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Ato 1: MUY AMIGOS!
Por Éder Israel
Ao
anunciar no dia 17 de dezembro de 2014 que iria buscar o fim definitivo do
embargo econômico existente em relação a Cuba, o presidente Barack Obama causou
uma certa surpresa em grande parte da comunidade mundial, não simplesmente por
propor o fim de tal embargo, mas sim pela mudança diametral de foco nas
políticas externas estadunidenses. Ora, mas o foco não era o Oriente Médio? A prioridade
não seria conter o Estado Islâmico em expansão? E as tropas do Iraque, quando
voltam de fato? Mas enfim, o assunto agora é Cuba, e para analisar as
componentes deste anuncio deve-se fazer uma análise do contexto de
estabelecimento de tal bloqueio. Portanto vamos a ela.
A
análise do fim do bloqueio deve nos remeter ao seu início, ou antes, à
necessidade de sua existência, e isso nos leva ao conturbado século XIX, e suas
rápidas transformações políticas e econômicas, quando a era do capitalismo
comercial de fato dava lugar ao capitalismo industrial, quando potências
europeias descobriam que a atividade transformadora promovida pela revolução
industrial do século XVIII levava ao colapso as últimas relações coloniais do
período da expansão marítima. Cuba se insere nesse contexto.
A
expansão do processo de produção açucareira em Cuba no século XIX oferecia à
ilha centro-americana dois aspectos importantes no estabelecimento da Divisão
Internacional do Trabalho: por um lado o aumento dos ganhos pela produção em
franco desenvolvimento e crescimento, e por outro lado a concentração esperada
de terras nas mão de uma burguesia agrária cada vez mais proeminente. Essa
combinação de fatores levou ao processo de rompimento do pacto colonial entre
Cuba e Espanha, embora esse rompimento inicialmente tenha contado com certo
desleixo espanhol, que permitiu a Cuba comercializar açúcar com o mercado
estadunidense. Pronto, criou-se o precedente para a posterior independência
cubana...
O
poder econômico advindo dos ganhos do comércio açucareiro deu à burguesia latifundiária
a ideia de que estaria pronta para romper de vez com os laços que ainda uniam a
ilha caribenha à Espanha. Ledo engano, o exército espanhol pôs fim à “farra”
que ficou conhecida como I Guerra de Independência (1868 – 1878) e deixou claro
que não abriria mão facilmente do domínio que exercia sobre sua então “semicolônia”;
seria necessária uma força econômica e militar superior à dos burgueses
latifundiários... A solução para a burguesia agrária foi simples e fácil:
aproximemos ainda mais dos Estados Unidos, que garantiremos nosso afastamento
definitivo do domínio espanhol. Dito e feito...
A
aproximação entra Cuba e Estados Unidos serviu aos dois lados, pois para os
latinos trouxe uma ampliação das relações comerciais que possibilitou um
aumento significativo dos ganhos financeiros com a venda do açúcar, e para os norte-americanos
um acesso facilitado e vantajoso a uma importante commodity. Sim pois nesse
momento os Estados Unidos passaram a importar em larga escala o açúcar cru de
Cuba e a refiná-lo em seu território, agregando assim maior valor ao produto e
reduzindo os custos de importação.
As
relações entre Espanha e Cuba ficaram estremecidas desde os embates nesta
primeira tentativa de independência, o que foi ainda mais agravado pela crise
cíclica que atinge as economias agroexportadoras, porém o novo embate travado
entre metrópole e colônia contava agora com a participação dos Estados Unidos,
o que desequilibrou as disputas em favor dos cubanos. Inicia-se nesse contexto
a Guerra Hispano-Americana nos anos finais do século XIX, e os Estados Unidos
conseguem levar a tão sonhada “liberdade” colonial a Cuba.
Assinado
o Tratado de Paris após a guerra, Cuba consegue de vez romper as amarras que a
mantinha submissa e dependente da metrópole espanhola, e os Estados Unidos davam
o primeiro passo real na busca de expandir sua influência na América Latina, um
sonho antigo do governo em Washington DC, que já havia tentado, sem sucesso, a
compra da ilha caribenha junto à Espanha por julgá-la um ponto estratégico no
cenário geopolítico da transição do século XIX para o XX.
A
“certidão e nascimento da Cuba libre” é cunhada sob a égide dos interesses
estadunidenses no início do século XX, haja visto que um dos parâmetros
principais para a tão sonhada liberdade cubana ser adquirida foi a Emenda Platt,
que em resumo oferecia aos Estados Unidos o direito de tornar-se uma espécie de
Espanha nas novas relações políticas e econômicas com Cuba. Com a melhor das
intenções, é claro...
A
Emenda Platt garantia aos Estados Unidos, por exemplo o direito de intervir
sempre que julgasse que a “liberdade” ou a “independência” de Cuba estivessem em
risco, além de proibir o governo cubano de assinar ou ingressar em qualquer
tratado político com outra nação que não fosse os Estados Unidos. Em suma, Cuba
está livre da Espanha, mas caiu no colo dos Estados Unidos... A Emenda Platt
era na verdade uma das componentes da política externa estadunidense no início
do século XX, a qual ficou conhecida como ‘Big Stick’, em uma tradução livre e
extremamente verdadeira perante os fatos observados, a “política do cacetão”, e
de fato nos anos seguintes o ‘cacete’ baixou na ilha caribenha, se é que me
entendem...
Uma
sucessão de presidentes fantoches de Washington DC assumiram o poder em Havana,
todos muito empenhados em manter o domínio estadunidense sobre ‘Cuba Libre’,
dos quais destaca-se Tomás Estrada Palma que governou o país entre 1902 e 1906,
que dentre outras ações vultosas e sombrias arrendou por 99 anos (!) uma fração
do território cubano para os Estados Unidos para que ali fosse instalada a base
naval da Baía de Guantánamo, a qual reaparecerá na continuação dessa análise
que aqui é feita.
Além
de permitir as ações da marinha estadunidense em território cubano, Palma cria
ainda condições favoráveis para a entrada de produtos industrializados da
potência norte americana em Cuba, com tarifas alfandegárias reduzidas em
relação aos produtos importados de outras nações. Esta ação acaba por abortar
completamente o início do processo de industrialização cubana, mantendo no país
uma economia primária de base agroexportadora, como bem queriam os Estados
Unidos.
Nas
três primeiras décadas do século XX os governos que sucederam Palma seguiram o
mesmo caminho, de apoio e dependência em relação aos Estados Unidos, porém o
contexto geopolítico global após a crise de 1929, os resquícios do encerramento
mal sucedido da Primeira Guerra Mundial e a ascensão militar do Japão na Ásia
deram um novo rumo nas políticas externas dos Estados Unidos, que
gradativamente se viram forçados a conseguir aliados rapidamente, sendo
obrigados a implantar a Política da Boa
Vizinhança em substituição à política do “cacetão”.
Mas
claro que os Estados Unidos não se tornariam bons vizinhos de Cuba e deixariam
a ilha enfim livre. Já estava em curso a criação de um sucessor à altura dos
fantoches anteriores que governaram Cuba sob os preceitos de Washington DC;
nascia assim para a política da América Central o nome de Fulgêncio Batista,
que contava com amplo apoio do presidente estadunidense Roosevelt. Fulgêncio,
que era militar, consegue derrubar em 1934 o então presidente Ramón San Martín.
Grande parte do descontentamento estadunidense com Martín se devia às políticas
deste presidente, que buscava um relativo afastamento do domínio estadunidense.
Martín, por exemplo, revogou a Emenda Platt e realizou (ou tentou realizar) uma
série de reformas políticas e econômicas em Cuba. Porém Batista não assume
ainda o poder de fato, tendo este colocado Carlos Mendieta no controle político
de Cuba, o que garantiria por mais algum tempo os interesses dos Estados Unidos
garantidos na América Central. E por tabela também a manutenção até 1940 de
Fulgêncio Batista como uma figura de enorme poder nos bastidores políticos
cubanos. Na verdade, o agora General Batista neste período mandava mais que os
presidentes em Cuba, estando hierarquicamente abaixo apenas do governo de
Washington DC...
O
General Batista assume o poder de fato apenas em 1940 quando é eleito
presidente de Cuba, e dá continuidade à sua política de total e irrestrito
apoio aos interesses políticos e econômicos dos Estados Unidos, tal qual fazia
desde a derrubada de Martín em 1934. Batista deixa ao governo cubano como
heranças uma crise financeira profunda e um rastro de corrupção, que só não
eram maiores que o domínio político exercido pelos norte-americanos. Após o
governo de Batista foi eleito novamente San Martín, que teve um governo marcado
por duas grandes forças limitadoras: a falta de dinheiro após o saque do
tesouro público realizado por Fulgêncio, e pela incapacidade de governar
perante as pressões exercidas pelos Estados Unidos. Situação similar à
observada no governo de seu sucessor, Carlos Prío Socarrás, eleito presidente
em 1948.
O
governo de Socarrás foi marcado muito mais por ter sofrido o golpe militar que
levou novamente Fulgêncio Batista ao poder, do que por suas ações políticas e
econômicas, uma vez que havia herdado em grande parte as posturas e problemas
observados no governo de San Martín. Assim em 1952 instaura-se em Cuba a Ditadura
Militar sanguinária do General Batista, que não medirá esforços ou verá limites
para a manutenção do apoio de Washington DC ao seu governo...
Continua...
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