terça-feira, 21 de abril de 2015

PROPOSTAS DA UNIÃO EUROPEIA PARA A "SOLUÇÃO" DA CRISE MIGRATÓRIA

Análise das 10 propostas que serão discutidas na quinta feira (23 de abril de 2015) na sessão emergencial da União Europeia sobre a crise dos imigrantes no Mar Mediterrâneo.

Por Éder Israel


Disponível em: < https://bibliblogue.files.wordpress.com/2010/10/imigracao.jpg> Acesso em 21 abr. 2015.


Frente à crescente pressão realizada pela mídia e por organizações internacionais, os líderes da União Europeia pretendem estabelecer novos parâmetros para o controle do espaço marítimo do sul da Europa e norte da África. As intenções seriam estabelecer um controle maior da navegação clandestina nessa região e consequentemente evitar a repetição de tragédias como a desta semana. Porém é preciso se atentar a estes parâmetros e como eles irão de fato funcionar nesse contexto.

A seguir as 10 propostas a serem debatidas na sessão emergencial, seguidas de sua análise.

Proposta 1 - Reforçar as operações de controle e salvamento - chamadas Triton e Poseidon - implementadas pela Frontex, a agência europeia de controle das fronteiras, aumentando os seus recursos financeiros e materiais. O seu âmbito, atualmente restrito às águas territoriais dos países da UE, deverá ser aumentado.

Análise ► Atualmente a União Europeia realiza a fiscalização de uma faixa de águas oceânicas que se estendem do nível do mar na costa até 12 milhas náuticas (algo próximo a 22 quilômetros), porém grande parte dos naufrágios ocorrem quando as embarcações clandestinas se aproximam deste limite, o que torna as tragédias como a desta semana fora da alçada de atuação da Frontex. Um dos principais problemas das ações além desta faixa de águas é o orçamento desta agência e a quantidade de embarcações para o socorro e fiscalização dos barcos clandestinos, o que fica claro ao se observar que grande parte das vítimas e corpos resgatados dos últimos naufrágios foram retirados do mar por embarcações mercantes, que circulam além das 12 milhas náuticas.

Proposta 2 - Apreensão e destruição de embarcações utilizadas para transportar os migrantes, à imagem da Operação Atalanta contra a pirataria na costa da Somália.

Análise ► Existe de fato uma máfia altamente organizada no norte da África e na Europa que atua no tráfico de pessoas entre as duas regiões, e esta máfia realiza sistematicamente viagens em direção à União Europeia em embarcações pesqueiras ou botes clandestinos abarrotados de africanos a serem explorados como mão de obra barata no continente europeu. A ideia de destruir as embarcações apreendidas realizando o transporte clandestino de pessoas no Mar Mediterrâneo foi implantada no Oceano Índico quando piratas da Somália começaram a sequestrar navios estrangeiros e cobrar resgates para o financiamento da guerra civil no país. Os piratas da Somália se tornaram assunto internacional quando sequestraram em novembro de 2008 o megapetroleiro saudita Sirius Star, e receberam (segundo fontes não oficiais) pelo menos 3 milhões de dólares de resgate. Desde então, as embarcações destes piratas têm sido atacadas e destruídas no litoral somali, o que reduziu significativamente as ações deste grupo. É o que se busca, em partes, com essa proposta a respeito da imigração ilegal de africanos no Mar Mediterrâneo.

Proposta 3 - O reforço da cooperação entre as organizações Europol, Frontex, EASO e Eurojust para reunir informações sobre o modo como operam dos traficantes.

Análise ► Com a assinatura do Tratado de Maastricht em 1992 a integração dos países europeus se tornou ainda mais intensa, e houve a necessidade da criação de organismos supranacionais no âmbito do bloco econômico, destes se destacam a Europol (Serviço de Polícia Europeu), uma espécie de "polícia europeia" que atua em regime de cooperação nos países membros, favorecendo a investigação de crimes cometidos dentro da União Europeia. O EASO (Gabinete Europeu de Apoio ao Asilo - GEAA, na sigla em português), que atua na criação de políticas e normas comuns a respeito do asilo (político ou não) oferecido nos territórios dos países membros. e o Eurojust, que congrega delegados e membros do Ministério Público dos Estados membros que atuam na investigação de crimes transfronteiriços e no estabelecimento das regras de extradição. A intenção desta proposta é que as informações destes três organismos/agências sejam compartilhadas e somadas àquelas da Frontex no estabelecimento de ações comuns e efetivas sobre a investigação dos imigrantes e estabelecimento de asilo ou extradição dos mesmos.

Proposta 4 - Implantação de equipes do Gabinete Europeu de Apoio ao Asilo (EASO) na Itália e na Grécia para ajudar com a gestão dos pedidos de asilo.

Análise ► Como mencionado no texto anterior, a Itália e a Grécia são dois dos principais destinos iniciais dos imigrantes ilegais que vêm do território africano, isso faz com que ao chegarem nestes dois países os imigrantes imediatamente peçam asilo nestas nações europeias. O objetivo desta proposta é realizar um controle mais eficaz para estes pedidos de asilo, muito mais para não conceder asilo político a criminosos ou terroristas (vide a expansão do Estado Islâmico no norte da África) do que propriamente acelerar a concessão desse direito de permanência na Europa.

Proposta 5 - Registro sistemático das impressões digitais de todos os migrantes logo após sua chegada em território dos Estados membros.

Análise ► Esta quinta proposta seria complementar à quarta, pois o "fichamento"  dos imigrantes auxiliaria na investigação posterior por parte da Europol e da Eurojust a respeito dos antecedentes dos estrangeiros que adentram o bloco europeu, novamente visando o impedimento da concessão de vistos de permanência a pessoas ligadas a organizações criminosas ou células terroristas em seus países de origem.

Proposta 6 - Revisão das opções para uma distribuição mais equitativa dos refugiados entre os Estados membros da UE.

Análise ► Atualmente não existe de fato uma política concisa na União Europeia que estabeleça as regras para a distribuição dos imigrantes asilados ou refugiados entre os países membros, o que faz com que estes imigrantes permaneçam geralmente nos países em que entraram após o fluxo migratório, que pode, conforme o exposto anteriormente, trazer sérios problemas para os governos de países como Itália, Grécia e Espanha que ficariam responsáveis pela quase totalidade dos africanos que adentram ao continente europeu. Esta proposta seria um meio formal de divisão dos custos de manutenção destes novos habitantes da Europa. Acredito que este deva ser um dos pontos mais complexos e de difícil consenso nesta reunião emergencial.

Proposta 7 - Programa de reinstalação nos países da UE de pessoas que receberam o status de refugiado junto o ACNUR. Os Estados membros são convidados a participar deste programa de forma voluntária. Não há números citados na proposta. Mas de acordo com a Comissão, a expectativa é que beneficie 5.000 pessoas.

Análise ► O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados - ACNUR - tem como função principal a garantia dos direitos estabelecidos pela Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, na qual a Organização das Nações Unidas determina que os países devem se mobilizar para a garantia de soluções duradouras para os refugiados que adentrem os seus territórios. Ao se aproximar as políticas e ações do EASO às normas do ACNUR, poderia ser acelerada a instalação das pessoas (refugiadas ou asiladas) nos países europeus, além de possibilitar a sua inserção na População Economicamente Ativa (PEA), trazendo-lhes mais acesso à renda e incrementando a arrecadação dos Estados europeus, o que não ocorreria se tais imigrantes permanecessem ilegais e economicamente inativos nesses países.

Proposta 8 - Programa para deportação rápida dos candidatos à imigração não autorizados a permanecer na UE. Ele será coordenado pela Frontex, com os Estados membros na linha da frente para chegadas no Mediterrâneo.

Análise ► Assim como a facilitação do processo de asilo para os imigrantes e refugiados que seria alcançada com a convergência aos acordos da ACNUR, a aproximação das políticas investigativas da Europol e Eurojust agilizariam também a identificação de pessoas que não se enquadram aos parâmetros europeus para a concessão de permanência no bloco econômico. Isso, assim como outras propostas anteriormente analisadas, apontam para um preocupação latente com a natureza das pessoas que anseiam entrar no continente europeu, vindas do continente africano.

Proposta 9 - Ação com os países vizinhos da Líbia para bloquear as rotas utilizadas pelos migrantes. Por exemplo, o Níger é um país de trânsito e onde a presença europeia será reforçada.

Análise ► Este sim é talvez o grande ponto destas dez propostas da União Europeia para a questão dos imigrantes ilegais provenientes do norte africano. A ideia desta nona proposta seria impedir o fluxo de pessoas que saem do norte da África através do litoral libanês, de onde partiu o barco clandestino que naufragou nessa semana. O interesse aqui seria claramente de fechar as fronteiras desse país e bloquear a partida destas embarcações. Qualquer semelhança dessa ideia e os muros/cercas construídos pelo governo da Espanha nas cidades autônomas e espanholas de Melilla e Ceuta no Marrocos, ou mesmo o muro construído na fronteira entre México e Estados Unidos, não é mera coincidência...

Proposta 10 - O envio de oficiais da imigração para as delegações da UE em um número de países terceiros. Eles serão responsáveis por recolher informações sobre os fluxos migratórios.

Análise ► A décima e última proposta da União Europeia a ser debatida pelo Conselho de Ministros na reunião emergencial desse dia 23 de abril, se refere a um tema polêmico no contexto geopolítico atual, que se relaciona à política externa das nações desenvolvidas. O que a União Europeia pretende com esta proposta é associar representantes das políticas imigratórias aos serviços diplomáticos presentes nos países de origem dos maiores fluxos no norte da África, de modo a interferir diretamente nos movimentos de pessoas entre os dois continentes, e principalmente ter conhecimento sobre os números reais de pessoas que realizam esse processo, o que facilitaria a criação e a implantação de políticas efetivas que contenham o tráfico de pessoas e que minimizem as chances de repetição de tragédias como as desta semana.

Em resumo, a divulgação destas dez propostas a serem apreciadas e discutidas amanhã (23) em Luxemburgo lança luz sobre uma questão que foi relevada e relativizada há décadas, mas que em tempos atuais, com os meios de comunicação de massa e a popularização (ainda que seletiva) das informações não é tão fácil de se permanecer desconhecida. Por décadas o problema das mortes e acidentes nas travessias dos imigrantes africanos foi tratado como algo pontual, mas duas tragédias envolvendo mais de mil pessoas dão uma nova dimensão para a situação emergencial que se vive no Mediterrâneo.

Nas cinco primeiras propostas nota-se muito claramente uma preocupação em acolher os imigrantes que chegam ao continente europeu e lhes oferecer condições mais dignas e vantajosas de vida, porém nas últimas cinco propostas nota-se que o maior interesse demonstrado é fazer com que se criem métodos para que os africanos sejam enviados de volta para o continente de origem ou que nem mesmo saiam de lá. É o jeito europeu de limitar o fluxo de pessoas de fora para dentro do bloco da antiga  Europa Ocidental...

Seja como for, desde que se busque evitar a morte de centenas de pessoas em naufrágios e impedir o tráfico de pessoas em pleno século XXI, toda ação deve ser apreciada, embora sua validação dependa de uma série de questões que serão trazidas à tona apenas depois de amplos e acalorados debates.

Por fim, é inegável que os atentados terroristas contra a França, tanto na Revista Charlie Hebdo, quanto no Mercado Judaico em 2014, deixam a União Europeia com um "pé atrás" quando os assuntos envolvem imigração internacional, principalmente quando os imigrantes são provenientes de países onde atue o Estado Islâmico...

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