FUKUSHIMA, 10 ANOS DEPOIS
- Prof. Éder Israel
Japoneses tentam controlar
os incêndios na usina nuclear atingida pelo tsunami em 11/03/2011
Disponível
em: <https://marsemfim.com.br/wp-content/uploads/2019/12/incendio.jpg> acesso
em 10 mar. 2021
No
dia 11 de março de 2011 a porção nordeste do território japonês foi atingida
por uma sucessão de eventos catastróficos, iniciados por um grande maremoto no
assoalho do Oceano Pacífico, seguido pela formação de ondas gigantes que
atingiram a costa, e por fim explosões na unidade nuclear que produzia energia
na cidade de Fukushima. O caos local rapidamente se transformou numa ameaça
regional em decorrência do risco iminente de vazamento e dissipação de
materiais radioativos altamente contaminantes, em escala vista anteriormente
apenas no acidente da Usina de Chernobyl, na Ucrânia em 1986.
É
consensual a imprevisibilidade quase absoluta dos grandes abalos sísmicos, bem
como é também conhecido o impacto potencial desses eventos geológicos sobre
tudo e todos que se encontram sobre a crosta terrestre. Mesmo o Japão, país que
detém uma das mais modernas e eficientes tecnologias de monitoramento geológico
do mundo, consegue prever esses grandes eventos apenas segundos antes de sua
ocorrência. Mas, há aí dois importantes “poréns”: em primeiro lugar, esses
aparentemente insignificantes segundos de previsão salvam anualmente milhares
de vidas de uma população constantemente treinada para agir nessas circunstâncias;
e em segundo lugar, abalos sísmicos de pequena e média magnitude são constantes
no Japão, posto que o país se localize na fronteira de placas tectônicas ativas,
na região conhecida como Círculo de Fogo do Pacífico.
Porém, esse abalo de 2011 foi diferente dos demais, seja em relação à magnitude alcançada por ele ou por conta das consequências posteriores associadas a ele. A área de ocorrência do choque entre as placas tectônicas Euroasiática, do Pacífico e das Filipinas se deu na bacia oceânica, a cerca de 30 quilômetros da superfície, a uma distância de mais de 100 quilômetros do litoral japonês. A partir desse evento inicial os demais foram desencadeados em sequência. As ondas gigantes se formaram no oceano e começaram a se deslocar na direção das regiões do entorno do oceano Pacífico e ao atingir a costa do Japão as maiores ondas alcançavam alturas superiores a 10 metros, invadindo áreas ali localizadas.
Disponível
em: <https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEioHxuMvEh9j1J51uLe2g0Uh8ZaByjFv-u8d1J6HTNu5CQ9hSIpAfevd-IRH1BZHbXVQcncF6W9MsaFcAdzrLkxut_JdrsYOlnfyxlBBlC0w2OYAsxaoeTu5iAobM_jiqYY_uKPqnkZrAEQ/s1600/20110311205322116649o.jpg>
acesso em 10 mar. 2021
Em
decorrência da constância desse tipo de evento tectônico no país as estruturas
das construções japonesas são pensadas e executadas de modo que suportem a
energia liberada pela movimentação das placas, bem como as regiões costeiras
são dotadas de diques (barreiras) que impedem a entrada das águas oceânicas, em
decorrência das ondas ou das marés. Porém, tais estruturas se mostraram
insuficientes para suportar os impactos da catástrofe de 2011. Na verdade, os
diques acabaram por potencializar alguns dos problemas ocorridos
posteriormente, pincipalmente a permanência da água nos bairros da orla local.
A
entrada das águas, empurradas pelas ondas com mais de 10 metros de altura,
inundaram as regiões imediatamente próximas ao oceano, tendo passado por sobre
os diques ali construídos, e não tendo condições de retornar para o oceano,
como seria natural, uma vez que essas barreiras impediram seu livre fluxo de
retorno ao leito marinho. Assim, após o impacto devastador da chegada das ondas
do tsunami a cidade de Fukushima passou a sofrer com vários dias de inundação,
até que a água fosse bombeada mecanicamente para fora do país. Esse problema
acabou por comprometer ainda mais os serviços essenciais e potencializar os
riscos à saúde das pessoas.
As
ondas de choque criadas pela energia sísmica liberada no epicentro do maremoto
chegaram ao Japão, e nem todas as estruturas planejadas foram plenamente capazes
de suportar tamanho poder destrutivo. Na Usina Nuclear de Fukushima 3 dos seus
6 reatores foram severamente comprometidos pelo evento, iniciando a liberação
de volumes de material radioativo muito acima dos normais e toleráveis,
forçando o governo a promover uma acelerada e massiva evacuação da área, realizando
o êxodo de pelo menos 170 mil pessoas. Por tratar-se de liberação radioativa, o
deslocamento dessas pessoas se torna praticamente permanente, assim como se observa
ainda hoje em partes da região ucraniana de Chernobyl.
Como saldo negativo principal dessa combinação de desastres houve a perda direta de pelo menos 18.500 vidas, principalmente de pessoas que habitavam a orla de Fukushima, além de outras mortes indiretas ao longo dos anos, em decorrência da exposição aos efeitos da radiação. Em termos estruturais o Japão se mostrou eficiente na reparação rápida dos impactos materiais da catástrofe, porém em termos ambientais o controle da radiação liberada constantemente ao longo dos anos não pode ser tão facilmente alcançado, mesmo com toda a tecnologia disponível no país asiático. Ainda hoje, muitas áreas de Fukushima, principalmente aquelas do entorno da usina, permanecem inabitáveis e assim devem permanecer por ainda muitos anos.
Disponível
em: <http://www.podniesinski.pl/portal/wp-content/uploads/vlcsnap-2015-09-13-22h57m10s365.jpg>
acesso em 10 mar. 2021
Controlado,
segundo os cientistas e o governo, o vazamento do material radioativo para a
atmosfera, resta ainda o grave problema da radiação permanente no ambiente e
nas estruturas, que impede o retorno seguro das populações que ali residiam.
Porém, ao longo dos anos o governo japonês e a Tokyo Eletric Power (Tepco), empresa privada que
administrava a usina e consequentemente teve que assumir a gestão das
consequências do desastre, passaram a ter que lidar com outro grave problema,
posto que os materiais radioativos, com destaque para a água utilizada no
resfriamento dos reatores, vazaram e contaminaram o solo e principalmente o
lençol freático abaixo da usina, o que poderia impactar diretamente sobre
populações distantes que consumissem a água associada a essa reserva
subterrânea.
Além
de contaminar as águas aprisionadas dentro do solo, muitas nascentes de
Fukushima acabam por jorrar constantemente grandes volumes de águas
contaminadas, que poderiam chegar aos rios da região, contaminando-os, e posteriormente
ao oceano. Assim, os gestores da atual zona de exclusão (região esvaziada após
o desastre) precisam constantemente captar essas águas, ou mesmo drenar o solo,
e armazená-la para que não contamine o ambiente como um todo. Daí advém um novo
problema, que é a falta de espaço latente no Japão, uma vez que são construídos
tanques e mais tanques ao mesmo tempo em que a água contaminada não para de
jorrar do solo. Em pouco tempo não haverá mais espaço físico para o armazenamento
desse arriscado efluente.
Tanques foram (e são) construídos
no entorno da usina para armazenar a água contaminada
Disponível
em: <https://img.over-blog-kiwi.com/1/04/49/45/20170720/ob_49ace2_fukushima-6.jpg>
acesso em 10 mar. 2021
Atualmente
existem cerca de 1.000 grandes tanques construídos na região para armazenar a
água contaminada, e o espaço físico para a construção de novos reservatórios é
cada vez mais escasso. Segundo órgão do governo japonês, diariamente são
captadas novas 170 toneladas desse material, que se juntam aos quase 1,8 milhão
de litros ali já acumulados. Às vésperas de completar uma década da grande
catástrofe na região, o governo do país e a Tepco planejam uma nova estratégia
de enfrentamento do problema, que seria o descarte gradual dessa água
contaminada no Pacífico, para que ela fosse diluída pelas águas oceânicas,
projeto esse que obviamente reacendeu as polêmicas e os debates acerca da
questão de Fukushima.
Segundo
o plano se iniciaria no final de 2022 (quando não haveria mais espaço para o armazenamento)
o descarte de pequenas frações do material contaminado no oceano, depois da
realização de processos de “purificação” e tratamento desses efluentes,
retirando a maior parte dos contaminantes, e liberando para o ambiente apenas
aqueles materiais considerados menos impactantes, como o trítio, que é
praticamente impossível de ser retirado da água e teria um decaimento isotópico
em torno de 12 anos na natureza, bem menor que os demais compostos presentes no
rejeito antes do tratamento. Porém, ambientalistas e principalmente a indústria
pesqueira (atividade vital na economia interna japonesa) temem os impactos
sobre o meio ambiente e a saúde dos consumidores dos pescados.
O
governo japonês propõe o lançamento dos rejeitos tratados ao longo dos próximos
30 anos no oceano Pacífico, o que segundo autoridades estatais seria plenamente
passível de diluição no meio marinho. Tendo sido recentemente identificados
sucessivos vazamentos nos tanques de acondicionamento desse material, veio novamente
à tona o debate acerca da necessidade de se buscar uma alternativa ao armazenamento
e destinação desse material, posto que, além desse problema mencionado, há
ainda o risco iminente de um novo tremor, algo comum pela posição tectônica do
Japão, criar um grande colapso nas estruturas desses tanques e todo esse
composto ser liberado e atingir o oceano de uma vez só.
Portanto,
uma década após o apocalíptico 11 de março de 2011, o Japão apresenta mais
incertezas, acerca do que fazer com os espólios do tsunami, do que certezas acerca
do que se apresentará na próxima década. De fato o que se tem é que, assim como
ocorre ainda hoje em Chernobyl 35 anos após a explosão do reator, muitas
décadas ainda serão necessárias para que os possíveis impactos do desastre de
Fukushima sejam plenamente conhecidos, reparados e superados.
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