segunda-feira, 23 de agosto de 2021

CORREÇÃO COMENTADA DE GEOGRAFIA SEGUNDA FASE - UFU 2021/2 (TODAS AS CARREIRAS EXCETO MEDICINA)

 



PRIMEIRA QUESTÃO

Na década de 1960, o geógrafo Aziz Ab’Saber propôs uma definição dos domínios morfoclimáticos. A respeito do tema considere o trecho e a figura abaixo.

[...] “entendemos por domínio morfoclimático e fitogeográfico um conjunto espacial de certa ordem de grandeza territorial – de centenas de milhares a milhões de quilômetros quadrados de área - onde haja um esquema coerente de feições de relevo, tipos de solos, formas de vegetação e condições climático-hidrológicas. Tais domínios espaciais, de feições paisagísticas e ecológicas integradas, ocorrem em uma espécie de área principal, de certa dimensão e arranjo, em que as condições fisiográficas e biogeográficas formam um complexo relativamente homogêneo e extensivo"

AB’SÁBER, A N. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas 7 ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2012 p. 11 e 12

AB’SABER, A. N. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. 7 ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2012 p. 17 (adaptado)

Com base na figura apresentada e no trecho acima

a) Identifique os domínios morfoclimáticos apresentados pelos números 2, 3 e 4.

b) Explique o que representa os espaços em branco sem numeração.

Comentário

A delimitação dos Domínios Morfoclimáticos do Brasil, realizada pelo professor Aziz Nacib Ab’Saber nos anos de 1960, assenta-se sobre um conjunto de aspectos que constituem as chamadas condições edáficas dos ambientes terrestres. Para a elaboração de seu mapeamento, dentre outros fatores, ele considerou as características dos climas das localidades, sua interseção com os solos e relevos ali presentes, bem como a estrutura geológica sobre a qual o ambiente se assenta e as redes hidrográficas que drenam essas porções territoriais. Desse modo, a análise desses grandes domínios permite um completo entendimento acerca dos ambientes locais, bem como das feições ambientais ali presentes.

Segundo Ab’Saber o Brasil é dividido em 6 grandes Domínios Morfoclimáticos, sendo eles o Amazônico, que abrange a porção Norte do país, composto pela floresta latifoliada equatorial; a Caatinga, que recobre a porção interior do Nordeste (Sertão Semiárido), composta pela vegetação xerófila de estepes; o Cerrado, que abrange a porção central do país, composto pela vegetação savânica tropófila; os Mares de Morro, que recobrem as serras e encostas dos litorais Sul, Sudeste e Nordeste, composto pela floresta latifoliada tropical; o das Araucárias, que ocupa porções de relevos serranos nas regiões Sul e Sudeste, composto por vegetação conífera aciculifoliada; e o dos Pampas, que recobre o extremo sul do Rio Grande do Sul, formado por vegetações herbáceas de pradarias.

Entremeando esses domínios Aziz Ab’Saber identificou faixas de transição botânica, onde se mesclam condições edáficas e formações vegetais de dois ou mais biomas distintos, como se observa por exemplo na Mata dos Cocais, que separa no Nordeste a Caatinga da Amazônia ou o Pantanal, que apresenta uma vegetação complexa, dotada de espécies de praticamente todos os outros domínios vegetacionais encontrados no Brasil.

Direcionamento de resposta para o item A

Nessa questão o candidato deveria, de maneira suscinta e direta, apenas nomear os domínios demarcados pelos números 2, 3 e 4 no mapa, os quais representam Caatinga, Cerrado e Mares de Morro, respectivamente.

Obs: Um corretor mais criterioso poderia penalizar um candidato que no número 4 mencionasse Mata Atlântica (que é o bioma) ao invés de Mares de Morro (que é o Domínio Morfoclimático). Porém, particularmente, acredito que não haverá tamanho rigor.

Direcionamento de resposta para o item B

Nessa questão o candidato deveria mencionar que entre os 6 grandes Domínios Morfoclimáticos identificados por Aziz Ab’Saber no Brasil formam-se zonas mistas chamadas de Faixas de Transição ou Ecótonos, onde ocorre a mistura entre as formações vegetais dos domínios adjacentes a elas. Nesses ambientes se observam condições endêmicas e heterogêneas para as formações ali presentes, ao contrário dos grandes domínios, onde as condições apresentam relativa homogeneidade de feições.

Por tratarem-se de faixas de interação de ambientes distintos, os Ecótonos apresentam, em sua maioria, grande fragilidade ambiental, posto que o endemismo seja uma característica marcante desses ambientes florísticos. No caso brasileiro as principais formações desse tipo são a Mata dos Cocais no Maranhão e o Pantanal, que se localiza nos limites entre os estados de MT e MS. As formações de Mangues e Restingas também são consideradas faixas de transição entre os ambientes aquáticos e terrestres, se estendendo por vastas regiões da faixa litorânea do país.


SEGUNDA QUESTÃO

(...) para a maior parte da humanidade, a globalização está se impondo como uma fábrica de perversidade. O desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes medias perdem em qualidade de vida, o salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes".

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização do pensamento único a consciência universal 30 ed. Rio de Janeiro Record, 2020. p. 19

Considerando-se o trecho acima, responda.

a) Por que a pandemia de Covid-19 provoca acentuação das desigualdades sociais no mundo globalizado?

b) Discorra sobre uma consequência da pandemia de Covid-19 para o setor secundário da economia no Brasil e descreva uma dificuldade para o setor diante do processo de globalização

Comentário

O trecho apresentado pela questão, de autoria do geógrafo Milton Santos, apresenta sua conhecida crítica ao modelo de globalização das sociedades contemporâneas, pautado pelo sistema capitalista e assentado sobre o conflito e classes e consequentemente as desigualdades socioeconômicas latentes entre os grupos humanos. Para Milton Santos a globalização que se propõe, e que de fato nós experimentamos no presente, tende a aumentar ainda mais as mazelas econômicas históricas, posto que o processo como um todo é comandado por um pequeno grupo de governos e empresas, e consequentemente os grandes beneficiários desse sistema global serão esses mesmos pequenos agrupamentos, numericamente irrisórios frente à grande massa de indivíduos prejudicados pelas relações desiguais.

Embora a visão do geógrafo seja referente ao seu entendimento subjetivo acerca da globalização e seus desdobramentos como um todo, ela se encaixa muito bem no cenário atual que o mundo atravessa. Uma crise sanitária global impacta diretamente sobre as economias, criando quadros de recessão em países dos mais diferentes níveis econômicos, bem como afetando sistemas políticos, criando ambientes propícios para o fortalecimento de discursos e movimentos de orientações extremas (sejam à direita ou à esquerda) e de ameaças às democracias historicamente estabelecidas. Nesse quadro caótico dos aspectos que regem a vida das sociedades, aquele cenário negativo vislumbrado por Milton Santos no século passado se configura como uma ameaça cada vez mais real, que pode exigir uma reinvenção do modelo econômico atual e principalmente do processo de integração entre as nações, hoje em curso.

Das palavras de Milton Santos podemos extrair o raciocínio de que a globalização estaria produzindo um cenário que pode desencadear o próprio fim do processo de integração mundial. Além disso, a crise sanitária pode criar um quadro de pobreza e desigualdade tão extremo que o próprio sistema capitalista pode ter dificuldade de sair do ciclo vicioso de relações desiguais e exploração, que o sustentou ao longo dos últimos séculos. Sem sombra de dúvidas a sociedade contemporânea se encontra em uma grande encruzilhada, e a pandemia em curso ofusca às vistas daqueles que vislumbram encontrar um caminho certo que conduza o mundo a uma saída e a um retorno à antiga normalidade.

Direcionamento de resposta para o item A

Nessa questão o candidato deveria focar a sua resposta nos fatores com potencial para desencadear crises econômicas sistêmicas e quadros de recessão nas nações, associando-os ao quadro pandêmico presente. Uma boa alternativa de resposta seria centrar a exposição na questão do desemprego conjuntural crescente no mundo, que foi potencializado a partir do final de 2019, quando o coronavírus começou a circular maciçamente pelo mundo.

O desemprego tem um potencial devastador sobre as economias mundiais, principalmente naquelas nações menos desenvolvidas, uma vez que a perda dos postos de trabalho reduz imediatamente o poder de compra das populações, e essa redução do poder de compra leva os setores produtivos a ajustar sua produção à menor demanda, o que implica em cortar gastos financeiros. Assim, um desempregado consome menos e leva a indústria a produzir menos, o que por sua vez induz à demissão de funcionários para cortar custos e manter as empresas em funcionamento. Cria-se assim uma reação em cadeia que conduz a economia à recessão, pois um desempregado acaba gerando involuntariamente múltiplas perdas de postos de trabalho em diversos segmentos.

Outro aspecto importante para a elaboração de uma resposta seria focar na redução da renda média das populações, principalmente aquelas menos abastadas, dependentes diretamente do mercado de trabalho. Muitas vezes antes da perda definitiva do emprego o trabalhador acaba se sujeitando a flexibilizações das relações empregatícias, muitas vezes como único meio de manter o emprego e a renda (ainda que parcialmente). Ao abrir mão de direitos e garantias trabalhistas muitos trabalhadores passam a engrossar a estatística do subemprego, o que os leva ganhar menos que antes e consequentemente a contribuir com menos impostos e tributos que antes. Assim sendo, esse trabalhador é duplamente prejudicado, primeiro porque vê sua renda média diminuir, segundo porque o Estado, que agora arrecada menos com ele, tende a investir menos nele também, diminuindo a oferta de serviços essenciais que poderiam melhorar suas condições de vida e consequentemente reduzir os quadros históricos de desigualdades sociais.

O candidato poderia ainda apoiar-se na questão relativa à redução dos fluxos globais, decorrente das mudanças nas regras fronteiriças entre as nações. Em um mundo globalizado em que os meios de transportes e telecomunicações modernizados quase eliminaram de vez a ideia de distância entre os espaços e sociedades, a circulação de pessoas e mercadorias se tornou um fenômeno que movimenta diariamente cifras extraordinárias mundo a fora. A partir do momento em que uma nação opta pro restringir ou impedir os fluxos em suas fronteiras, sob a alegação de controlar a disseminação do vírus, a economia é imediatamente impactada, e desse modo podem-se instaurar quadros de superprodução nas nações exportadoras ou de desabastecimento nas nações importadoras, e nesse caso, tanto o excesso quanto a falta de produtos no mercado afeta diretamente a vida da população, criando um ambiente propício a crises que sustenta as desigualdades socioeconômicas nas sociedades.

Direcionamento de resposta para o item B

Nessa questão o candidato deveria dividir sua resposta em duas partes, inicialmente mencionando o modo como a pandemia do coronavírus impacta negativamente, trazendo prejuízos e retrocessos para o setor industrial (secundário) no Brasil, destacando a dependência dessa atividade em relação ao mercado consumidor interno, uma vez que na nossa industrialização se deu pelo modelo da Substituição de Importações, bem como a dependência do país em relação aos investimentos externos e às multinacionais aqui instaladas; e em seguida mencionando o modo como essa mesma pandemia e as restrições de circulação impactam de maneira global na atividade industrial e  na produção econômica. Ou seja, primeiro fala-se do Brasil e depois do mundo.

Uma boa alternativa de resposta seria centrar a primeira parte da exposição no quadro atual de desemprego conjuntural do Brasil, que reduz a renda média da população e consequentemente diminui o poder de compra dos mercados internos, principal destinação da produção industrial brasileira. Desse modo cria-se uma cadeia de aspectos negativos subsequentes, posto que o menor poder de consumo leva as cadeias produtivas a diminuir sua produtividade como estratégias de evitar uma superprodução, o que condiciona à demissão em massa de funcionários em um primeiro estágio e ao fechamento da planta industrial em um estágio mais prolongado de crise.

Nessa mesma primeira parte o candidato poderia mencionar o impacto que a crise gera para as multinacionais aqui instaladas, responsáveis por parcela significativa da produção industrial do país. Caberia citar o fechamento de plantas industriais estrangeiras tradicionais no Brasil, como se observou recentemente com as fábricas da Ford e da Sony, que após várias décadas investindo no setor secundário nacional optaram por sair do país, em uma dinâmica que visa à redução dos gastos globais dessas empresas, através da diminuição do número do unidades fabris ou mesmo pelo seu deslocamento em direção a países mais pobres, onde os custos possam ser mais baratos. A saída dessas empresas prejudica fortemente a economia nacional, posto que além dos empregos diretos e indiretos aqui gerados, elas também têm grande peso na arrecadação de impostos por parte do Estado.

Para a segunda parte da resposta as ideias não fugiriam muito dessa base, apenas seriam mais ampliadas, pois se questiona o impacto global da pandemia sobre o setor industrial. Uma alternativa interessante de formulação seria associar as restrições de circulação de pessoas e mercadorias entre as nações com a redução do potencial geral de consumo das populações, principalmente naquelas economias que dependem da importação para ter acesso aos bens industrializados. Esse processo tende a elevar os preços das mercadorias em decorrência da redução da oferta interna, tornando-os menos acessíveis às populações de menor renda.

Do mesmo modo, aquelas nações que se destacam pela exportação de bens industrializados, como é o caso da China, epicentro da pandemia, tendem a ver seus estoques ampliados pelas dificuldades de escoamento da produção para os mercados consumidores externos, instaurando ali um quadro capaz de conduzir a uma crise de superprodução e redução natural dos lucros industriais, por conta da excessiva oferta. Essa redução nos ganhos dos grandes centros produtores e exportadores pode limitar a capacidade de investimento financeiro na evolução dos processos fabris, limitando o desenvolvimento tecnológico do setor secundário, além de criar ondas internas de desemprego conjuntural, pela busca de cortes de despesas em um momento economicamente adverso.

 

 

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