domingo, 31 de julho de 2016

TURQUIA: LEVANTE POPULAR, GOLPE MILITAR OU ARMAÇÃO MIDIÁTICA? (Parte 1)


Parte 1/2: De um modo ou de outro, a população turca sofreu um duro golpe em 2016...

Por Éder Israel



Disponível em: <https://pbs.twimg.com/media/CndwdRLW8AACJxb.jpg>  Acesso em 31 jul. 2016.

Começarei esse texto de um modo um pouco diferente dos demais, na verdade o próprio modo de escrita será diferente em si. Deixarei de lado a suposta e impossível imparcialidade que tento colocar nos meus escritos, e farei dessa vez uma análise pautada exclusivamente no meu ponto de vista, e em tempo, deixo claro que se os ventos que sopram ultimamente sobre a Turquia mudarem de rumo, este texto também o fará, porém o que será aqui expressado representa minhas impressões iniciais sobre os acontecimentos recentes e seus desdobramentos neste país.

Em 15 de julho de 2016 a mídia mundial noticiou e transmitiu ao vivo (na medida do possível...) o que foi chamado e vendido ao público como uma tentativa de golpe militar na Turquia, em que o alto comando de uma base aérea estaria tentando derrubar o presidente Recep Tayyip Erdogan. Segundo testemunhas houveram bombardeios ao palácio presidencial, tiros e tanques nas ruas e ocupação de locais públicos, como aeroportos e prédios do governo. Erdogan imediatamente dirigiu-se para o epicentro dos conflitos e saiu à mídia convocando o povo turco a ir às ruas em defesa da democracia.


Disponível em:< http://bemblogado.com.br/site/wp-content/uploads/2016/07/Turquia-golpe-689x294.jpg> Acesso em 31 jul. 2016

Na mesma noite foram divulgados vídeos em que supostamente os golpistas usavam aeronaves militares para atirar contra civis que protestavam nas ruas em defesa do presidente Erdogan, e ao mesmo tempo o presidente e seu gabinete de defesa afirmaram que derrubariam as aeronaves que eram usadas pelos supostos golpistas. E de repente na manhã seguinte o governo tinha milagrosamente retomado o poder, ou segundo palavras do próprio Erdogan, nunca tinha perdido o controle da nação. E começaram as retaliações aos comandantes e envolvidos na suposta ação antidemocrática. Precisávamos agora de um culpado, de um mentor intelectual para a tentativa de se derrubar o presidente turco...

Erdogan acusou imediatamente o clérigo Fethullah Gulen, que vive em um autoexílio nos Estados Unidos desde 1999, mesmo ano em que foi acusado, por seu antigo aliado Erdogan, de favorecer grupos terroristas e extremistas na Turquia. Pronto, o governo turco encontrou um acusado pela tentativa do golpe de 15 de julho, e agora começaria uma “caça às bruxas” no país, tentando neutralizar todos os aliados de Gulen e consequentemente desafetos de Erdogan. O governo turco estava disposto a debelar o golpe e reafirmar a defesa do povo e da democracia, e todo aquele discurso já batido que se conhece bem de políticos que “amam” o seu povo e “respeitam” todos eles (as aspas se fazem muito necessárias em todos os aspectos...).

Fethullah Gulen é na verdade uma importante liderança política, econômica e religiosa na Turquia, fundador de um movimento de oposição ao governo (após sua saída do mesmo) chamado de Movimento Gulen ou Movimento Hizmet, o qual era bem visto em grandes partes do mundo, por defender uma aproximação entre as três grandes religiões monoteístas do mundo, incentivando o diálogo de turcos com Israel e o Vaticano, além da clara aproximação com o governo dos Estados Unidos, que se demonstrou na permissão de seu autoexílio e na pronta negativa de sua extradição / deportação pedida por Erdogan após a tentativa de golpe.

Gulen é na realidade apenas um dos problemas do governo Erdogan, pois há ainda o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, ou simplesmente PKK. Esta organização política criada no final da década de 1970, porém inimigo declarado do governo turco desde meados da década de 1980, valendo-se até mesmo da luta armada em prol de um Curdistão livre e da ampliação da autonomia e dos direitos do povo curdo na sociedade turca. A busca pelo criação do Curdistão já causa grandes disputas na região, não apenas com o governo turco, mas também com os governos de Síria, Iraque e Irã, por onde se distribui os territórios requisitados pelos curdos. Ou seja, o PKK forte pode significar a perda de territórios pela Turquia, portanto uni-lo ao Movimento Hizmet e eliminá-los simultaneamente seria ótimo para Erdogan...


Disponível em: <http://midiaamais.com.br/lib_fotos/451338f0dd404f160e0e4ec39dd90cd1.jpg> Acesso em 31 jul. 2016

Some a essa confusão toda o Estado Islâmico – ISIS, que apesar de não atuar intensamente na Turquia, é combatido por curdos na Síria e no Iraque, apoiados pelos bombardeios russos e usando armas sabidamente fornecidas pelos Estados Unidos, onde está Fethullah Gulen. Ou seja, é coisa demais acontecendo ao mesmo tempo em lugar apenas, e as possibilidades são infinitas. Tempere essa mistura com o fato de a Turquia estar no meio do caminho dos refugiados do Oriente Médio que partem em direção à União Europeia, bloco em que a Turquia sempre quis entrar, e que não tem aceitado bem esses povos que ali passariam. Pois bem, em resumo é isso...

Erdogan é acusado de não fazer muita coisa para conter o Estado Islâmico (muita gente diz que ele até defende o grupo extremista, mas isso carece de mais provas e de uma dose bem maior de loucura...) principalmente após o incidente de 24 de novembro de 2015, quando um avião russo foi derrubado por caças do exército turco, acusado de invadir o espaço aéreo do país durante um bombardeio contra o ISIS ou contra civis opositores de Bashar al-Assad segundo o restante do mundo. Portanto, a Turquia teria (segundo a visão de russos) dado uma demonstração de apoio ao Estado Islâmico, que combate as minorias étnicas e religiosas da região onde pretende estabelecer um Califado, dentre estas minorias estão, obviamente, os curdos, que brigam com o governo Erdogan pela independência do Curdistão. Se formos aprofundar demais a bagunça vai ficando cada vez pior nesse “balaio de gatos”.


Disponível em: <http://media.cagle.com/58/2015/07/28/166900_600.jpg> Acesso em 31 jul. 2016

Há rumores cada vez maiores de que Erdogan tenha forjado o suposto golpe de Estado no país, para que usasse as condições favoráveis, quando passasse a se visto como uma vítima dos militares golpistas, para o enrijecimento de seu governo e a atuação mais severa conta grupos políticos e sociais que poderiam, segundo ele, ameaçar eu governo. E na verdade é exatamente isso que se observa hoje na Turquia, após o fracasso do suposto levante, pois o governo tem se tornado cada vez mais intransigente com a população e seus direitos, em uma luta pela defesa da democracia, segundo as palavras do próprio Erdogan.

Continua...

domingo, 17 de julho de 2016

A SAÍDA DA INGLATERRA DA UNIÃO EUROPEIA (Parte 3)



Por Éder Israel e Yasmin Vieira



Disponível em: https://pixabay.com/static/uploads/photo/2015/11/03/08/57/puzzle-1019847_960_720.jpg Acesso em 16 jul. 2016

Para este encerramento dos textos a respeito da saída da Inglaterra da união Europeia, decidida por voto popular em uma demonstração plena de democracia e respeito à vontade da maioria (deveríamos aprender um pouco mais sobre isso e aplicar aqui no Brasil, mas enfim...), farei uma espécie de texto a quatro mãos, que será balizado por perguntas escritas pela Yasmin Vieira e que tentarei responder nos parágrafos que se seguem. Esta ideia veio do meu próprio questionamento de quais poderiam ser as dúvidas dos alunos/leitores dos textos que aqui posto. Pois bem, este será um piloto de algo que pretendo melhorar e manter para as próximas discussões nesse espaço.

Nessa perspectiva, o texto que se segue será construído a partir das respostas (ou tentativas disso...) para quatro perguntas, que a meu ver refletem em grande parte a maioria dos questionamentos que ouço durante as aulas ou discussões com alunos. Creio que seja essa a maneira mais próxima do ideal de colocar os leitores deste blog mais próximos dos assuntos que aqui são debatidos e discutidos, visando uma maior compreensão, assim como entendimento, do contexto geopolítico do mundo contemporâneo, pautada na elucidação de dúvidas a respeito de tensões e acontecimentos atuais. Sem mais delongas, iniciemos.

Yasmin -Diante da legislação da União Europeia, sabe-se que diversos são os regulamentos e os contratos que envolvem os britânicos na busca por benefícios para o bloco. Por essa razão, é evidente a importância do Reino Unido como membro. Sendo assim, há alguma proposta entre os outros membros do bloco para a manutenção do Reino Unido? Quais seriam os possíveis efeitos do BREXIT para o bloco?

Éder - Bem, na verdade, assim como nós, os membros da União Europeia sabem o quão valiosa é a permanência da Inglaterra no bloco (não necessariamente o Reino Unido, mais a frente entenderemos isso), porém na legislação europeia não há dispositivos legais capazes de “obrigar” ou “forçar” um país a permanecer integrado a ele ou coisa do gênero. Na prática, o que era possível e foi tentado pelos membros do bloco, foi alertar ao governo inglês sobre os riscos e perdas passíveis de ocorrerem caso houvesse um desligamento entre as nações como previa o BREXIT.

Trata-se portanto de um jogo de convencimento, em que cada lado tenta mostrar suas vantagens e apontar as desvantagens do lado oposto, nesse caso a União Europeia e o BREXIT, respectivamente. Mas no final das contas, a vontade popular acaba por ser ouvida através do voto (ainda que por uma diferença mínima), e nesse caso não cabe mais qualquer recurso ou artimanha do bloco econômico a não se lamentar a saída de um dos mais antigos membros e temer pelos desdobramentos desta saída. O grande problema é que não houve uma alegação clara dos ingleses sobre as razões que motivassem a saída, o que acabou por dificultar alguma tentativa de apaziguamento do parlamento europeu que pudesse amenizar a intenção de abandono pelo BREXIT, haja vista que não houve em momento algum uma clareza plena dos fatores motivacionais para tal saída.

Com relação aos efeitos do BREXIT para a União Europeia, podemos destacar o risco de novos países passarem a abandonar o bloco em massa e começarem a sair de acordos como a Zona do Euro ou o Espaço Shengen, referentes à moeda comum e à livre circulação de pessoas, respectivamente. Estes impactos poderiam ter consequências devastadoras sobre o bloco europeu e aos organismos internacionais relacionados a este agrupamento de nações. Poderia se observar por exemplo, a perda de valor do Euro, motivada por uma desconfiança internacional sobre a solidez da moeda internacional e investimentos estrangeiros poderiam ser retirados do bloco, temendo uma maior dificuldade de acesso a mão de obra ou mercados consumidores, dentre outros processos. A capacidade europeia de manter e ampliar acordos externos poderia também ser restringida, posto que a desconfiança acerca dos rumos do bloco estaria ampliada, face a crise iniciada (ou esperada).

Yasmin - De acordo com os noticiários, a possível saída do Reino Unido da União Europeia pode levá-lo a transformar-se em: “Reino Desunido”, uma vez que alguns países pertencentes ao reino, como a Escócia, buscariam a independência. Diante disso, quais seriam as consequências da desintegração do Reino Unido? Quais outros motivadores fazem os países que compõem o Reino Unido buscarem a separação?

Éder - Um dos desdobramentos imediatos da vitória do BREXIT no plebiscito realizado foi a ampliação dos discursos separatistas dentro do Reino Unido, principalmente por parte da Escócia, que imediatamente após o resultado da votação se manifestou interessada na permanência na União Europeia, mesmo com a saída dos ingleses do bloco. Para facilitar o entendimento destas questões, devemos antes realizar, didaticamente, a diferenciação entre Inglaterra, Reino Unido e Grã-Bretanha, pois só assim poderemos compreender como a saída inglesa afetaria a Escócia e outras nações da região.

A Inglaterra corresponde a um único país, onde o regime político baseia-se sobre uma monarquia parlamentarista, ou seja, existe a rainha Elizabeth II, mas na prática quem realmente manda é o Primeiro Ministro, que até o resultado do plebiscito era David Cameron, porém o mesmo renunciou após o resultado favorável à saída inglesa do bloco econômico europeu. Por outro lado, a Grã-Bretanha refere-se ao agrupamento entre a Inglaterra, o País de Gales e a Escócia. Nestes dois últimos pratica-se uma espécie de governo federalista, no qual há poderes políticos “nacionais” embora estes são submetidos ao governo britânico (em suma, o governo inglês...). Destes, o que goza de maior autonomia é a Escócia, que meses atrás chegou a votar um plebiscito para decidir sua permanência ou não no grupo, sendo que a permanência acabou vencendo e não houve alterações nas relações. Já o Reino Unido é formado pela Grã-Bretanha e mais a Irlanda do Norte, e segue o mesmo regime próximo ao federalismo observado no agrupamento anterior. Ou seja, não interessa se falamos sobre Inglaterra, Grã-Bretanha ou Reino Unido, o poder estará quase sempre concentrado unicamente sobre o parlamento inglês.

Pois bem, como foi dito, no caso da Escócia há o claro e manifesto interesse de permanecer na União Europeia, pois se vê que os acordos e tratados econômicos vindos desta associação lhe são mais benéficos que aqueles realizados diretamente com os ingleses, portanto reside aí a principal justificativa para a reportagem falar em “Reino Desunido”, posto que possivelmente a Escócia marque ou peça a realização de um novo plebiscito acerca da saída do Reino Unido, pois agora, com a decisão definitiva (ou quase isso...) do BREXIT, a relação com os ingleses não parece mais tão benéfica e vantajosa quanto antes. No que tange à Irlanda do Norte, as relações tendem a não mudar pois a dependência frente aos ingleses é maciça, assim como as relações são por demais próximas para serem rompidas, prova disso é o conflito histórico entre Irlanda e Irlanda do Norte, no qual a porção norte da ilha se posiciona completamente ao lado da Inglaterra, seja por aceitar o regime monárquico ou a religião protestante como balizas mestras para este “país”, tal qual o é na Inglaterra. Assim como ocorre com a Irlanda do Norte se observa com o País de Gales, que dificilmente se desmembrará da Inglaterra e do Reino Unido, uma vez que tem com o país vizinho acordos muito mais vantajosos do que com o bloco econômico em sua plenitude.

Portanto, a menção a um “Reino Desunido” refere-se muito mais à Escócia do que o restante do “reino”, a qual possivelmente se verá nos próximos meses em um dilema, que será a manutenção dos acordos bilaterais com os ingleses, apoiando o BREXIT, ou a manutenção dos acordos com a União Europeia, “caindo fora” do BREXIT e do próprio Reino Unido. Porém, apenas os primeiros resultados ingleses pós separação em relação ao bloco europeu poderão mostrar se vale a pena aos escoceses continuar ou sair do grupo de súditos de Elizabeth II, assim como, estes mesmos primeiros resultados nos mostrarão o quão ruim (ou bom) para os ingleses seria essa desunião do reino.

Yasmin - O Reino Unido, embora membro da União Europeia, possui a libra como moeda oficial e não o Euro, como a maioria dos membros do bloco. A decisão histórica dos britânicos, por meio do referendo, em deixar a União Europeia gerou queda no valor da Libra Esterlina afetando as bolsas de valores. A respeito dessa realidade, se efetivada a saída do Reino Unido do bloco, quais seriam as possíveis ações internas (conjunturais e estruturais) que o Reino Unido poderia vir a adotar para a superação dos impactos econômicos provenientes de tal decisão?

Éder - O fato de os ingleses nunca terem de fato aceitado o Euro como moeda comum a partir do ano 2000 como a maioria dos membros do bloco, ou mesmo terem parecidos tão contentes e esperançosos com a assinatura do Tratado de Maastricht em 1992, que lançava as bases para a criação da referida moeda, já demonstrava que faltava uma fé um pouco maior na moeda comum e no Banco Central Europeu por parte da Inglaterra. Mas convenhamos, para uma nação acostumada a dominar a economia mundial desde (ou antes mesmo) do colonialismo, aceitar no mundo atual uma posição secundária em um agrupamento europeu não deve ser uma tarefa fácil, principalmente quando o sonho de voltar a ser a maior de todas as potências mundiais, ou mesmo a soberba por tê-la sido, ainda não morreu nos corações regados a “five o’clock tea” dos súditos da rainha...

Sendo a Libra Esterlina a única lembrança inglesa de plena superioridade (embora haja nisso muito mais nacionalismo do que racionalismo...) sobre os demais países europeus, a Inglaterra resistiu forte e austeramente em manter sua moeda, mais valorizada que o Euro, e na verdade mais valorizada que todas as demais moedas nacionais do mundo. Porém o fato é que a libra só consegue manter tal valorização amparada no fato de circular restritamente em um número exíguo de países, o que a torna menos suscetível a rompantes financeiros globais. Ok, mas o real circula apenas no Brasil e é menos valorizado que a libra! Sim, mas aí teríamos que analisar uma conjuntura muito maior de variáveis, que foge ao tema central do texto... Mas enfim, manter a libra como moeda nacional garantiu aos ingleses a ideia de que ainda têm algo que vale mais que aquilo existente no restante da Europa. Com eu disse, muito nacionalismo e pouco realismo...

Dentre as medidas passíveis de serem tomadas pela Inglaterra/Reino Unido para tentar superar a crise de desvalorização da libra, podemos mencionar as próprias medidas a serem tomadas para retomar a economia nessa nova jornada distante (em tese) da União Europeia. A própria desvalorização é fruto da incerteza da efetividade destas medidas, pois em grande parte, a baixa das ações nas bolsas de valores e da moeda inglesa se devem exatamente à incerteza e ao temor de que os laços econômicos entre Inglaterra e o restante da Europa sejam rompidos de vez, o que de maneira nenhuma é verdade ou “pensável”.

Na verdade, assim que formalizar a saída e iniciar a realização de acordos bilaterais, com nações da união europeia ou não, os investimentos externos na Inglaterra serão retomados, assim como a capacidade de investir em outras nações será planejada e redimensionada pela base econômica do governo inglês, e as coisas voltarão aos trilhos normais. Obviamente que os investimentos provenientes do Banco Central Europeu e as políticas econômicas do bloco hão de reduzir e, quem sabe, cessar. Porém, se a capacidade inglesa de fazer acordos proveitosos dentro e fora do mercado europeu for mantida, a tendência natural é o retorno da confiança, o aumento das ações de indústrias do país ou daquelas que nele investem, assim como a retomada da valorização do euro, dando novo fôlego ao nacionalismo, travestido de realismo dos lordes e ladies britânicos.

Yasmin - Evidentemente, a saída do Reino Unido da União Europeia não impede que se venha a realizar acordos bilaterais com membros do bloco e com outros países, na busca por benefícios. Sendo assim, é possível considerar que o Brasil teria alguma vantagem com essa decisão? Ou seja, poderia Brasil tornar-se um parceiro comercial do Reino Unido de significativa importância e influência?

Éder - No que tange as possibilidades futuras de negociações para países como o Brasil as possibilidades são excelentes em todos os aspectos, pois um mercado consumidor que priorizava as mercadorias advindas dos países do bloco europeu poderá abrir-se mais fortemente a mercadorias provenientes de nações externas à União Europeia. Há ainda a questão dos acordos de comércio externo, que acabam por formalizar e institucionalizar o protecionismo comercial, restringindo a entrada de mercadorias externas aos acordos multilaterais.

Nesse contexto o Brasil, que possui hoje uma posição de Global Trader, negociando com uma infinidade de países em todos os continentes, seja como fornecedor de commodities e produtos de médio valor tecnológico, ou ainda absorvendo tecnologias destes parceiros, poderia se valer da experiência de negociações externas para realizar acordos vantajosos com a Inglaterra, seja no papel de fornecedor ou de comprador de mercadorias do país europeu.

Para as exportações brasileiras de produtos agrícolas em direção à União Europeia, um dos grandes entraves é o protecionismo tarifário, que sobretaxa as mercadorias do país ao entrar em qualquer país do bloco. Esse protecionismo, manifestado através da chamada Política Agrícola Comum (ou simplesmente PAC), que faz com que as nações signatárias dos acordos multilaterais europeus adotem uma Tarifa Externa Comum – TEC – para esse tipo de mercadoria, o que é mantido e ampliado desde acordos assinados em 1962, quando o bloco contava ainda com apenas seis países e se chamava Comunidade Econômica Europeia... Pois bem, a saída da Inglaterra da União Europeia desobriga o país a seguir essas regulamentações referentes ao comércio externo, logo, pode tornar-se mais fácil aos produtos brasileiros adentrarem aos mercados consumidores do Reino Unido ou mesmo da própria Inglaterra, aumentando o potencial exportador de nosso país.

Os acordos passíveis de serem firmados entre as duas nações seriam muito mais de importância econômica para o Brasil, do que de influência internacional do país, pois assim como todos os acordos comerciais observados hoje se baseiam no princípio da interdependência e do benefício mútuo e desigual dos envolvidos. Em resumo, nosso país possivelmente venderá mais produtos primários aos ingleses, e talvez tenhamos até um pouco mais de acesso a mercadorias provenientes do país europeu, porém esperar que isso signifique que ficarão mais baratos no Brasil, com nosso famigerado sistema tributário seria sonhar demais.


sábado, 16 de julho de 2016

A SAÍDA DA INGLATERRA DA UNIÃO EUROPEIA (Parte 2)


Por Éder Israel



Disponível em: http://www.castlereport.us/wp-content/uploads/2016/07/Brexit-cutting-the-ties.jpgAcesso em 15 jul. 2016

Antes mesmo do anúncio oficial sobre o resultado da votação, feito por David Cameron, as redes sociais e mídias de massa davam como certa a vitória do BREXIT, e a saída dos ingleses da União Europeia parecia apenas questão de horas. De fato as horas se passaram, e o grupo que defendia a saída do bloco se sagrou vitoriosa do plebiscito realizado. Naquele momento era oficial, a União Europeia perdia um de seus mais antigos membros em um momento em que o terrorismo e a crise econômica redesenham o traçado geopolítico do mundo. A Inglaterra deu o primeiro passo na direção de mostrar que o conto de fadas por trás do superbloco europeu começa, de fato, a ruir...

Assim que o resultado fora sabido, os comandantes do bloco europeu mudaram diametralmente seu discurso de que era necessário alcançar um meio para que o governo e a população inglesa permanecessem no mercado regional. Agora, o discurso de líderes da França e da Alemanha, era de que a saída deveria ser conduzida o mais rápido o possível, e que os ingleses (através de seu governo) se apressassem a comunicar o bloco e formalizar o “abandono do barco” o quanto antes.



Disponível em: http://www.ctvnews.ca/polopoly_fs/1.2951048.1466205347!/httpImage/image.jpg_gen/derivatives/landscape_620/image.jpg Acesso em 15 jul. 2016

Um dos grandes temores do da União Europeia pode ter se confirmado com a decisão dos ingleses em deixar o agrupamento regional e retomar a “individualidade” política e econômica dentro da Europa, posto que isso possa dar início a uma plena evasão de outros membros, descontentes, há tempos, com os rumos econômicos e principalmente políticos do bloco. A manifestação favorável dos ingleses de que “antes só do que com o Parlamento Europeu” pode se tornar um discurso uníssono dentro da antiga Europa Ocidental, e jogar por terra os acordos e avanços adquiridos desde a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço – CECA, em 1952.

É inegável a preocupação de outras nações do bloco acerca da crise latente nos PIIGS e da dificuldade de sanar os problemas econômicos deste grupo de apenas 5 países. Em resumo, o que se tem hoje é uma dupla visão dentro do bloco europeu, a visão dos PIIGS: “até quando a crise vai assolar nossas economias?”, e a dos demais países: “até quando a crise ficará restrita a Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha?”. Enquanto estas duas questões, ou nesse caso pontos de vista, não forem sanadas, a incerteza do futuro europeu irá persistir.

Nesse ponto reside o temor do bloco  que intitula esse segundo texto, uma vez que, uma nação ainda não assolada profundamente pela crise, como de fato é hoje a Inglaterra, pode motivar que outros países na mesma situação façam o mesmo, e optem por “abandonar o barco” antes que ele afunde por completo. Isso seria a ruína plena da economia do mercado regional, pois a debandada maciça de associados poderia causar uma fuga importante de divisas e dividendos, afetando pesadamente o Banco Central Europeu e consequentemente impactar negativamente as políticas de socorro das economias que já estão em crise e daquelas que estão à beira do fracasso.



Disponível em: http://www.freewords.com.br/wp-content/gallery/crise-economica-na-uniao-europeia/crise-economica-na-uniao-europeia-pais-dinheiro6.jpg Acesso em 15 jul. 2016

Há tempos a União Europeia se vê as turras com uma dúvida enorme: “Por que não excluir a Grécia do bloco?”, e a resposta a isso é muito simples e prática: “Expulsar a Grécia no meio de uma crise poderia motivar países que ainda não estão em crise a sair antes que ela os atinja!”. Pois bem, a saída da Inglaterra pode e possivelmente vai motivar um “salve-se quem puder” no mercado regional e para o continente, toda a recuperação do pós Segunda Guerra Mundial poderia se esvair ao vento feito a fumaça dos bombardeios no conflito. Talvez, a desistência inglesa de permanecer no bloco signifique aquela dura constatação de que os governos da França e da Alemanha, sabidamente e reconhecidamente os líderes do bloco, não queriam admitir que os gastos com o socorro da Grécia e demais PIIGS pode ter sido em vão caso haja uma saída em massa do bloco.

O fato de que as lideranças europeias estejam apressando ao máximo a saída formal dos ingleses reside na torcida de que, embora não seja algo muito bonito de se ver ou torcer, (...) o abandono da União Europeia traga uma profunda recessão e uma maciça crise de “isolamento” econômico para os ingleses que seja capaz de frear os ímpetos de outras nações em saírem do bloco. Nesse momento as grandes economias europeias estão se agarrando a tudo o que podem, mesmo que a salvação do agrupamento econômico signifique torcer pelo fracasso daqueles que optaram por abandoná-lo. Resume-se nisso a nada moral, porém necessária, tábua de salvação para os aliados econômicos de França e Alemanha. Ao mesmo tempo é um “divirta-se ao nosso lado” e um “ferre-se aí sozinho”...


Continua...

quarta-feira, 13 de julho de 2016

A SAÍDA DA INGLATERRA DA UNIÃO EUROPEIA (Parte 1)


Por Éder Israel




Disponível em: <SssrGSLyvODRqJsRsNAoNtnMyTGPKiddk26rp6hlU9v6KJwLbj4pAcvRpz87Ks1V> Acesso em 12 jul. 2016

O resultado do referendo realizado na Inglaterra no dia 24 de julho desse ano de 2016 vai muito além dos mais de 1,2 milhão de votos favoráveis à saída de uma das principais economias do bloco, que esteve presente no mercado regional europeu desde 1973. Os desdobramentos da apertada vitória dos favoráveis à saída, com 51,9% dos votos válidos, podem trazer um novo suspiro econômico para os ingleses, mas podem também trazer-lhes um fracasso mais rápido do que aquele temido caso permanecesse no bloco, assim como pode fortalecer a integração entre os membros remanescentes da União Europeia, ou sepultar de vez o sonho de criação de um megamercado, vislumbrado em 1952, na assinatura do Plano Schuman por alemães e franceses.

Mas o que estaria por trás das ações e propostas da ala mais conservadora do parlamento inglês? O que tanto teme o grupo que tentou frear a vontade de deixar o bloco europeu? Por que a União Europeia temeu tanto a saída da Inglaterra do mercado regional? Por qual motivo a cúpula das nações constituintes do bloco tem tanta pressa da saída pós referendo? São questões ainda sem resposta, mas cheias de possibilidades e de “achismos”, as quais serão desdobradas nesse breve texto.

É sabido que o bloco europeu foi assolado profundamente pela crise global de 2008, a qual se somou a uma crise interna e crescente, fruto do envelhecimento populacional e suas consequências. No caso europeu, o envelhecimento tem até nome e RG, sendo chamado de “Euroesclerose” por demógrafos contemporâneos. A qualidade de vida elevada associada às facilidades da vida moderna, cada vez mais acessíveis à população das nações mais desenvolvidas, possibilitou nos países da União Europeia (ou em grande parte deles) um crescimento da longevidade, aumentando substancialmente a população idosa, o que sobrecarrega os setores de previdência social e outros mecanismos remanescentes do Estado do Bem Estar Social (EBES) de outros tempos.

Em complementação a esse envelhecimento populacional, ocorre uma contínua redução nas taxas de natalidade e fecundidade nos países do mercado regional, o que causa na atualidade uma redução da população economicamente ativa e da arrecadação pública dos Estados. E lá vem outra vez a sombra do EBES, nos países onde grande parte dos serviços essenciais à população ainda possuem e dependem dos investimentos públicos. Em resumo, nos últimos anos muitos países da União Europeia passaram a gastar mais para sustentar o elevado percentual de idosos, do que arrecadando com o, cada vez menor, percentual de jovens e adultos economicamente ativos.

Segundo a visão da referida ala conservadora do parlamento inglês, esse conjunto de problemas fruto da “euroesclerose” ainda não afetou pesadamente a realidade econômica da Inglaterra. Por enquanto, os países mais afetados são: Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, que estão pejorativamente agrupados em um conjunto chamado PIIGS (na sigla em Inglês) e na visão desse agrupamento de políticos do país, os ingleses não têm obrigações econômicas com o socorro para nações em crise, tal qual a Alemanha tem feito com a questão grega. Para os partidários do BREXIT, o dinheiro da Inglaterra deve ser investido em políticas econômicas do próprio país que se se vê à beira do limite de entrar para os PIIGS...



Disponível em: <https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhVaMUsVb9z3J73H81bpTs_d2idwq3XVC8-pKQ08Xlft-NtqV3g15skQld44bfFr9my9W4KorFxhDqXtejyIJKowp-QUaA8C9ao-7cgHuyiSvHAuN4GTP0SeQ_yg9gXe5Lw_VR0cE9QerI/s1600/Piigs.jpg> Acesso em 12 jul. 2016

Há ainda a questão clássica dos imigrantes, e da xenofobia, que configura-se hoje como a base principal do discurso daqueles que se mostram contrários à saída inglesa do bloco, sejam os responsáveis por tais discursos ingleses ou não... A alegação de que o país foi motivado pelo interesse de não ter que abrir suas fronteiras para os imigrantes, provenientes do norte da África e do Oriente Médio, tem força a cada dia no noticiário e no “conhecimento” disseminado massivamente pelas redes sociais diariamente, em posts e mais posts de imagens de pessoas morrendo nos países de origem, enquanto barreiras são erguidas nas fronteiras das nações desenvolvidas do continente europeu. Mas faz sentido a ideia de que a xenofobia foi o combustível para o BREXIT? Em minha opinião, não. Mas como dissemos, é um momento de muitos “achismos” e poucas certezas.

Os principais indicativos são de que os partidários do BREXIT vêm os imigrantes como um peso econômico para o já fragilizado sistema inglês, assustado (com razão) pelo buraco financeiro que a “euroesclerose” trouxe aos PIIGS. A saída da União Europeia representa aos olhos dos favoráveis à saída uma única chance de salvação própria para uma futura crise que se alastra pelo continente, fruto das mudanças demográficas contemporâneas. Porém, aos olhos daqueles que se opõem a essa saída, pode selar a decadência econômica do país, pois este estará oficialmente e irremediavelmente desprovido da ajuda financeira das demais nações do bloco, a qual pode ter sido capaz de amenizar os impactos da crise nos PIIGS, principalmente na Grécia.


... Continua