Quem
bebeu toda a água de São Paulo?
Por Éder Israel
Disponível em: <http://www.masquemario.net/blog/publicacoes/uploads/2014/10/22-09-2014-terra-da-garoa.jpg> acesso em 17 jan. 2015 |
Já
se passaram quase seis meses desde que aqueles tidos como fatalistas, alarmistas,
pessimistas, opositores, aves de mau agouro (...) alertaram para a
possibilidade de ocorrência de uma crise hídrica sem precedentes na cidade de
São Paulo. A crise está aí. E agora?
A
verdade é que o Sistema Cantareira, responsável pela captação da água que
abastece quase 9 milhões de pessoas na Grande São Paulo tem capacidade para
suprir a demanda em situações normais, portanto, a situação atual foge dessa
suposta normalidade. O estado de São Paulo conta com um moderno e eficiente sistema
de captação e tratamento de água, controlado pela SABESP, que é responsável
pelo abastecimento de 60% dos municípios paulistas, sendo o próprio Sistema
Cantareira um dos maiores do mundo, porém a somatória de políticas de gestão
territorial equivocadas, negligência em assuntos ligados ao meio ambiente e o
próprio desenvolvimento econômico do estado criaram as condições para que o
Cantareira não fosse, momentaneamente, capaz de abastecer plenamente a cidade.
No
que tange às políticas de gestão territorial equivocadas nota-se claramente a
ocupação de novas áreas dos centros urbanos, cada vez mais inflados pelo
crescimento acentuado da urbanização a partir da década de 1950, que levou para
as cidades mais pessoas dou que talvez coubesse ali. Daí tem-se favelização,
macrocefalia urbana, especulação imobiliária e mais uma porção de termos que se
encaixariam bem em uma aula de Geografia Urbana. Porém, na cidade de São Paulo nos
últimos anos a cidade cresceu efetivamente em direção aos mananciais, tal qual
crescera em direção aos morros no Rio de Janeiro.
Em
São Paulo a pressão exercida pelo desmatamento das margens do Sistema Cantareira,
a ocupação imobiliária desordenada de áreas que deveriam ser de preservação
permanente, o lançamento de esgotos e efluentes em seu leito é um problema
concreto e que se reproduz em outros sistemas do estado, pois na Represa de
Guarapiranga, outra importante base de fornecimento de água da SABESP,
ocupações irregulares como a Nova Palestina tomam suas margens sem que haja a devida
atenção do poder público (a história vai se repetir...).
No
que se refere à negligência em assuntos ligados ao meio ambiente, a falta de
infraestrutura destas ocupações irregulares inicialmente, mas posteriormente e
convenientemente regularizadas pelo Estado, cria condições para que grandes
quantidades de lixo e esgoto seja destinados para a água que a SABESP terá que
tratar e que os consumidores terão que ‘revoltosos’ pagar para consumir.
A
falta de um código ambiental realmente focado em questões ambientais e não
apenas em acordos e conchavos políticos momentâneos não permite até hoje (mesmo
com o tão falado ‘novo’ Código Ambiental Brasileiro que não traz mudanças
efetivas para a preservação e conservação de recursos) que ocorra uma política
de ocupação urbana ordenada e planejada. Talvez o grande problema nessa
negligência seja o fato de que a concepção que o brasileiro tem de desmatamento
só ocorra na fazenda, pois na cidade é visto como normal e necessário cortar
árvores...
No
que diz respeito ao desenvolvimento econômico de São Paulo e sua relação com a
crise hídrica atual, há de se considerar dados, ainda que sejam médias aritméticas
e saibamos das generalizações, mas mesmo assim são dados... Sabe-se que em média a agricultura consuma
cerca de 70% de toda água utilizada por uma localidade, seguida pela atividade
industrial que consome aproximadamente 22% e o consumidor doméstico é
responsável pelos demais 8% da água consumida.
Assim,
a histórica concentração industrial no sudeste, em especial no estado de São
Paulo, o que começou a ser lentamente revertido de fato apenas na década de
1990 com o processo de desconcentração industrial para outras regiões
brasileiras, entretanto São Paulo continuou no controle desta atividade. A
atividade agrícola paulista nos últimos anos teve um novo impulso nos últimos
anos, principalmente pela ampliação do setor sucroalcooleiro no interior do
estado, principalmente na região de Ribeirão Preto, onde as lavouras de cana de
açúcar se expandiram fortemente para a produção de etanol, e sabemos que essas
lavouras canavieiras utilizam processos de irrigação que captam a água de rios,
mananciais, lençóis freáticos, aquíferos e afins, que iriam direta ou
indiretamente abastecer os sistemas de captação como o Cantareira.
Há
ainda as questões ligadas ao clima, como o veranico, el niño, la niña, massa de
ar quente estacionária, mas estes fatores físicos iremos debater em outro momento, pois a intenção nesse
momento é entender o papel do homem sobre o ambiente.
O
grande debate da semana foi a questão do Estado ter ou não direito de cobrar
multas que chegam a 100% do valor da conta de água do consumidor. O Estado diz
que sim, o ministério público diz que não, o Estado recorre e volta a ter o
direito da cobrança, e o consumidor se vê em uma ‘sinuca de bico’ sem fim, pois
sabe que a conta no final será sim paga por ele, a questão é saber o quanto ele
irá pagar.
Alheia
a tudo isso está aquela sua vizinha, que insiste em lavar a calçada usando o
esguicho e você se revolta ao ver a situação ao passar pela rua. Arma-se de
câmera, ‘pau de selfie’, celular e vai registrar o delito da meliante, acabando
com a água da cidade para retirar as folhas da calçada ao invés de usar a
vassoura... A você, defensor do meio ambiente e salvador do planeta eu tenho a
informar que está em uma batalha em vão. A pobre da sua vizinha lavar ou não a
calçada com a mangueira não fará diferença nenhuma na atual situação hídrica de
São Paulo, não é ela que consome 70% de toda a água com irrigação de seus dois
canteiros de rosas do jardim de inverno, não é ela quem consome 22% da água em
atividades industriais em sua casa. Há algo que está sendo debatido atualmente
chamado de Água Virtual, proposto por John Antony Allan, professor britânico, que é aquela utilizada nos
processos produtivos, é água que você não vê. Sua vizinha gasta 100 ou 200
litros de água para lavar a calçada, enquanto o cafezinho que você toma pela
manhã consome, pelos cálculos do professor John, cerca de 140 litros de água ao
longo do processo produtivo.
Em
suma, deixe a velha com a mangueira dela, pois inegavelmente ela colabora,
ainda que infimamente, para agravar a situação de escassez, porém seu cafezinho
é muito mais réu que a calçada dela nesse debate.
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