado terrorista da era moderna, atacando alvos
estratégicos nos Estados Unidos como aviões lotados de civis, em sua maioria
estadunidenses. Naquele ato o objetivo principal era mostrar ao mundo as
fragilidades da maior potência mundial, atacando seu poderio econômico,
representado pelas torres gêmeas do World Trade Center;
seu poderio político, representado pela Casa Branca; e seu poderio militar,
representado pela sede do Pentágono. Após os ataques o governo dos Estados
Unidos rapidamente encontra ligações entre o grupo Al Qaeda e o Talibã, que
governava o Afeganistão, acusando o grupo radical afegão de oferecer refúgio a
Osama Bin Laden e a lideranças de sua organização do grupo, além de apoiar à
realização dos atentados.
Desse modo, ainda em 2001, os Estados Unidos
lançam uma grande ofensiva militar em resposta aos atentados, globalmente
conhecida como Guerra ao Terror, que na prática materializa a nova política
externa estadunidense para o século XXI, que ficaria conhecida como Doutrina
Bush. Naquele ano o Afeganistão é invadido por tropas da colisão liderada pela
potência americana, e rapidamente sua superioridade bélica permite a derrubada
do Talibã do poder no país árabe, aparentemente pondo fim à era de extremismo e
violência que marcou o regime ali implantado.
Porém, após a derrubada do regime extremista
os Estados Unidos permaneceram no Afeganistão, seja através de seu efetivo
militar que ali se manteve sob a justificativa de garantir a paz e a segurança
da população, ou mesmo (e principalmente) pela influência política, posto que
sob o discurso de criar um governo de coalizão nacional, com representatividade
dos grupos étnicos afegãos, Hamid Karzai foi apoiado pelos Estados Unidos e
assumiu a presidência ainda em 2001, tendo permanecido no poder até 2014.
Enquanto Karzai esteve no poder os Estados Unidos tiveram sua presença e influência
direta garantidas no Afeganistão, aumentando a dependência da nação asiática em
relação à potência ocidental.
De fato, o Afeganistão é um país icônico na
geopolítica mundial há vários séculos. Não por acaso vários impérios e
potências econômicas tentaram dominar essa nação do Oriente Médio, que não
possui grandes reservas de petróleo como seus vizinhos, não detém solos
agricultáveis de excelente fertilidade e nem possui vastas jazidas
mineralógicas... Em suma o Afeganistão é um país de relevo montanhoso, sem saída
para o oceano e com grande parte de seu espaço inserido em zonas desérticas.
Mas a despeito de todos esses fatores complicadores, o país possui uma posição geográfica
estratégica, encrustado bem no centro do continente e em uma região de intensos
conflitos. Poderíamos dizer que dominar o Afeganistão seria como ter um
escritório administrativo em uma zona em que qualquer instabilidade afeta o
mundo inteiro. E era nisso que pensava a URSS em 1979 e que pensavam os EUA em
2001...
Dentre os aspectos que justificam tanto
interesse das potências em dominar o Afeganistão podemos destacar o fato de ter
proximidade com potências nucleares instáveis, como Índia e Paquistão, ou com
candidatos a novas potências nucleares, como o Irã; de possuir vizinhança
geográfica com importantes jazidas de petróleo, como Irã e Iraque; de estar
circunscrito em zonas de constante instabilidade beligerante, como os Territórios
Palestinos e Israel; ou ainda de representar uma rota comercial de suma
importância na ligação entre Oriente e Ocidente. Porém, da mesma maneira que o
Afeganistão desperta o interesse das grandes potências ao longo de diferentes
contextos históricos, o país se mostra também uma terra de difícil conquista,
tendo conseguido derrubar e expulsar forças militares e nações inegavelmente
mais fortes. Daí a expressão cunhada por muitos historiadores de que o país é
um “Cemitério de grandes impérios” ...
De certo modo os Estados Unidos foram bem
sucedidos em derrubar o Talibã do poder nacional, mas fracassaram no projeto de
aniquilar de vez as ideias extremistas do grupo e principalmente suas
aspirações de reconquistar de vez o controle político da nação. Embora o
Governo de Hamid Karzai tenha permitido de maneira negligente o domínio
econômico pelos Estados Unidos, sua aprovação e área de influência política se
expandiu muito pouco para além da cidade de Cabul, tendo os membros do Talibã
se dispersado, mas permanecido ativos em porções isoladas do interior da nação,
à espreita da oportunidade para uma tentativa de retomada do controle nacional.
Zalmay Khalilzad (esq) foi enviado por Trump a Doha para se encontrar e
negociar com o líder Talibã, Mullah Abdul Ghani Baradar (dir) em 2020
Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-58252774>
acesso em 17 ago. 2021
Talvez o grande erro nesse período tenha sido
uma estabanada tentativa de aproximação diplomática dos Estados Unidos, sob comando
do então presidente Donald Trump, com as lideranças do grupo radical a partir
de 2018, na qual se tentava desenhar um acordo de paz entre o governo afegão e
o grupo Talibã, para que fosse realizada a retirada definitiva das tropas
estadunidenses que ocupavam o país desde sua invasão em 2001. Como havia uma
pressão popular na potência americana em prol do retorno dos soldados para a
América, bem como uma pressão política por conta dos elevados gastos
financeiros da permanência das tropas no Oriente Médio, Trump costurou às
pressas um acordo e confiou em todas as garantias dadas pelos radicais árabes.
Talvez por inocência, ou por incompetência, ou por covardia...
Não tinha como isso dar certo!
■ Continua...
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