sábado, 9 de janeiro de 2016

SOBRE OS MUROS QUE EMERGEM HOJE NO MUNDO, CONCRETOS OU ABSTRATOS


Parte 2: Há muito mais do que defesa de soberania e das populações nacionais na construção destes muros... 



Por Éder Israel



Disponível em: <http://imguol.com/c/noticias/e6/2015/09/03/3set2015/600x424.jpg> Acesso em 06 jan. 2016

No caso das coreias, a divisão é fruto do armistício assinado em 1951 pelas duas partes da península envolvidos em um conflito militar e ideológico que remonta ao contexto da Guerra Fria, quando o norte sob influência do socialismo soviético (e principalmente chinês) entrou em conflito com o sul, que aproximava-se politicamente dos Estados Unidos e posteriormente do Japão. O armistício assinado pelas lideranças do norte e do sul não pôs fim á guerra, mas simplesmente colocou uma pausa nos conflitos. As ações militares cessaram, porém as disputas no contexto político e ideológico seguem seu curso normal, embora o período da Guerra Fria e da bipolaridade mundial tenham se “extinguido” há tempos.

Hoje, o paralelo 30ºN continua sendo uma das regiões mais militarizadas e vigiadas do mundo, impedindo a passagem dos habitantes de ambos os países em qualquer direção. Recentemente haviam sinais de um enfraquecimento da divisão física das duas nações, com diálogos a respeito da possibilidade de liberar o fluxo de pessoas entre as duas regiões, porém as recentes ações e inclinações belicosas do governo do norte da península coreana tem dificultado a continuidade dos diálogos e o estabelecimento de novos acordos entre os dois Estados, acenando para uma possibilidade cada vez mais real de manutenção da divisão entre norte e sul. Cabe mencionar que no caso da barreira erguida no paralelo 30ºN, trata-se de uma divisão ideológica e política, entre o socialismo que tenta sobreviver acima do paralelo e o capitalismo que se estabeleceu e enraizou abaixo dos 30º.

Disponível em: < http://www.luizberto.com/wp-content/cicero56.jpg> Acesso em 07 jan. 2016

Já os limites territoriais dos Estados Unidos e do México que sempre foram economicamente bem divididos de acordo com o nível de desenvolvimento das duas nações e pelo rio Grande em vários quilômetros, tem sua paisagem histórica modificada recentemente pela construção e constante ampliação de uma cerca que limita fisicamente as duas nações norte americanas, com o claro intuito de fechar de vez o acesso de latinos à América Anglo-Saxônica.

A década de 1980 deu origem a uma série de recessões econômicas na América Latina, que aqui no Brasil ficou conhecida como a “década perdida” enquanto no México começou um pouco mais tarde, no início da década de 1990, tendo sido chamado de “efeito tequila”, o que motivou um aumento substancial dos fluxos de imigrantes ilegais para os Estados Unidos, e para conter este fluxo maciço de pessoas do “sul” para o “norte” foi lançada em 1994 a Operation Gatekeeper, que iniciou a construção de um muro físico na fronteira seca entre as duas nações, muro este que tem se ampliado recentemente, e sido usado nos discursos políticos de conservadores ferrenhos como Donald Trump, candidato a candidato à presidência da potência hegemônica americana. Cabe mencionar, portanto eu a fronteira concreta entre Estados Unidos e México corresponde a uma divisão econômica entre duas nações capitalistas americanas. 

Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/_7Iu6s1xPt7c/TOFOcqPsdyI/muro+EUAM%25C3%25A9xico.jpg> Acesso em 07 jan. 2016

A análise da fronteira atual entre os territórios dos judeus de Israel de dos árabes da Cisjordânia necessita do entendimento dos processos que motivaram os conflitos nesta região, até porque este entendimento possibilita a compreensão e mesmo a aceitação de que estes conflitos dificilmente se cessarão um dia, pois envolvem um conjunto enorme de variáveis históricas, culturais, territoriais e étnicas, e essas coisas demandam tempo e um “algo mais” que possivelmente árabes e judeus não estão dispostos a cederem em prol da paz e da vivência pacífica (ou pelo menos harmônica) entre israelenses e palestinos.

O calcanhar de Aquiles desta questão no Oriente médio reside na premissa de que judeus e árabes alegam ser “donos” dos territórios da Palestina/Israel, e o agravante é que de acordo com o ponto de vista usado na análise, ambos têm razão em essa alegação, daí a dificuldade de um dos lados ceder à partilha do território e ao mesmo tempo, caso esta partilha fosse realizada, cada um dos envolvidos se contentar com sua parcela desse território, por se considerar dono de toda a região. E é nesse momento que a situação se complica e os tratados de paz intermediados pelo ocidente (que não entende, ou antes finge não entender) todas as variáveis que compõem essa miscelânea de interesses e pretensões dos povos do oriente.

Analisando a situação sob o ponto de vista dos judeus, há de se admitir que eles estão corretos em sua alegação de que estariam apenas voltando para a Terra Prometida a partir da criação do Estado de Israel após a Segunda Guerra Mundial pela ONU (leia-se Estados Unidos), uma vez que os judeus ali estavam até sua expulsão (Segunda Diáspora) em 70 d.C. pela expansão do Império Romano e a conseqüente destruição de Jerusalém. A partir deste momento os judeus se “espalharam” pelo mundo, principalmente norte da África, Europa e Ásia Menor (basicamente a parte asiática da Turquia atualmente).

Pois bem, dando um salto temporal em busca do fio da meada que orienta o presente texto, chegamos ao contexto pós Primeira Guerra Mundial, e de expansão do “nacionalismo” alemão pós Tratado de Versalhes, que encontrou em Adolf Hitler a figura ideal para mover massas em nome do revanchismo dos alemães, assim como no nazismo um ideologia que se encaixava perfeitamente na concepção de que a Alemanha era maior que o resto do mundo e deveria dominar este. Faltava, portanto alguém para ser o “bode expiatório” da questão, sobrando para os judeus que ali (na Europa) estavam desde a Segunda Diáspora judaica. Pronto, estavam prontas as bases para o Holocausto e a Segunda Guerra Mundial. Mas e a questão entre judeus e palestinos, onde entra nosso tudo?

Então, José, quase no final da segunda guerra e com a iminente derrota dos países do Eixo, os Estados Unidos e alguns dos membros da Aliança se reuniram na cidade de Bretton Woods (mais precisamente em 1944) para a realização de uma conferência homônima que traçaria os planos que marcaria os rumos que o mundo seguiria, e conseqüentemente lançaria as bases para a Guerra Fria que viria em 1947. Na Conferência de Bretton Woods foram criados o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BIRD) e o estabelecimento do Padrão Dólar-Ouro, e este último é o que de fato nos interessa, pois os Estados Unidos precisariam de dinheiro para ampliar os seus investimentos nos planos Marshall e Colombo após a Segunda Guerra Mundial, e os judeus teriam bastante dinheiro para investir depois das indenizações pagas pelo Estado Alemão após a derrota que se aproximava. Bom, José pensa! Estados Unidos mandarão na ONU, a ONU tem poder de dividir territórios e criar novos Estados, os judeus receberão indenizações pelo holocausto, o governo estadunidense precisa de muito dinheiro, os judeus de um território... Ligue os pontos aí, é fácil...

Portanto, segundo os judeus a criação do Estado de Israel seria a volta para a terra prometida, da qual foram expulsos pelos romanos em 70 d.C.. Porém, nesse meio tempo, entre a diáspora e a criação de Israel, os muçulmanos (que chamaremos de palestinos, por uma questão de facilidade de entendimento) “dominaram” a região a partir do ano de 638 (aproximadamente) e dali fizeram seu território. Advém daí grande parte da “treta”, pois segundo os palestinos, eles ali estão desde os anos 600 d.C. e não aceitam o retorno dos judeus, sendo que vale em seu ponto de vista a idéia de nossa infância de que “saiu ao vento, perdeu o assento”. Portanto segundo os judeus, os muçulmanos precisam sair para que estes retornem aos seus antigos domínios, ao passo que os palestinos dizem que “daqui não saio e ninguém me tira”...

Com a criação de Israel os territórios que antes eram chamados simplesmente de Palestina foram divididos, dando origem posteriormente a três regiões distintas, das quais duas são árabes (Faixa de Gaza e Cisjordânia) e uma judaica (Israel), e aí a situação "desandou" pois os judeus alegam que devem ter a posse de toda a Terra Prometida, tendo portanto os palestinos que saírem, e por outro lado os palestinos afirmam que os judeus não têm direito de voltar e dominar a região. Soma-se a isso o expansionismo dos territórios israelenses para além dos limites da partilha de 1948 e principalmente o apoio quase que incondicional dos Estados Unidos (leia ONU e lembre-se da Conferência de Bretton Woods...) às políticas de Israel nas questões territoriais e pronto, começou a fazer sentido aquilo que seu professor chama de "barril de pólvora" no Oriente Médio.

Em 2001 o governo de Israel deu início à construção de um muro que dividia territórios judaicos daqueles ocupados por palestinos na Cisjordânia. Segundo as alegações israelenses a barreira foi idealizada para garantir a segurança de sua população contra os constantes ataques de grupos árabes, assim como garantir a manutenção dos territórios além dos limites de 1948, naquilo que se convencionou a chamar de assentamentos judeus. Segundo os palestinos e a própria ONU a construção do muro fere os acordos da criação de Israel, assim como vai contra os direitos humanos essenciais dos povos da Cisjordânia, mas de nada adiantou o posicionamento da organização supranacional em 2004, pois o muro além de continuar existindo teve seu traçado ampliado.

A intransigência de Israel ao erguer um muro separando a Cisjordânia do restante da antiga Palestina, e a inoperância da ONU em fazer cumprir as determinações de um organismo próprio que julgou ilegal a construção desta barreia, e principalmente a postura de total e irrestrito apoio ao governo israelense por parte dos Estados Unidos criam condições para que os conflitos entre judeus e árabes se arrastem indefinidamente pelos próximos anos e os noticiários continuarão destacando um ataque de algum palestino extremista, que será prontamente respondido pelas forças armadas de Israel, e como sempre as populações civis estarão entre as vítimas desses ataques (de ambos os lados). A partir da análise destes fatos, é plausível inferir que o muro que se ergue entre os territórios judeus e árabes representa claramente uma divisão étnica e religiosa o Oriente Médio.


Disponível em: <http://i55.tinypic.com/14m3o6f.jpg> Acesso em 09 jan. 2016

Recentemente grandes levas de imigrantes do norte da África se direcionaram ao sul da Europa, abrindo um importante debate global a respeito da questão dos refugiados e das fronteiras no mundo contemporâneo, principalmente pelo elevado número de pessoas que morreram na tentativa de realizar a travessia do mar Mediterrâneo. Os destinos principais eram a Itália e a Grécia, por conta da proximidade geográfica com o continente africano.

A pobreza endêmica e o passado colonial da África cria condições para que esses contingentes imigratórios se mantenham ao longo do tempo e se ampliem recentemente, assim como a discussão sobre o direito dos países europeus fecharem ou não suas fronteiras para estes africanos. Porém, o foco de nossa análise nesse texto reside nas localidade de Ceuta e Melilla pertencentes à Espanha, mas localizadas geograficamente no Marrocos, pois a proximidade dessas localidades com o sul da Europa faz com que sejam (ou tenham sido) um caminho preferencial para os africanos que buscavam refúgio no velho continente. Para evitar que ocorram estes fluxos migratórios o governo espanhol investiu na construção de muros (chamados de vallas) ainda no início da década de 1990, com o claro intuito de impedir que populações africanas tivessem acesso ao Mediterrâneo e dali à União Europeia.

As vallas de Ceuta e Melilla acabaram por levar os africanos a buscarem novas rotas para terem acesso ao bloco europeu, o que tem tornado a travessia mediterrânica cada vez mais longa e arriscada, ceifando milhares de vidas nos últimos anos. Principalmente nos últimos meses, quando a chegada de movimentos islâmicos extremistas, como o Boko Haram na Nigéria, tem levada um número cada vez maior de pessoas a buscarem um modo de abandonar a África em prol da garantia de suas vidas. A Espanha resolve (em partes) o seu problema nos domínios africanos frente à União Europeia, que cobra constantemente um controle maior das fronteiras externas dos países membros do bloco, mas cria para as populações africanas condições que em muitos casos as condenam à morte por diferentes meios, em relação à incapacidade de sair do continente ou de chegar às terras europeias.

Observando-se as características e fatores componentes da questão fronteiriça em Ceuta e Melilla, pode-se afirmar que esta barreira configura-se em uma fronteira econômica, uma vez que separa claramente os "pobres" da África da "riqueza" europeia, representando uma nova limitação ao direito essencial de ir e vir das populações, confinando-as a condições precárias de vida (na verdade sobrevivência...), limitando a possibilidade de criação de uma sociedade plenamente integrada e interdependente, que se convencionou a chamar (antes mesmo de sua existência) de sociedade global.



Disponível em: <http://admin.beta.news.linktv.org/wp-content/uploads/2014/04/Spain-African-migration.jpg> Acesso em 09 jan. 2016

Em resumo, podemos concluir que a capacidade do mundo contemporâneo em resolver esse tipo de problema se deve à sua igual capacidade de criar esses mesmos problemas, haja visto que o antagonismos entre um mundo cada vez mais rico e sociedades cada vez mais pobres, dos lugares cada vez mais conectados e as pessoas cada vez mais distantes umas das outras, da plena evolução dos meios de transportes e as limitações ao livre fluxo de pessoas(...) fazem parte de uma sociedade (que as pessoas insistem em chamar de "sistema", mas eu considero o termo reducionista) que se sustenta exatamente pela desigualdade, pelas discrepâncias e pela dicotomia entre s extremos.

Passada a "festa" pela queda do Muro de Berlim em 1989, o mundo viu de fato o nascimento de várias outras barreiras e certamente verá isso por longos anos. Seria meio que admitir que não há ingresso para todo mundo na festa da globalização...


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