domingo, 17 de julho de 2016

A SAÍDA DA INGLATERRA DA UNIÃO EUROPEIA (Parte 3)



Por Éder Israel e Yasmin Vieira



Disponível em: https://pixabay.com/static/uploads/photo/2015/11/03/08/57/puzzle-1019847_960_720.jpg Acesso em 16 jul. 2016

Para este encerramento dos textos a respeito da saída da Inglaterra da união Europeia, decidida por voto popular em uma demonstração plena de democracia e respeito à vontade da maioria (deveríamos aprender um pouco mais sobre isso e aplicar aqui no Brasil, mas enfim...), farei uma espécie de texto a quatro mãos, que será balizado por perguntas escritas pela Yasmin Vieira e que tentarei responder nos parágrafos que se seguem. Esta ideia veio do meu próprio questionamento de quais poderiam ser as dúvidas dos alunos/leitores dos textos que aqui posto. Pois bem, este será um piloto de algo que pretendo melhorar e manter para as próximas discussões nesse espaço.

Nessa perspectiva, o texto que se segue será construído a partir das respostas (ou tentativas disso...) para quatro perguntas, que a meu ver refletem em grande parte a maioria dos questionamentos que ouço durante as aulas ou discussões com alunos. Creio que seja essa a maneira mais próxima do ideal de colocar os leitores deste blog mais próximos dos assuntos que aqui são debatidos e discutidos, visando uma maior compreensão, assim como entendimento, do contexto geopolítico do mundo contemporâneo, pautada na elucidação de dúvidas a respeito de tensões e acontecimentos atuais. Sem mais delongas, iniciemos.

Yasmin -Diante da legislação da União Europeia, sabe-se que diversos são os regulamentos e os contratos que envolvem os britânicos na busca por benefícios para o bloco. Por essa razão, é evidente a importância do Reino Unido como membro. Sendo assim, há alguma proposta entre os outros membros do bloco para a manutenção do Reino Unido? Quais seriam os possíveis efeitos do BREXIT para o bloco?

Éder - Bem, na verdade, assim como nós, os membros da União Europeia sabem o quão valiosa é a permanência da Inglaterra no bloco (não necessariamente o Reino Unido, mais a frente entenderemos isso), porém na legislação europeia não há dispositivos legais capazes de “obrigar” ou “forçar” um país a permanecer integrado a ele ou coisa do gênero. Na prática, o que era possível e foi tentado pelos membros do bloco, foi alertar ao governo inglês sobre os riscos e perdas passíveis de ocorrerem caso houvesse um desligamento entre as nações como previa o BREXIT.

Trata-se portanto de um jogo de convencimento, em que cada lado tenta mostrar suas vantagens e apontar as desvantagens do lado oposto, nesse caso a União Europeia e o BREXIT, respectivamente. Mas no final das contas, a vontade popular acaba por ser ouvida através do voto (ainda que por uma diferença mínima), e nesse caso não cabe mais qualquer recurso ou artimanha do bloco econômico a não se lamentar a saída de um dos mais antigos membros e temer pelos desdobramentos desta saída. O grande problema é que não houve uma alegação clara dos ingleses sobre as razões que motivassem a saída, o que acabou por dificultar alguma tentativa de apaziguamento do parlamento europeu que pudesse amenizar a intenção de abandono pelo BREXIT, haja vista que não houve em momento algum uma clareza plena dos fatores motivacionais para tal saída.

Com relação aos efeitos do BREXIT para a União Europeia, podemos destacar o risco de novos países passarem a abandonar o bloco em massa e começarem a sair de acordos como a Zona do Euro ou o Espaço Shengen, referentes à moeda comum e à livre circulação de pessoas, respectivamente. Estes impactos poderiam ter consequências devastadoras sobre o bloco europeu e aos organismos internacionais relacionados a este agrupamento de nações. Poderia se observar por exemplo, a perda de valor do Euro, motivada por uma desconfiança internacional sobre a solidez da moeda internacional e investimentos estrangeiros poderiam ser retirados do bloco, temendo uma maior dificuldade de acesso a mão de obra ou mercados consumidores, dentre outros processos. A capacidade europeia de manter e ampliar acordos externos poderia também ser restringida, posto que a desconfiança acerca dos rumos do bloco estaria ampliada, face a crise iniciada (ou esperada).

Yasmin - De acordo com os noticiários, a possível saída do Reino Unido da União Europeia pode levá-lo a transformar-se em: “Reino Desunido”, uma vez que alguns países pertencentes ao reino, como a Escócia, buscariam a independência. Diante disso, quais seriam as consequências da desintegração do Reino Unido? Quais outros motivadores fazem os países que compõem o Reino Unido buscarem a separação?

Éder - Um dos desdobramentos imediatos da vitória do BREXIT no plebiscito realizado foi a ampliação dos discursos separatistas dentro do Reino Unido, principalmente por parte da Escócia, que imediatamente após o resultado da votação se manifestou interessada na permanência na União Europeia, mesmo com a saída dos ingleses do bloco. Para facilitar o entendimento destas questões, devemos antes realizar, didaticamente, a diferenciação entre Inglaterra, Reino Unido e Grã-Bretanha, pois só assim poderemos compreender como a saída inglesa afetaria a Escócia e outras nações da região.

A Inglaterra corresponde a um único país, onde o regime político baseia-se sobre uma monarquia parlamentarista, ou seja, existe a rainha Elizabeth II, mas na prática quem realmente manda é o Primeiro Ministro, que até o resultado do plebiscito era David Cameron, porém o mesmo renunciou após o resultado favorável à saída inglesa do bloco econômico europeu. Por outro lado, a Grã-Bretanha refere-se ao agrupamento entre a Inglaterra, o País de Gales e a Escócia. Nestes dois últimos pratica-se uma espécie de governo federalista, no qual há poderes políticos “nacionais” embora estes são submetidos ao governo britânico (em suma, o governo inglês...). Destes, o que goza de maior autonomia é a Escócia, que meses atrás chegou a votar um plebiscito para decidir sua permanência ou não no grupo, sendo que a permanência acabou vencendo e não houve alterações nas relações. Já o Reino Unido é formado pela Grã-Bretanha e mais a Irlanda do Norte, e segue o mesmo regime próximo ao federalismo observado no agrupamento anterior. Ou seja, não interessa se falamos sobre Inglaterra, Grã-Bretanha ou Reino Unido, o poder estará quase sempre concentrado unicamente sobre o parlamento inglês.

Pois bem, como foi dito, no caso da Escócia há o claro e manifesto interesse de permanecer na União Europeia, pois se vê que os acordos e tratados econômicos vindos desta associação lhe são mais benéficos que aqueles realizados diretamente com os ingleses, portanto reside aí a principal justificativa para a reportagem falar em “Reino Desunido”, posto que possivelmente a Escócia marque ou peça a realização de um novo plebiscito acerca da saída do Reino Unido, pois agora, com a decisão definitiva (ou quase isso...) do BREXIT, a relação com os ingleses não parece mais tão benéfica e vantajosa quanto antes. No que tange à Irlanda do Norte, as relações tendem a não mudar pois a dependência frente aos ingleses é maciça, assim como as relações são por demais próximas para serem rompidas, prova disso é o conflito histórico entre Irlanda e Irlanda do Norte, no qual a porção norte da ilha se posiciona completamente ao lado da Inglaterra, seja por aceitar o regime monárquico ou a religião protestante como balizas mestras para este “país”, tal qual o é na Inglaterra. Assim como ocorre com a Irlanda do Norte se observa com o País de Gales, que dificilmente se desmembrará da Inglaterra e do Reino Unido, uma vez que tem com o país vizinho acordos muito mais vantajosos do que com o bloco econômico em sua plenitude.

Portanto, a menção a um “Reino Desunido” refere-se muito mais à Escócia do que o restante do “reino”, a qual possivelmente se verá nos próximos meses em um dilema, que será a manutenção dos acordos bilaterais com os ingleses, apoiando o BREXIT, ou a manutenção dos acordos com a União Europeia, “caindo fora” do BREXIT e do próprio Reino Unido. Porém, apenas os primeiros resultados ingleses pós separação em relação ao bloco europeu poderão mostrar se vale a pena aos escoceses continuar ou sair do grupo de súditos de Elizabeth II, assim como, estes mesmos primeiros resultados nos mostrarão o quão ruim (ou bom) para os ingleses seria essa desunião do reino.

Yasmin - O Reino Unido, embora membro da União Europeia, possui a libra como moeda oficial e não o Euro, como a maioria dos membros do bloco. A decisão histórica dos britânicos, por meio do referendo, em deixar a União Europeia gerou queda no valor da Libra Esterlina afetando as bolsas de valores. A respeito dessa realidade, se efetivada a saída do Reino Unido do bloco, quais seriam as possíveis ações internas (conjunturais e estruturais) que o Reino Unido poderia vir a adotar para a superação dos impactos econômicos provenientes de tal decisão?

Éder - O fato de os ingleses nunca terem de fato aceitado o Euro como moeda comum a partir do ano 2000 como a maioria dos membros do bloco, ou mesmo terem parecidos tão contentes e esperançosos com a assinatura do Tratado de Maastricht em 1992, que lançava as bases para a criação da referida moeda, já demonstrava que faltava uma fé um pouco maior na moeda comum e no Banco Central Europeu por parte da Inglaterra. Mas convenhamos, para uma nação acostumada a dominar a economia mundial desde (ou antes mesmo) do colonialismo, aceitar no mundo atual uma posição secundária em um agrupamento europeu não deve ser uma tarefa fácil, principalmente quando o sonho de voltar a ser a maior de todas as potências mundiais, ou mesmo a soberba por tê-la sido, ainda não morreu nos corações regados a “five o’clock tea” dos súditos da rainha...

Sendo a Libra Esterlina a única lembrança inglesa de plena superioridade (embora haja nisso muito mais nacionalismo do que racionalismo...) sobre os demais países europeus, a Inglaterra resistiu forte e austeramente em manter sua moeda, mais valorizada que o Euro, e na verdade mais valorizada que todas as demais moedas nacionais do mundo. Porém o fato é que a libra só consegue manter tal valorização amparada no fato de circular restritamente em um número exíguo de países, o que a torna menos suscetível a rompantes financeiros globais. Ok, mas o real circula apenas no Brasil e é menos valorizado que a libra! Sim, mas aí teríamos que analisar uma conjuntura muito maior de variáveis, que foge ao tema central do texto... Mas enfim, manter a libra como moeda nacional garantiu aos ingleses a ideia de que ainda têm algo que vale mais que aquilo existente no restante da Europa. Com eu disse, muito nacionalismo e pouco realismo...

Dentre as medidas passíveis de serem tomadas pela Inglaterra/Reino Unido para tentar superar a crise de desvalorização da libra, podemos mencionar as próprias medidas a serem tomadas para retomar a economia nessa nova jornada distante (em tese) da União Europeia. A própria desvalorização é fruto da incerteza da efetividade destas medidas, pois em grande parte, a baixa das ações nas bolsas de valores e da moeda inglesa se devem exatamente à incerteza e ao temor de que os laços econômicos entre Inglaterra e o restante da Europa sejam rompidos de vez, o que de maneira nenhuma é verdade ou “pensável”.

Na verdade, assim que formalizar a saída e iniciar a realização de acordos bilaterais, com nações da união europeia ou não, os investimentos externos na Inglaterra serão retomados, assim como a capacidade de investir em outras nações será planejada e redimensionada pela base econômica do governo inglês, e as coisas voltarão aos trilhos normais. Obviamente que os investimentos provenientes do Banco Central Europeu e as políticas econômicas do bloco hão de reduzir e, quem sabe, cessar. Porém, se a capacidade inglesa de fazer acordos proveitosos dentro e fora do mercado europeu for mantida, a tendência natural é o retorno da confiança, o aumento das ações de indústrias do país ou daquelas que nele investem, assim como a retomada da valorização do euro, dando novo fôlego ao nacionalismo, travestido de realismo dos lordes e ladies britânicos.

Yasmin - Evidentemente, a saída do Reino Unido da União Europeia não impede que se venha a realizar acordos bilaterais com membros do bloco e com outros países, na busca por benefícios. Sendo assim, é possível considerar que o Brasil teria alguma vantagem com essa decisão? Ou seja, poderia Brasil tornar-se um parceiro comercial do Reino Unido de significativa importância e influência?

Éder - No que tange as possibilidades futuras de negociações para países como o Brasil as possibilidades são excelentes em todos os aspectos, pois um mercado consumidor que priorizava as mercadorias advindas dos países do bloco europeu poderá abrir-se mais fortemente a mercadorias provenientes de nações externas à União Europeia. Há ainda a questão dos acordos de comércio externo, que acabam por formalizar e institucionalizar o protecionismo comercial, restringindo a entrada de mercadorias externas aos acordos multilaterais.

Nesse contexto o Brasil, que possui hoje uma posição de Global Trader, negociando com uma infinidade de países em todos os continentes, seja como fornecedor de commodities e produtos de médio valor tecnológico, ou ainda absorvendo tecnologias destes parceiros, poderia se valer da experiência de negociações externas para realizar acordos vantajosos com a Inglaterra, seja no papel de fornecedor ou de comprador de mercadorias do país europeu.

Para as exportações brasileiras de produtos agrícolas em direção à União Europeia, um dos grandes entraves é o protecionismo tarifário, que sobretaxa as mercadorias do país ao entrar em qualquer país do bloco. Esse protecionismo, manifestado através da chamada Política Agrícola Comum (ou simplesmente PAC), que faz com que as nações signatárias dos acordos multilaterais europeus adotem uma Tarifa Externa Comum – TEC – para esse tipo de mercadoria, o que é mantido e ampliado desde acordos assinados em 1962, quando o bloco contava ainda com apenas seis países e se chamava Comunidade Econômica Europeia... Pois bem, a saída da Inglaterra da União Europeia desobriga o país a seguir essas regulamentações referentes ao comércio externo, logo, pode tornar-se mais fácil aos produtos brasileiros adentrarem aos mercados consumidores do Reino Unido ou mesmo da própria Inglaterra, aumentando o potencial exportador de nosso país.

Os acordos passíveis de serem firmados entre as duas nações seriam muito mais de importância econômica para o Brasil, do que de influência internacional do país, pois assim como todos os acordos comerciais observados hoje se baseiam no princípio da interdependência e do benefício mútuo e desigual dos envolvidos. Em resumo, nosso país possivelmente venderá mais produtos primários aos ingleses, e talvez tenhamos até um pouco mais de acesso a mercadorias provenientes do país europeu, porém esperar que isso signifique que ficarão mais baratos no Brasil, com nosso famigerado sistema tributário seria sonhar demais.


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