Análise das 10 propostas
que serão discutidas na quinta feira (23 de abril de 2015) na sessão emergencial
da União Europeia sobre a crise dos imigrantes no Mar Mediterrâneo.
Por Éder Israel
Disponível
em: < https://bibliblogue.files.wordpress.com/2010/10/imigracao.jpg>
Acesso em 21 abr. 2015.
Frente
à crescente pressão realizada pela mídia e por organizações internacionais, os
líderes da União Europeia pretendem estabelecer novos parâmetros para o
controle do espaço marítimo do sul da Europa e norte da África. As intenções
seriam estabelecer um controle maior da navegação clandestina nessa região e
consequentemente evitar a repetição de tragédias como a desta semana. Porém é
preciso se atentar a estes parâmetros e como eles irão de fato funcionar nesse
contexto.
A
seguir as 10 propostas a serem debatidas na sessão emergencial, seguidas de sua
análise.
Proposta 1 - Reforçar
as operações de controle e salvamento - chamadas Triton e Poseidon -
implementadas pela Frontex, a agência
europeia de controle das fronteiras, aumentando os seus recursos financeiros e
materiais. O seu âmbito, atualmente restrito às águas territoriais dos países
da UE, deverá ser aumentado.
Análise ► Atualmente
a União Europeia realiza a fiscalização de uma faixa de águas oceânicas que se
estendem do nível do mar na costa até 12 milhas náuticas (algo próximo a 22
quilômetros), porém grande parte dos naufrágios ocorrem quando as embarcações
clandestinas se aproximam deste limite, o que torna as tragédias como a desta
semana fora da alçada de atuação da Frontex.
Um dos principais problemas das ações além desta faixa de águas é o orçamento
desta agência e a quantidade de embarcações para o socorro e fiscalização dos
barcos clandestinos, o que fica claro ao se observar que grande parte das
vítimas e corpos resgatados dos últimos naufrágios foram retirados do mar por
embarcações mercantes, que circulam além das 12 milhas náuticas.
Proposta 2
- Apreensão e destruição de embarcações utilizadas para transportar os
migrantes, à imagem da Operação Atalanta contra a pirataria na costa da
Somália.
Análise ► Existe
de fato uma máfia altamente organizada no norte da África e na Europa que atua
no tráfico de pessoas entre as duas regiões, e esta máfia realiza
sistematicamente viagens em direção à União Europeia em embarcações pesqueiras
ou botes clandestinos abarrotados de africanos a serem explorados como mão de
obra barata no continente europeu. A ideia de destruir as embarcações
apreendidas realizando o transporte clandestino de pessoas no Mar Mediterrâneo
foi implantada no Oceano Índico quando piratas da Somália começaram a
sequestrar navios estrangeiros e cobrar resgates para o financiamento da guerra
civil no país. Os piratas da Somália se tornaram assunto internacional quando
sequestraram em novembro de 2008 o megapetroleiro saudita Sirius Star, e receberam (segundo fontes não oficiais) pelo menos 3
milhões de dólares de resgate. Desde então, as embarcações destes piratas têm
sido atacadas e destruídas no litoral somali, o que reduziu significativamente
as ações deste grupo. É o que se busca, em partes, com essa proposta a respeito
da imigração ilegal de africanos no Mar Mediterrâneo.
Proposta 3 - O
reforço da cooperação entre as organizações Europol,
Frontex, EASO e Eurojust para reunir informações sobre o modo como operam dos
traficantes.
Análise ► Com
a assinatura do Tratado de Maastricht
em 1992 a integração dos países europeus se tornou ainda mais intensa, e houve
a necessidade da criação de organismos supranacionais no âmbito do bloco
econômico, destes se destacam a Europol
(Serviço de Polícia Europeu), uma espécie de "polícia europeia" que
atua em regime de cooperação nos países membros, favorecendo a investigação de
crimes cometidos dentro da União Europeia. O EASO (Gabinete Europeu de Apoio ao
Asilo - GEAA, na sigla em português), que atua na criação de políticas e normas
comuns a respeito do asilo (político ou não) oferecido nos territórios dos
países membros. e o Eurojust, que
congrega delegados e membros do Ministério Público dos Estados membros que
atuam na investigação de crimes transfronteiriços e no estabelecimento das
regras de extradição. A intenção desta proposta é que as informações destes
três organismos/agências sejam compartilhadas e somadas àquelas da Frontex no
estabelecimento de ações comuns e efetivas sobre a investigação dos imigrantes e
estabelecimento de asilo ou extradição dos mesmos.
Proposta 4
- Implantação de equipes do Gabinete Europeu de Apoio ao Asilo (EASO) na
Itália e na Grécia para ajudar com a gestão dos pedidos de asilo.
Análise ► Como mencionado no texto anterior, a Itália e a Grécia são dois dos principais
destinos iniciais dos imigrantes ilegais que vêm do território africano, isso
faz com que ao chegarem nestes dois países os imigrantes imediatamente peçam
asilo nestas nações europeias. O objetivo desta proposta é realizar um controle
mais eficaz para estes pedidos de asilo, muito mais para não conceder asilo
político a criminosos ou terroristas (vide a expansão do Estado Islâmico no
norte da África) do que propriamente acelerar a concessão desse direito de
permanência na Europa.
Proposta 5 - Registro
sistemático das impressões digitais de todos os migrantes logo após sua chegada
em território dos Estados membros.
Análise ► Esta
quinta proposta seria complementar à quarta, pois o
"fichamento" dos imigrantes
auxiliaria na investigação posterior por parte da Europol e da Eurojust a
respeito dos antecedentes dos estrangeiros que adentram o bloco europeu,
novamente visando o impedimento da concessão de vistos de permanência a pessoas
ligadas a organizações criminosas ou células terroristas em seus países de
origem.
Proposta 6 - Revisão
das opções para uma distribuição mais equitativa dos refugiados entre os
Estados membros da UE.
Análise ► Atualmente
não existe de fato uma política concisa na União Europeia que estabeleça as
regras para a distribuição dos imigrantes asilados ou refugiados entre os
países membros, o que faz com que estes imigrantes permaneçam geralmente nos
países em que entraram após o fluxo migratório, que pode, conforme o exposto
anteriormente, trazer sérios problemas para os governos de países como Itália,
Grécia e Espanha que ficariam responsáveis pela quase totalidade dos africanos
que adentram ao continente europeu. Esta proposta seria um meio formal de
divisão dos custos de manutenção destes novos habitantes da Europa. Acredito
que este deva ser um dos pontos mais complexos e de difícil consenso nesta
reunião emergencial.
Proposta 7 - Programa
de reinstalação nos países da UE de pessoas que receberam o status de refugiado
junto o ACNUR. Os Estados membros são convidados a participar deste programa de
forma voluntária. Não há números citados na proposta. Mas de acordo com a
Comissão, a expectativa é que beneficie 5.000 pessoas.
Análise ► O
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados - ACNUR - tem como
função principal a garantia dos direitos estabelecidos pela Convenção Relativa
ao Estatuto dos Refugiados de 1951, na qual a Organização das Nações Unidas
determina que os países devem se mobilizar para a garantia de soluções
duradouras para os refugiados que adentrem os seus territórios. Ao se aproximar
as políticas e ações do EASO às normas do ACNUR, poderia ser acelerada a
instalação das pessoas (refugiadas ou asiladas) nos países europeus, além de
possibilitar a sua inserção na População Economicamente Ativa (PEA),
trazendo-lhes mais acesso à renda e incrementando a arrecadação dos Estados
europeus, o que não ocorreria se tais imigrantes permanecessem ilegais e economicamente
inativos nesses países.
Proposta 8 - Programa
para deportação rápida dos candidatos à imigração não autorizados a permanecer
na UE. Ele será coordenado pela Frontex, com os Estados membros na linha da
frente para chegadas no Mediterrâneo.
Análise ► Assim
como a facilitação do processo de asilo para os imigrantes e refugiados que
seria alcançada com a convergência aos acordos da ACNUR, a aproximação das
políticas investigativas da Europol e
Eurojust agilizariam também a
identificação de pessoas que não se enquadram aos parâmetros europeus para a
concessão de permanência no bloco econômico. Isso, assim como outras propostas
anteriormente analisadas, apontam para um preocupação latente com a natureza
das pessoas que anseiam entrar no continente europeu, vindas do continente
africano.
Proposta 9 - Ação com
os países vizinhos da Líbia para bloquear as rotas utilizadas pelos migrantes.
Por exemplo, o Níger é um país de trânsito e onde a presença europeia será
reforçada.
Análise ► Este
sim é talvez o grande ponto destas dez propostas da União Europeia para a
questão dos imigrantes ilegais provenientes do norte africano. A ideia desta
nona proposta seria impedir o fluxo de pessoas que saem do norte da África
através do litoral libanês, de onde partiu o barco clandestino que naufragou
nessa semana. O interesse aqui seria claramente de fechar as fronteiras desse
país e bloquear a partida destas embarcações. Qualquer semelhança dessa ideia e
os muros/cercas construídos pelo governo da Espanha nas cidades autônomas e espanholas de Melilla e Ceuta no Marrocos, ou
mesmo o muro construído na fronteira entre México e Estados Unidos, não é mera
coincidência...
Proposta 10 - O envio
de oficiais da imigração para as delegações da UE em um número de países
terceiros. Eles serão responsáveis por recolher informações sobre os fluxos
migratórios.
Análise ► A
décima e última proposta da União Europeia a ser debatida pelo Conselho de
Ministros na reunião emergencial desse dia 23 de abril, se refere a um tema
polêmico no contexto geopolítico atual, que se relaciona à política externa das
nações desenvolvidas. O que a União Europeia pretende com esta proposta é
associar representantes das políticas imigratórias aos serviços diplomáticos
presentes nos países de origem dos maiores fluxos no norte da África, de modo a
interferir diretamente nos movimentos de pessoas entre os dois continentes, e
principalmente ter conhecimento sobre os números reais de pessoas que realizam
esse processo, o que facilitaria a criação e a implantação de políticas
efetivas que contenham o tráfico de pessoas e que minimizem as chances de
repetição de tragédias como as desta semana.
Em
resumo, a divulgação destas dez propostas a serem apreciadas e discutidas
amanhã (23) em Luxemburgo lança luz sobre uma questão que foi relevada e relativizada há
décadas, mas que em tempos atuais, com os meios de comunicação de massa e a
popularização (ainda que seletiva) das informações não é tão fácil de se
permanecer desconhecida. Por décadas o problema das mortes e acidentes nas
travessias dos imigrantes africanos foi tratado como algo pontual, mas duas
tragédias envolvendo mais de mil pessoas dão uma nova dimensão para a situação
emergencial que se vive no Mediterrâneo.
Nas
cinco primeiras propostas nota-se muito claramente uma preocupação em acolher
os imigrantes que chegam ao continente europeu e lhes oferecer condições mais
dignas e vantajosas de vida, porém nas últimas cinco propostas nota-se que o
maior interesse demonstrado é fazer com que se criem métodos para que os
africanos sejam enviados de volta para o continente de origem ou que nem mesmo
saiam de lá. É o jeito europeu de limitar o fluxo de pessoas de fora para
dentro do bloco da antiga Europa Ocidental...
Seja
como for, desde que se busque evitar a morte de centenas de pessoas em
naufrágios e impedir o tráfico de pessoas em pleno século XXI, toda ação deve
ser apreciada, embora sua validação dependa de uma série de questões que serão
trazidas à tona apenas depois de amplos e acalorados debates.
Por
fim, é inegável que os atentados terroristas contra a França, tanto na Revista Charlie Hebdo, quanto no Mercado Judaico
em 2014, deixam a União Europeia com um "pé atrás" quando os assuntos
envolvem imigração internacional, principalmente quando os imigrantes são
provenientes de países onde atue o Estado Islâmico...
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