Navio com pelo menos 700
pessoas naufraga no norte da África... Seria uma grande tragédia, se não fosse
apenas só mais uma.
Por Éder
Israel
Um
dos vários barcos superlotados de imigrantes ilegais que rumam em direção à
União Europeia a partir do norte da África.
Disponível em: < http://ansabrasil.com.br/webimages/al_news_476x/2015/3/20/1cff94ea47412906bcba7d3398b6f81a.jpg>
Acesso em 20 abr. 2015
Na
madrugada de 19 de abril de 2015 uma embarcação clandestina afundou no meio da
madrugada no mar ao norte da Líbia, em mais uma das várias tentativas
desesperadas de pessoas realizarem a travessia para a Europa em busca de
melhores condições de vida, ou simplesmente um chance de sobreviver no "Velho
Continente". Mas o que há por trás dessas constantes e cada vez mais
trágicas tentativas de êxodo? O que há por trás da parcimônia com a qual os
governos europeus olham para essa tragédia anunciada?
Ao
se buscar fontes e dados mais concisos a respeito dessa temática, informações
que vão além das dezenas de reportagens que inundarão os meios de comunicação
essa semana, mas que certamente na próxima semana serão substituídas por mais
uma tragédia humana em alguma parte do mundo, nos deparamos com números que
parecem por demais exorbitantes e inimagináveis, porém as fontes são oficiais,
são dados de organismos internacionais e organizações supranacionais, o que
torna essas informações e valores assustadoramente reais.
Segundo
a Frontex, organismo da União Europeia responsável pelo controle e fiscalização
das fronteiras do bloco econômico da antiga Europa Ocidental, em média
(calculada grosso modo) cerca de 100 mil estrangeiros, em sua maioria africanos,
tentam atravessar ilegalmente as fronteiras da Europa. Para se ter uma ideia,
em 2012 houve uma redução de cerca de 49% no número de ilegais que buscavam
ingressar na União Europeia, e mesmo assim,naquele ano, tentaram adentrar no
bloco pelo menos 72 mil estrangeiros ilegais. É de fato um número a se
considerar e a se questionar as motivações.
Ainda
segundo a Frontex, desde o final da década de 1980 já morreram quase 20 mil
imigrantes ilegais que tentavam adentrar ao território da União Europeia, dos
quais pelo menos um terço desapareceram no mar enquanto tentavam realizar a
travessia em embarcações clandestinas e precárias, movidas muito mais pelo
sonho de uma vida melhor do que por qualquer dispositivo motor. Os dados são
apresentados a partir das últimas duas décadas do século XX, o que exclui o
número de imigrantes ilegais que tentaram e/ou morreram na busca da entrada no
bloco europeu, que embora fosse uma quantidade menor que aquela que tenta hoje
a travessia, não pode ser considerado um número a ser desprezado ou não
considerado.
Por
um viés se tem os países do norte da África, de onde partem os desesperados
imigrantes ilegais rumo ao continente europeu, atrás de condições de vida que
sejam no mínimo decentes, muito distantes daquelas que encontram em seus países
de origem, onde se tem, com sorte, apenas condições para sobrevivência. Países
onde uma parcela significativa da população vive abaixo da linha da pobreza, ou
mesmo da linha da miséria, em condições altamente degradantes e desfavoráveis,
situações essas que são reflexo de um histórico processo de exploração externa,
mas que são agravadas por conjunturas atuais que complicam e muito a situação
destas populações.
O
navio em questão, havia partido da Líbia com pelo menos 700 pessoas e navegado
em direção à Europa no Mar Mediterrâneo, levava africanos que fugiam da
somatória das precárias condições de vida de grande parte do continente e da guerra civil que se instaurou
no país em 2011 visando a derrubada do governo de Muammar Khadafi. Após a derrubada do referido governo, que
controlava o país desde 1969, não chegou de fato a prosperidade e a liberdade
para a população que se mobilizara contra o governo esperava e aguardava, mas
sim a tomada do poder pelos grupos opositores, que trouxe ao país um governo tão ou
até mais autoritário que aquele de Khadafi, e a piora das condições de vida da
população.
Barco
da Guarda Costeira Italiana que anunciou ter resgatado pelo menos 20 corpos de
vítimas do naufrágio.
Disponível
em: < http://imguol.com/c/noticias/2015/04/19/19abr2015>
Acesso em 20 abr. 2015.
Soma-se
a isso a expansão do fanatismo religioso do Estado Islâmico pelo Oriente Médio
e norte da África nos últimos anos, o que torna a situação das minorias e até
mesmo de parte das maiorias étnicas e religiosas destes países, o que atua
decisivamente para o êxodo em direção à Europa, em busca da sobrevivência, tal
qual fora falado anteriormente.
Por
outro viés estão os governos dos países europeus, que ficam em uma complicada
encruzilhada, pois há a cobrança de organismos e organizações
internacionais, que pedem que os governos da Europa ofereçam asilo e suporte
aos imigrantes ilegais, mesmo durante o processo de travessia do Mar
Mediterrâneo, mas há também a preocupação destes Estados e mesmo de
uma parcela de sua população de que este apoio poderia ser visto como um
incentivo a novos fluxos migratórios nessa região.
A
dificuldade de solução deste problema assemelha-se ao tamanho da questão que
envolve esta tragédia e a possibilidade de ampliação da mesma. Nesse momento, que estou redigindo este
texto, há no noticiário informações que outra embarcação, com pelo menos 300
pessoas estaria afundando no Mar mediterrâneo, barco este que navegaria junto a
outros dois, também superlotados de imigrantes ilegais, em direção à Europa.
Trata-se de uma temática por demais grave e se faz urgente a tomada de uma
decisão por parte da União Europeia, a questão é saber que decisão tomar...
Agentes
da guarda costeira grega e locais observam um barco naufragado com imigrantes
que tentam chegar à Grécia, perto da ilha de Rodes, nesta segunda-feira.
20/04/2015
Disponível
em: < http://s3.reutersmedia.net/resources/r/?m=02&d=20150420&t=2&i=1041960345&w=450&fh=&fw=&ll=&pl=&r=LYNXMPEB3J0Z6>
Acesso em 20 abr. 2015.
Após
o naufrágio do barco com as 700 pessoas, assim como após cada grande tragédia
que a mídia usa para pressionar os governos, com razão em muitas das vezes, os
governos europeus têm se manifestado, como foi observado na fala da chefe de
diplomacia da União Europeia, a italiana Federica Mogherini, que disse que "Com
esta nova tragédia já é demais. A UE não tem mais desculpa, os Estados membros
não têm mais desculpas. Precisamos de uma verdadeira política migratória,
precisamos de medidas imediatas". É natural que as primeiras declarações a
respeito do assunto partam do Estado italiano ou políticos ligados a ele, pois
a Itália por questões geográficas acaba sendo um dos primeiros e principais
destinos dos imigrantes ilegais da África, uma vez que o sul da Itália, assim
como as ilhas gregas e o sul da Espanha, fica mais próximo ao norte da África
no Mediterrâneo.
Principais
rotas migratórias na atualidade na região do norte da África e sul da Europa.
Disponível
em: < http://www.diariodocentrodomundo.com.br/wp-content/uploads/2013/02/mapa.gif>
Acesso em 20 abr. 2015.
Mas
na mesma data Paolo Gentiloni, Ministro das Relações Exteriores da Itália, repartiu
a responsabilidade sobre as ações a serem tomadas para esta situação, pois na
reunião de ministros europeus realizada hoje em Luxemburgo o italiano disse que
"O que está em jogo é a reputação da União Europeia [...] Não podemos ter
uma emergência europeia e uma resposta italiana". Ou seja, as decisões
tendem a ser tomadas muito mais para não prejudicar a imagem do bloco europeu
frente ao mundo do que para salvar as vidas dos imigrantes ilegais que rumam em
direção à Europa...
Em
razão da situação desfavorável para a União Europeia frente ao mundo, a cúpula
do bloco se reunirá na quinta feira, 23 de abril, em caráter extraordinário
para discutir a crise dos imigrantes e as tragédias do Mediterrâneo.
Cabe
esperar...
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