Por Éder Israel e
Yasmin Vieira
Disponível em: https://pixabay.com/static/uploads/photo/2015/11/03/08/57/puzzle-1019847_960_720.jpg
Acesso em 16 jul. 2016
Para
este encerramento dos textos a respeito da saída da Inglaterra da união
Europeia, decidida por voto popular em uma demonstração plena de democracia e
respeito à vontade da maioria (deveríamos aprender um pouco mais sobre isso e
aplicar aqui no Brasil, mas enfim...), farei uma espécie de texto a quatro
mãos, que será balizado por perguntas escritas pela Yasmin Vieira e que
tentarei responder nos parágrafos que se seguem. Esta ideia veio do meu próprio
questionamento de quais poderiam ser as dúvidas dos alunos/leitores dos textos
que aqui posto. Pois bem, este será um piloto de algo que pretendo melhorar e
manter para as próximas discussões nesse espaço.
Nessa perspectiva, o
texto que se segue será construído a partir das
respostas (ou tentativas disso...) para quatro perguntas, que a meu ver
refletem em grande parte a maioria dos questionamentos que ouço durante as
aulas ou discussões com alunos. Creio que seja essa a maneira mais próxima do
ideal de colocar os leitores deste blog mais próximos dos assuntos que aqui são
debatidos e discutidos, visando uma maior compreensão, assim como entendimento,
do contexto geopolítico do mundo contemporâneo, pautada na elucidação de
dúvidas a respeito de tensões e acontecimentos atuais. Sem mais delongas,
iniciemos.
Yasmin -Diante da legislação
da União Europeia, sabe-se que diversos são os regulamentos e os contratos que
envolvem os britânicos na busca por benefícios para o bloco. Por essa razão, é
evidente a importância do Reino Unido como membro. Sendo assim, há alguma
proposta entre os outros membros do bloco para a manutenção do Reino Unido?
Quais seriam os possíveis efeitos do BREXIT para o bloco?
Éder - Bem, na verdade, assim
como nós, os membros da União Europeia sabem o quão valiosa é a permanência da
Inglaterra no bloco (não necessariamente o Reino
Unido, mais a frente entenderemos isso), porém na legislação europeia não há
dispositivos legais capazes de “obrigar” ou “forçar” um país a permanecer integrado a ele ou coisa do gênero. Na prática, o que
era possível e foi tentado pelos membros do bloco, foi alertar ao governo
inglês sobre os riscos e perdas passíveis de ocorrerem caso houvesse um
desligamento entre as nações como previa o BREXIT.
Trata-se portanto de um
jogo de convencimento, em que cada lado tenta mostrar suas vantagens e apontar
as desvantagens do lado oposto, nesse caso a União Europeia e o BREXIT,
respectivamente. Mas no final das contas, a vontade popular acaba por ser
ouvida através do voto (ainda que por uma diferença mínima), e nesse caso não
cabe mais qualquer recurso ou artimanha do bloco econômico a não se lamentar a
saída de um dos mais antigos membros e temer pelos desdobramentos desta saída.
O grande problema é que não houve uma alegação clara dos ingleses sobre as
razões que motivassem a saída, o que acabou por
dificultar alguma tentativa de apaziguamento do parlamento europeu que pudesse
amenizar a intenção de abandono pelo BREXIT, haja vista
que não houve em momento algum uma clareza plena dos fatores motivacionais para
tal saída.
Com relação aos efeitos
do BREXIT para a União Europeia, podemos destacar o risco de novos países
passarem a abandonar o bloco em massa e começarem a sair de acordos como a Zona
do Euro ou o Espaço Shengen, referentes à moeda comum e à livre circulação de
pessoas, respectivamente. Estes impactos poderiam ter consequências
devastadoras sobre o bloco europeu e aos organismos internacionais relacionados
a este agrupamento de nações. Poderia se observar por exemplo, a perda de valor
do Euro, motivada por uma desconfiança internacional sobre a solidez da moeda
internacional e investimentos estrangeiros poderiam ser retirados do bloco,
temendo uma maior dificuldade de acesso a mão de obra ou mercados consumidores,
dentre outros processos. A capacidade europeia de manter e ampliar acordos
externos poderia também ser restringida, posto que a desconfiança acerca dos
rumos do bloco estaria ampliada, face a crise iniciada (ou esperada).
Yasmin - De acordo com os
noticiários, a possível saída do Reino Unido da União Europeia pode levá-lo a
transformar-se em: “Reino Desunido”, uma vez que alguns países pertencentes ao
reino, como a Escócia, buscariam a independência. Diante disso, quais seriam as
consequências da desintegração do Reino Unido? Quais outros motivadores fazem
os países que compõem o Reino Unido buscarem a separação?
Éder - Um dos desdobramentos
imediatos da vitória do BREXIT no plebiscito realizado foi a ampliação dos
discursos separatistas dentro do Reino Unido, principalmente por parte da
Escócia, que imediatamente após o resultado da votação se manifestou
interessada na permanência na União Europeia, mesmo com a saída dos ingleses do
bloco. Para facilitar o entendimento destas questões, devemos antes realizar,
didaticamente, a diferenciação entre Inglaterra, Reino Unido e Grã-Bretanha, pois
só assim poderemos compreender como a saída inglesa afetaria a Escócia e outras
nações da região.
A Inglaterra corresponde
a um único país, onde o regime político baseia-se sobre uma monarquia
parlamentarista, ou seja, existe a rainha Elizabeth II, mas na prática quem
realmente manda é o Primeiro Ministro, que até o resultado do plebiscito era
David Cameron, porém o mesmo renunciou após o resultado favorável à saída
inglesa do bloco econômico europeu. Por outro lado, a Grã-Bretanha refere-se ao
agrupamento entre a Inglaterra, o País de Gales e a Escócia. Nestes dois
últimos pratica-se uma espécie de governo federalista, no qual há poderes
políticos “nacionais” embora estes são submetidos ao governo britânico (em
suma, o governo inglês...). Destes, o que goza de maior autonomia é a Escócia,
que meses atrás chegou a votar um plebiscito para decidir sua permanência ou
não no grupo, sendo que a permanência acabou vencendo e não houve alterações
nas relações. Já o Reino Unido é formado pela Grã-Bretanha e mais a Irlanda do
Norte, e segue o mesmo regime próximo ao federalismo observado no agrupamento
anterior. Ou seja, não interessa se falamos sobre Inglaterra, Grã-Bretanha ou
Reino Unido, o poder estará quase sempre concentrado unicamente sobre o
parlamento inglês.
Pois bem, como foi dito,
no caso da Escócia há o claro e manifesto interesse de permanecer na União
Europeia, pois se vê que os acordos e tratados econômicos vindos desta
associação lhe são mais benéficos que aqueles realizados diretamente com os
ingleses, portanto reside aí a principal justificativa para a reportagem falar
em “Reino Desunido”, posto que possivelmente a Escócia marque ou peça a
realização de um novo plebiscito acerca da saída do Reino Unido, pois agora,
com a decisão definitiva (ou quase isso...) do BREXIT, a relação com os
ingleses não parece mais tão benéfica e vantajosa quanto antes. No que tange à
Irlanda do Norte, as relações tendem a não mudar pois a dependência frente aos
ingleses é maciça, assim como as relações são por demais próximas para serem
rompidas, prova disso é o conflito histórico entre Irlanda e Irlanda do Norte,
no qual a porção norte da ilha se posiciona completamente ao lado da
Inglaterra, seja por aceitar o regime monárquico ou a religião protestante como
balizas mestras para este “país”, tal qual o é na Inglaterra. Assim como ocorre
com a Irlanda do Norte se observa com o País de Gales, que dificilmente se
desmembrará da Inglaterra e do Reino Unido, uma vez que tem com o país vizinho
acordos muito mais vantajosos do que com o bloco econômico em sua plenitude.
Portanto, a menção a um
“Reino Desunido” refere-se muito mais à Escócia do que o restante do “reino”, a
qual possivelmente se verá nos próximos meses em um dilema, que será a
manutenção dos acordos bilaterais com os ingleses, apoiando o BREXIT, ou a
manutenção dos acordos com a União Europeia, “caindo fora” do BREXIT e do
próprio Reino Unido. Porém, apenas os primeiros resultados ingleses pós
separação em relação ao bloco europeu poderão mostrar se vale a pena aos
escoceses continuar ou sair do grupo de súditos de Elizabeth II, assim como,
estes mesmos primeiros resultados nos mostrarão o quão ruim (ou bom) para os
ingleses seria essa desunião do reino.
Yasmin - O Reino Unido, embora membro da União Europeia, possui a libra como
moeda oficial e não o Euro, como a maioria dos membros do bloco. A decisão
histórica dos britânicos, por meio do referendo, em deixar a União Europeia
gerou queda no valor da Libra Esterlina afetando as bolsas de valores. A
respeito dessa realidade, se efetivada a saída do Reino Unido do bloco, quais
seriam as possíveis ações internas (conjunturais e estruturais) que o Reino
Unido poderia vir a adotar para a superação dos impactos econômicos provenientes
de tal decisão?
Éder - O
fato de os ingleses nunca terem de fato aceitado o Euro como moeda comum a
partir do ano 2000 como a maioria dos membros do bloco, ou mesmo terem
parecidos tão contentes e esperançosos com a assinatura do Tratado de
Maastricht em 1992, que lançava as bases para a criação da referida moeda, já
demonstrava que faltava uma fé um pouco maior na moeda comum e no Banco Central
Europeu por parte da Inglaterra. Mas convenhamos, para uma nação acostumada a
dominar a economia mundial desde (ou antes mesmo) do colonialismo, aceitar no
mundo atual uma posição secundária em um agrupamento europeu não deve ser uma
tarefa fácil, principalmente quando o sonho de voltar a ser a maior de todas as
potências mundiais, ou mesmo a soberba por tê-la sido, ainda não morreu nos
corações regados a “five o’clock tea”
dos súditos da rainha...
Sendo
a Libra Esterlina a única lembrança inglesa de plena superioridade (embora haja
nisso muito mais nacionalismo do que racionalismo...) sobre os demais países
europeus, a Inglaterra resistiu forte e austeramente em manter sua moeda, mais
valorizada que o Euro, e na verdade mais valorizada que todas as demais moedas
nacionais do mundo. Porém o fato é que a libra só consegue manter tal
valorização amparada no fato de circular restritamente em um número exíguo de
países, o que a torna menos suscetível a rompantes financeiros globais. Ok, mas
o real circula apenas no Brasil e é menos valorizado que a libra! Sim, mas aí
teríamos que analisar uma conjuntura muito maior de variáveis, que foge ao tema
central do texto... Mas enfim, manter a libra como moeda nacional garantiu aos
ingleses a ideia de que ainda têm algo que vale mais que aquilo existente no
restante da Europa. Com eu disse, muito nacionalismo e pouco realismo...
Dentre
as medidas passíveis de serem tomadas pela Inglaterra/Reino Unido para tentar
superar a crise de desvalorização da libra, podemos mencionar as próprias
medidas a serem tomadas para retomar a economia nessa nova jornada distante (em
tese) da União Europeia. A própria desvalorização é fruto da incerteza da
efetividade destas medidas, pois em grande parte, a baixa das ações nas bolsas
de valores e da moeda inglesa se devem exatamente à incerteza e ao temor de que
os laços econômicos entre Inglaterra e o restante da Europa sejam rompidos de
vez, o que de maneira nenhuma é verdade ou “pensável”.
Na
verdade, assim que formalizar a saída e iniciar a realização de acordos
bilaterais, com nações da união europeia ou não, os investimentos externos na
Inglaterra serão retomados, assim como a capacidade de investir em outras
nações será planejada e redimensionada pela base econômica do governo inglês, e
as coisas voltarão aos trilhos normais. Obviamente que os investimentos
provenientes do Banco Central Europeu e as políticas econômicas do bloco hão de
reduzir e, quem sabe, cessar. Porém, se a capacidade inglesa de fazer acordos
proveitosos dentro e fora do mercado europeu for mantida, a tendência natural é
o retorno da confiança, o aumento das ações de indústrias do país ou daquelas
que nele investem, assim como a retomada da valorização do euro, dando novo
fôlego ao nacionalismo, travestido de realismo dos lordes e ladies
britânicos.
Yasmin - Evidentemente, a saída do Reino Unido da União Europeia não impede
que se venha a realizar acordos bilaterais com membros do bloco e com outros
países, na busca por benefícios. Sendo assim, é possível considerar que o
Brasil teria alguma vantagem com essa decisão? Ou seja, poderia Brasil
tornar-se um parceiro comercial do Reino Unido de significativa importância e
influência?
Éder - No
que tange as possibilidades futuras de negociações para países como o Brasil as
possibilidades são excelentes em todos os aspectos, pois um mercado consumidor
que priorizava as mercadorias advindas dos países do bloco europeu poderá
abrir-se mais fortemente a mercadorias provenientes de nações externas à União
Europeia. Há ainda a questão dos acordos de comércio externo, que acabam por
formalizar e institucionalizar o protecionismo comercial, restringindo a
entrada de mercadorias externas aos acordos multilaterais.
Nesse
contexto o Brasil, que possui hoje uma posição de Global Trader, negociando com uma infinidade de países em todos os
continentes, seja como fornecedor de commodities
e produtos de médio valor tecnológico, ou ainda absorvendo tecnologias destes
parceiros, poderia se valer da experiência de negociações externas para
realizar acordos vantajosos com a Inglaterra, seja no papel de fornecedor ou de
comprador de mercadorias do país europeu.
Para
as exportações brasileiras de produtos agrícolas em direção à União Europeia,
um dos grandes entraves é o protecionismo tarifário, que sobretaxa as
mercadorias do país ao entrar em qualquer país do bloco. Esse protecionismo,
manifestado através da chamada Política Agrícola Comum (ou simplesmente PAC),
que faz com que as nações signatárias dos acordos multilaterais europeus adotem
uma Tarifa Externa Comum – TEC – para esse tipo de mercadoria, o que é mantido
e ampliado desde acordos assinados em 1962, quando o bloco contava ainda com
apenas seis países e se chamava Comunidade Econômica Europeia... Pois bem, a
saída da Inglaterra da União Europeia desobriga o país a seguir essas
regulamentações referentes ao comércio externo, logo, pode tornar-se mais fácil
aos produtos brasileiros adentrarem aos mercados consumidores do Reino Unido ou
mesmo da própria Inglaterra, aumentando o potencial exportador de nosso país.
Os
acordos passíveis de serem firmados entre as duas nações seriam muito mais de
importância econômica para o Brasil, do que de influência internacional do
país, pois assim como todos os acordos comerciais observados hoje se baseiam no
princípio da interdependência e do benefício mútuo e desigual dos envolvidos.
Em resumo, nosso país possivelmente venderá mais produtos primários aos
ingleses, e talvez tenhamos até um pouco mais de acesso a mercadorias
provenientes do país europeu, porém esperar que isso signifique que ficarão
mais baratos no Brasil, com nosso famigerado sistema tributário seria sonhar
demais.
■