A CRISE DE REFUGIADOS HAITIANOS NOS ESTADOS UNIDOS
Prof. Éder Israel
Haitianos tentam atravessar as águas rasas do Rio Grande, na fronteira
entre México e Estados Unidos, e entrar ilegalmente no território da potência
americana.
Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/milhares-de-imigrantes-haitianos-tentam-cruzar-a-fronteira-dos-eua-com-o-mexico/>
acesso em 05 Out. 2021
A partir do início do segundo semestre de
2021 crescentes grupos migratórios de origem haitiana começaram a entrar
sistematicamente nos Estados Unidos, em busca de melhores condições de vida na
potência americana e/ou fugindo do caos socioeconômico que se instaurou no país
centro-americano após o assassinato (ainda não plenamente explicado) do
presidente Jovenel Moïse. Aliás, após a morte do governante da nação uma
disputa interna pelo poder agravou a já latente violência no Haiti, e a
exacerbação do uso da força pelos agentes de segurança do Estado tem promovido,
segundo organizações internacionais, sucessivas violações dos direitos humanos.
Com esse quadro de instabilidade e tensão
estabelecido no pequeno país americano a tendência natural seria a retomada dos
grandes fluxos migratórios em direção às outras nações vizinhas, tal como foi
observado após o grande terremoto do 2010; porém, muitas das nações que naquela
época receberam grandes levas de refugiados haitianos passam agora por severos
problemas socioeconômicos internos, como é o caso de Brasil e Venezuela, se tornando
destinos pouco atrativos ou menos receptivos para essa população migrante.
Desse modo, diferentemente do que se observou anteriormente, a maioria dos
fluxos de pessoas se dirigem para a América do Norte, e não mais para a América
do Sul.
Nesse contexto o México passa a ser um
importante destino para migrantes oriundos do Haiti, porém o país norte-americano
não se configura como o destino final pretendido por esses grupos, mas sim a “porta
de entrada” para os Estados Unidos, que após a derrota de Donald Trump na
última eleição presidencial voltou a ser visto como um território mais amigável
e menos restritivo, em teoria. Veremos que essa hipótese teórica não se
confirma na realidade prática, e que independente de quem esteja no comando da
potência americana, o tratamento dispensado aos estrangeiros latinos não sofrerá
grandes alterações. Porém, o primeiro objetivo é sair do Haiti, e nesse
processo o México “serve” como destino inicial. Assim, grandes somas de
haitianos chegaram ao país mais setentrional da América Latina.
Centenas de haitianos ilegais estabeleceram um grande acampamento de refugiados
sob uma ponte no estado do Texas, após cruzar a fronteira mexicana.
Disponível em: <https://noticias.r7.com/internacional/milhares-de-haitianos-acampam-no-texas-apos-cruzarem-fronteira-17092021>
acesso em 05 Out. 2021
Se valendo dessa suposta benevolência pós-eleitoral
dos Estados Unidos e do temor do novo governo em ter sua imagem e postura
associadas a ações típicas da administração Trump, nos primeiros meses de 2021
um grande número de haitianos entraram no território estadunidense, e ali
permaneceram escondidos e vivendo ilegalmente ou ainda se apresentavam às autoridades
e passavam a esperar pela concessão de asilo ou refúgio na nação. Porém no
decorrer dos meses um número cada vez maior de pessoas do país latino passou a
se valer dessa permissividade e a buscar entrada (em sua quase totalidade ilegalmente)
no país, o que passou a (re)fomentar o discurso xenofóbico e nacionalista de
grupos internos, principalmente de partidários e apoiadores republicanos ainda insatisfeitos
com a vitória de Joe Baden na última eleição. Assim, a animosidade de sempre
passou a ser maior que a sensação de real mudança nascida com a transição
presidencial.
Na tentativa de dar uma resposta rápida para
sua população e diminuir os argumentos da oposição republicana, de que o novo
governo seria antinacionalista, a administração Biden estabelece regras duras
de fiscalização da fronteira com o México para restringir ao máximo o fluxo
ilegal de pessoas, bem como passa a aplicar uma politica efetiva e severa de
deportação de imigrantes ilegais que se encontram no país, tanto aqueles que
vivem escondidos do governo, quanto aqueles que estão à espera da documentação
que lhes conceda a permanência legal na condição de asilado ou refugiado.
Organizações e grupos internacionais criticam duramente tais medidas, alegando
que na maioria das vezes elas deixam essas populações, já afetadas pela fragilidade
social, entregues à sua própria sorte em um país sabidamente mergulhado no mais
completo caos.
As imagens de guardas de fronteira, montados
em cavalos, perseguindo e capturando haitianos às margens do Rio Grande, fronteira
Sul dos Estados Unidos como México, foram duramente criticadas inclusive por organizações
humanitárias dentro dos Estados Unidos, que rapidamente as associou com o passado
histórico de preconceito racial que marcou essa porção do território durante o
período de colonização. Essa ação ocorre justamente no momento em que a
potência americana atravessa uma grande onda de protestos relacionados às
questões raciais, e tudo passa a corroborar para um quadro ainda maior de
polarização política, já muito evidenciado durante o último pleito presidencial...
Guardas de fronteira dos Estados Unidos perseguem e capturam imigrantes
haitianos que atravessaram ilegalmente as águas do Rio Grande, no Sul do país.
Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/09/21/eua-investigam-policiais-que-avancaram-com-cavalos-sobre-imigrantes-na-fronteira.ghtml>
acesso em 05 Out. 2021
Não bastasse as ações implementadas na região
de fronteira, o governo ainda é acusado de intransigência nos processos de deportação
forçada de imigrantes ilegais, e novamente as imagens desse processo rodaram o
mundo, com aviões militares dos Estados Unidos saindo do país abarrotados de
haitianos em direção ao país centro-americano, bem como as posteriores imagens
de desespero dessas pessoas ao serem deixadas na pista do aeroporto da capital
do país, tendo que recolher suas bagagens que foram simplesmente atiradas dos
aviões que as levavam. Em suma o que se questiona é a validade e a moralidade
de uma ação que devolve pessoas para o mesmo cenário de caos de onde elas
haviam saído por não terem acesso ao mínimo necessário para uma vida digna.
A tendência natural para esse movimento emigratório
do Haiti é a intensificação, pois o cenário de incerteza política que se
instaura hoje na nação, combinado com o já histórico cenário de pobreza e miséria
devem agravar sobremaneira a precariedade da vida dessa população, e na
impossibilidade de entrar nos Estados Unidos ela tende a buscar outros destinos
alternativos, na América do Sul, na América Central e no próprio México, e essa
entrada de haitianos em países que já são assolados por graves problemas
internos tende a acentuar os discursos xenofóbicos nessas nações, que até pouco
tempo atrás se mostravam receptivas e sensibilizadas pela situação de
calamidade imposta aos vizinhos continentais.
Haitianos tentam encontrar seus pertences pessoais em meio às bagagens
deixadas na pista do aeroporto de Porto Príncipe, após terem sido deportados pelos/dos
Estados Unido.
Disponível em: <https://finance.yahoo.com/news/biden-urged-end-haitian-border-123018002.html>
acesso em 05 Out. 2021
Sendo o país mais pobre das américas cabe
mencionar que o Haiti sofre pesadamente os impactos da grave crise sanitária
que se estabeleceu no mundo em decorrência da pandemia do Covid-19, apresentando
percentuais muito baixos de imunização e de acesso a vacinas. Sabe-se que o vírus
se alastra e causa elevado número de mortes no país, porém é impossível se ter uma
dimensão exata e confiável desses números, em decorrência da precária rede
hospitalar da nação e dos interesses políticos que se beneficiam de uma
subnotificação desses valores. Em um momento em que o mundo discute a
aplicabilidade de um “passaporte da imunização” para controlar a circulação do vírus
pelos países, o caso do Haiti suscitará grandes questionamentos acerca do quão
justificável é manter uma população reclusa ao seu próprio território, desprovido
das mínimas bases para uma vida digna, em detrimento do controle de uma doença
que poderia ser controlada por uma vacinação plena dessa população.
Nas condições observadas no presente a tendência
é que em um futuro próximo os mesmos aspectos continuem sendo observados, de
haitianos sendo expulsos de seu próprio país pelas nefastas condições sociais
internas e que passem a ser cada vez mais expulsos ou rejeitados também dos
países para onde se deslocam, em decorrência de políticas imigratórias cada vez
mais restritivas, as quais eram no passado implementadas apenas nas grandes
potências mundiais, mas hoje se alastraram pelo mundo e são perceptíveis até
mesmo em nações de baixo nível de desenvolvimento econômico, como aquelas da
América Latina.
Resta à população do Haiti continuar torcendo
(como tem feito desde a independência do país...) para que a nação consiga
superar suas próprias limitações e mazelas sociais, e que em um futuro próximo essas
pessoas possam de fato ter acesso a todos os benefícios que uma nação independente
e autônoma passa (e deva) oferecer ao seu povo.
■
Nenhum comentário:
Postar um comentário