quarta-feira, 6 de outubro de 2021

HAITI (parte 2)

 

A CRISE DE REFUGIADOS HAITIANOS NOS ESTADOS UNIDOS

Prof. Éder Israel

Haitianos tentam atravessar as águas rasas do Rio Grande, na fronteira entre México e Estados Unidos, e entrar ilegalmente no território da potência americana.

Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/milhares-de-imigrantes-haitianos-tentam-cruzar-a-fronteira-dos-eua-com-o-mexico/> acesso em 05 Out. 2021

A partir do início do segundo semestre de 2021 crescentes grupos migratórios de origem haitiana começaram a entrar sistematicamente nos Estados Unidos, em busca de melhores condições de vida na potência americana e/ou fugindo do caos socioeconômico que se instaurou no país centro-americano após o assassinato (ainda não plenamente explicado) do presidente Jovenel Moïse. Aliás, após a morte do governante da nação uma disputa interna pelo poder agravou a já latente violência no Haiti, e a exacerbação do uso da força pelos agentes de segurança do Estado tem promovido, segundo organizações internacionais, sucessivas violações dos direitos humanos.

Com esse quadro de instabilidade e tensão estabelecido no pequeno país americano a tendência natural seria a retomada dos grandes fluxos migratórios em direção às outras nações vizinhas, tal como foi observado após o grande terremoto do 2010; porém, muitas das nações que naquela época receberam grandes levas de refugiados haitianos passam agora por severos problemas socioeconômicos internos, como é o caso de Brasil e Venezuela, se tornando destinos pouco atrativos ou menos receptivos para essa população migrante. Desse modo, diferentemente do que se observou anteriormente, a maioria dos fluxos de pessoas se dirigem para a América do Norte, e não mais para a América do Sul.

Nesse contexto o México passa a ser um importante destino para migrantes oriundos do Haiti, porém o país norte-americano não se configura como o destino final pretendido por esses grupos, mas sim a “porta de entrada” para os Estados Unidos, que após a derrota de Donald Trump na última eleição presidencial voltou a ser visto como um território mais amigável e menos restritivo, em teoria. Veremos que essa hipótese teórica não se confirma na realidade prática, e que independente de quem esteja no comando da potência americana, o tratamento dispensado aos estrangeiros latinos não sofrerá grandes alterações. Porém, o primeiro objetivo é sair do Haiti, e nesse processo o México “serve” como destino inicial. Assim, grandes somas de haitianos chegaram ao país mais setentrional da América Latina.

Centenas de haitianos ilegais estabeleceram um grande acampamento de refugiados sob uma ponte no estado do Texas, após cruzar a fronteira mexicana.

Disponível em: <https://noticias.r7.com/internacional/milhares-de-haitianos-acampam-no-texas-apos-cruzarem-fronteira-17092021> acesso em 05 Out. 2021

Se valendo dessa suposta benevolência pós-eleitoral dos Estados Unidos e do temor do novo governo em ter sua imagem e postura associadas a ações típicas da administração Trump, nos primeiros meses de 2021 um grande número de haitianos entraram no território estadunidense, e ali permaneceram escondidos e vivendo ilegalmente ou ainda se apresentavam às autoridades e passavam a esperar pela concessão de asilo ou refúgio na nação. Porém no decorrer dos meses um número cada vez maior de pessoas do país latino passou a se valer dessa permissividade e a buscar entrada (em sua quase totalidade ilegalmente) no país, o que passou a (re)fomentar o discurso xenofóbico e nacionalista de grupos internos, principalmente de partidários e apoiadores republicanos ainda insatisfeitos com a vitória de Joe Baden na última eleição. Assim, a animosidade de sempre passou a ser maior que a sensação de real mudança nascida com a transição presidencial.

Na tentativa de dar uma resposta rápida para sua população e diminuir os argumentos da oposição republicana, de que o novo governo seria antinacionalista, a administração Biden estabelece regras duras de fiscalização da fronteira com o México para restringir ao máximo o fluxo ilegal de pessoas, bem como passa a aplicar uma politica efetiva e severa de deportação de imigrantes ilegais que se encontram no país, tanto aqueles que vivem escondidos do governo, quanto aqueles que estão à espera da documentação que lhes conceda a permanência legal na condição de asilado ou refugiado. Organizações e grupos internacionais criticam duramente tais medidas, alegando que na maioria das vezes elas deixam essas populações, já afetadas pela fragilidade social, entregues à sua própria sorte em um país sabidamente mergulhado no mais completo caos.

As imagens de guardas de fronteira, montados em cavalos, perseguindo e capturando haitianos às margens do Rio Grande, fronteira Sul dos Estados Unidos como México, foram duramente criticadas inclusive por organizações humanitárias dentro dos Estados Unidos, que rapidamente as associou com o passado histórico de preconceito racial que marcou essa porção do território durante o período de colonização. Essa ação ocorre justamente no momento em que a potência americana atravessa uma grande onda de protestos relacionados às questões raciais, e tudo passa a corroborar para um quadro ainda maior de polarização política, já muito evidenciado durante o último pleito presidencial...

Guardas de fronteira dos Estados Unidos perseguem e capturam imigrantes haitianos que atravessaram ilegalmente as águas do Rio Grande, no Sul do país.

Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/09/21/eua-investigam-policiais-que-avancaram-com-cavalos-sobre-imigrantes-na-fronteira.ghtml> acesso em 05 Out. 2021

Não bastasse as ações implementadas na região de fronteira, o governo ainda é acusado de intransigência nos processos de deportação forçada de imigrantes ilegais, e novamente as imagens desse processo rodaram o mundo, com aviões militares dos Estados Unidos saindo do país abarrotados de haitianos em direção ao país centro-americano, bem como as posteriores imagens de desespero dessas pessoas ao serem deixadas na pista do aeroporto da capital do país, tendo que recolher suas bagagens que foram simplesmente atiradas dos aviões que as levavam. Em suma o que se questiona é a validade e a moralidade de uma ação que devolve pessoas para o mesmo cenário de caos de onde elas haviam saído por não terem acesso ao mínimo necessário para uma vida digna.

A tendência natural para esse movimento emigratório do Haiti é a intensificação, pois o cenário de incerteza política que se instaura hoje na nação, combinado com o já histórico cenário de pobreza e miséria devem agravar sobremaneira a precariedade da vida dessa população, e na impossibilidade de entrar nos Estados Unidos ela tende a buscar outros destinos alternativos, na América do Sul, na América Central e no próprio México, e essa entrada de haitianos em países que já são assolados por graves problemas internos tende a acentuar os discursos xenofóbicos nessas nações, que até pouco tempo atrás se mostravam receptivas e sensibilizadas pela situação de calamidade imposta aos vizinhos continentais.

Haitianos tentam encontrar seus pertences pessoais em meio às bagagens deixadas na pista do aeroporto de Porto Príncipe, após terem sido deportados pelos/dos Estados Unido.

Disponível em: <https://finance.yahoo.com/news/biden-urged-end-haitian-border-123018002.html> acesso em 05 Out. 2021

Sendo o país mais pobre das américas cabe mencionar que o Haiti sofre pesadamente os impactos da grave crise sanitária que se estabeleceu no mundo em decorrência da pandemia do Covid-19, apresentando percentuais muito baixos de imunização e de acesso a vacinas. Sabe-se que o vírus se alastra e causa elevado número de mortes no país, porém é impossível se ter uma dimensão exata e confiável desses números, em decorrência da precária rede hospitalar da nação e dos interesses políticos que se beneficiam de uma subnotificação desses valores. Em um momento em que o mundo discute a aplicabilidade de um “passaporte da imunização” para controlar a circulação do vírus pelos países, o caso do Haiti suscitará grandes questionamentos acerca do quão justificável é manter uma população reclusa ao seu próprio território, desprovido das mínimas bases para uma vida digna, em detrimento do controle de uma doença que poderia ser controlada por uma vacinação plena dessa população.

Nas condições observadas no presente a tendência é que em um futuro próximo os mesmos aspectos continuem sendo observados, de haitianos sendo expulsos de seu próprio país pelas nefastas condições sociais internas e que passem a ser cada vez mais expulsos ou rejeitados também dos países para onde se deslocam, em decorrência de políticas imigratórias cada vez mais restritivas, as quais eram no passado implementadas apenas nas grandes potências mundiais, mas hoje se alastraram pelo mundo e são perceptíveis até mesmo em nações de baixo nível de desenvolvimento econômico, como aquelas da América Latina.

Resta à população do Haiti continuar torcendo (como tem feito desde a independência do país...) para que a nação consiga superar suas próprias limitações e mazelas sociais, e que em um futuro próximo essas pessoas possam de fato ter acesso a todos os benefícios que uma nação independente e autônoma passa (e deva) oferecer ao seu povo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário