sábado, 31 de janeiro de 2015

O FIM DO EMBARGO ECONÔMICO DE CUBA EM TRÊS ATOS - Ato 1: Muy Amigos!


Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/7e/La_fallera_de_l'oncle_Sam.JPG> acesso em 31/01/2015

Ato 1: MUY AMIGOS!

Por Éder Israel

Ao anunciar no dia 17 de dezembro de 2014 que iria buscar o fim definitivo do embargo econômico existente em relação a Cuba, o presidente Barack Obama causou uma certa surpresa em grande parte da comunidade mundial, não simplesmente por propor o fim de tal embargo, mas sim pela mudança diametral de foco nas políticas externas estadunidenses. Ora, mas o foco não era o Oriente Médio? A prioridade não seria conter o Estado Islâmico em expansão? E as tropas do Iraque, quando voltam de fato? Mas enfim, o assunto agora é Cuba, e para analisar as componentes deste anuncio deve-se fazer uma análise do contexto de estabelecimento de tal bloqueio. Portanto vamos a ela.

A análise do fim do bloqueio deve nos remeter ao seu início, ou antes, à necessidade de sua existência, e isso nos leva ao conturbado século XIX, e suas rápidas transformações políticas e econômicas, quando a era do capitalismo comercial de fato dava lugar ao capitalismo industrial, quando potências europeias descobriam que a atividade transformadora promovida pela revolução industrial do século XVIII levava ao colapso as últimas relações coloniais do período da expansão marítima. Cuba se insere nesse contexto.

A expansão do processo de produção açucareira em Cuba no século XIX oferecia à ilha centro-americana dois aspectos importantes no estabelecimento da Divisão Internacional do Trabalho: por um lado o aumento dos ganhos pela produção em franco desenvolvimento e crescimento, e por outro lado a concentração esperada de terras nas mão de uma burguesia agrária cada vez mais proeminente. Essa combinação de fatores levou ao processo de rompimento do pacto colonial entre Cuba e Espanha, embora esse rompimento inicialmente tenha contado com certo desleixo espanhol, que permitiu a Cuba comercializar açúcar com o mercado estadunidense. Pronto, criou-se o precedente para a posterior independência cubana...

O poder econômico advindo dos ganhos do comércio açucareiro deu à burguesia latifundiária a ideia de que estaria pronta para romper de vez com os laços que ainda uniam a ilha caribenha à Espanha. Ledo engano, o exército espanhol pôs fim à “farra” que ficou conhecida como I Guerra de Independência (1868 – 1878) e deixou claro que não abriria mão facilmente do domínio que exercia sobre sua então “semicolônia”; seria necessária uma força econômica e militar superior à dos burgueses latifundiários... A solução para a burguesia agrária foi simples e fácil: aproximemos ainda mais dos Estados Unidos, que garantiremos nosso afastamento definitivo do domínio espanhol. Dito e feito...

A aproximação entra Cuba e Estados Unidos serviu aos dois lados, pois para os latinos trouxe uma ampliação das relações comerciais que possibilitou um aumento significativo dos ganhos financeiros com a venda do açúcar, e para os norte-americanos um acesso facilitado e vantajoso a uma importante commodity. Sim pois nesse momento os Estados Unidos passaram a importar em larga escala o açúcar cru de Cuba e a refiná-lo em seu território, agregando assim maior valor ao produto e reduzindo os custos de importação.

As relações entre Espanha e Cuba ficaram estremecidas desde os embates nesta primeira tentativa de independência, o que foi ainda mais agravado pela crise cíclica que atinge as economias agroexportadoras, porém o novo embate travado entre metrópole e colônia contava agora com a participação dos Estados Unidos, o que desequilibrou as disputas em favor dos cubanos. Inicia-se nesse contexto a Guerra Hispano-Americana nos anos finais do século XIX, e os Estados Unidos conseguem levar a tão sonhada “liberdade” colonial a Cuba.

Assinado o Tratado de Paris após a guerra, Cuba consegue de vez romper as amarras que a mantinha submissa e dependente da metrópole espanhola, e os Estados Unidos davam o primeiro passo real na busca de expandir sua influência na América Latina, um sonho antigo do governo em Washington DC, que já havia tentado, sem sucesso, a compra da ilha caribenha junto à Espanha por julgá-la um ponto estratégico no cenário geopolítico da transição do século XIX para o XX.

A “certidão e nascimento da Cuba libre” é cunhada sob a égide dos interesses estadunidenses no início do século XX, haja visto que um dos parâmetros principais para a tão sonhada liberdade cubana ser adquirida foi a Emenda Platt, que em resumo oferecia aos Estados Unidos o direito de tornar-se uma espécie de Espanha nas novas relações políticas e econômicas com Cuba. Com a melhor das intenções, é claro...

A Emenda Platt garantia aos Estados Unidos, por exemplo o direito de intervir sempre que julgasse que a “liberdade” ou a “independência” de Cuba estivessem em risco, além de proibir o governo cubano de assinar ou ingressar em qualquer tratado político com outra nação que não fosse os Estados Unidos. Em suma, Cuba está livre da Espanha, mas caiu no colo dos Estados Unidos... A Emenda Platt era na verdade uma das componentes da política externa estadunidense no início do século XX, a qual ficou conhecida como ‘Big Stick’, em uma tradução livre e extremamente verdadeira perante os fatos observados, a “política do cacetão”, e de fato nos anos seguintes o ‘cacete’ baixou na ilha caribenha, se é que me entendem...

Uma sucessão de presidentes fantoches de Washington DC assumiram o poder em Havana, todos muito empenhados em manter o domínio estadunidense sobre ‘Cuba Libre’, dos quais destaca-se Tomás Estrada Palma que governou o país entre 1902 e 1906, que dentre outras ações vultosas e sombrias arrendou por 99 anos (!) uma fração do território cubano para os Estados Unidos para que ali fosse instalada a base naval da Baía de Guantánamo, a qual reaparecerá na continuação dessa análise que aqui é feita.

Além de permitir as ações da marinha estadunidense em território cubano, Palma cria ainda condições favoráveis para a entrada de produtos industrializados da potência norte americana em Cuba, com tarifas alfandegárias reduzidas em relação aos produtos importados de outras nações. Esta ação acaba por abortar completamente o início do processo de industrialização cubana, mantendo no país uma economia primária de base agroexportadora, como bem queriam os Estados Unidos.

Nas três primeiras décadas do século XX os governos que sucederam Palma seguiram o mesmo caminho, de apoio e dependência em relação aos Estados Unidos, porém o contexto geopolítico global após a crise de 1929, os resquícios do encerramento mal sucedido da Primeira Guerra Mundial e a ascensão militar do Japão na Ásia deram um novo rumo nas políticas externas dos Estados Unidos, que gradativamente se viram forçados a conseguir aliados rapidamente, sendo obrigados a implantar a Política da Boa Vizinhança em substituição à política do “cacetão”.

Mas claro que os Estados Unidos não se tornariam bons vizinhos de Cuba e deixariam a ilha enfim livre. Já estava em curso a criação de um sucessor à altura dos fantoches anteriores que governaram Cuba sob os preceitos de Washington DC; nascia assim para a política da América Central o nome de Fulgêncio Batista, que contava com amplo apoio do presidente estadunidense Roosevelt. Fulgêncio, que era militar, consegue derrubar em 1934 o então presidente Ramón San Martín. Grande parte do descontentamento estadunidense com Martín se devia às políticas deste presidente, que buscava um relativo afastamento do domínio estadunidense. Martín, por exemplo, revogou a Emenda Platt e realizou (ou tentou realizar) uma série de reformas políticas e econômicas em Cuba. Porém Batista não assume ainda o poder de fato, tendo este colocado Carlos Mendieta no controle político de Cuba, o que garantiria por mais algum tempo os interesses dos Estados Unidos garantidos na América Central. E por tabela também a manutenção até 1940 de Fulgêncio Batista como uma figura de enorme poder nos bastidores políticos cubanos. Na verdade, o agora General Batista neste período mandava mais que os presidentes em Cuba, estando hierarquicamente abaixo apenas do governo de Washington DC...

O General Batista assume o poder de fato apenas em 1940 quando é eleito presidente de Cuba, e dá continuidade à sua política de total e irrestrito apoio aos interesses políticos e econômicos dos Estados Unidos, tal qual fazia desde a derrubada de Martín em 1934. Batista deixa ao governo cubano como heranças uma crise financeira profunda e um rastro de corrupção, que só não eram maiores que o domínio político exercido pelos norte-americanos. Após o governo de Batista foi eleito novamente San Martín, que teve um governo marcado por duas grandes forças limitadoras: a falta de dinheiro após o saque do tesouro público realizado por Fulgêncio, e pela incapacidade de governar perante as pressões exercidas pelos Estados Unidos. Situação similar à observada no governo de seu sucessor, Carlos Prío Socarrás, eleito presidente em 1948.

O governo de Socarrás foi marcado muito mais por ter sofrido o golpe militar que levou novamente Fulgêncio Batista ao poder, do que por suas ações políticas e econômicas, uma vez que havia herdado em grande parte as posturas e problemas observados no governo de San Martín. Assim em 1952 instaura-se em Cuba a Ditadura Militar sanguinária do General Batista, que não medirá esforços ou verá limites para a manutenção do apoio de Washington DC ao seu governo...  

Continua...




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