sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

O POVO UIGHUR

 

MINORIA ÉTNICA UIGHUR NA CHINA

- Prof. Éder Israel

Câmeras instaladas pelo governo chinês monitoram a vida da população Uighur, em Xinjiang.

Disponível em: <https://www.thenation.com/wp-content/uploads/2019/03/uighurs-school-xinjiang-rtr-img.jpg?scale=228&compress=80> acesso em 04 fev. 2021

Os uighures compõem um dos múltiplos grupos étnicos da China, porém eles não habitam apenas essa nação asiática. Existem grupos numerosos desse povo, de origem turcomena, que vivem principalmente em territórios na Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão, Tadjiquistão e Turquia. Em território chinês os uigures perfazem cerca de 10 milhões de habitantes, que em sua maioria são muçulmanos, e vivem concentrados no extremo Noroeste do país, na região de Xinjiang, que goza de relativa autonomia em relação ao governo central de Pequim.

Concentração da população Uighure na China, onde habitam nas fronteiras da Ásia Central.

Disponível em: <https://atalayar.com/sites/default/files/styles/foto_/public/noticias/Atalayar_Manifestante%Hong0Kong%20apoyo%20uigures> acesso em 04 fev. 2021

Até pouco tempo atrás o mundo não tinha qualquer tipo de atenção voltada a essa minoria étnica, mas recentes acusações de crimes cometidos contra o governo chinês contra esse povo, e principalmente após o ex-presidente Donald Trump, em um de seus últimos atos no cargo, acusar formalmente a China de genocídio conta os uighures, protestos começaram a se espalhar pelo mundo e a história desse relativamente pequeno grupo muçulmano começou a fazer parte dos debates da imprensa internacional.

 A região ocupada por essa minoria étnica tem se tornado atualmente cada vez mais valorizada pelo Estado chinês, seja por conta das terras agricultáveis (Xinjiang é historicamente uma região de baixa densidade demográfica no país, e, portanto goza de vastas áreas disponíveis), ou pelas reservas de recursos minerais ali encontradas, ou ainda, e talvez principalmente, pela sua localização estratégica na zona de fronteira com várias outras nações asiáticas, no “caminho para a Europa”. Sabe-se que a China tem estruturado um audacioso programa de logística global, batizado de A Nova Rota da Seda, que visa integrar a potência asiática ao restante do mundo, e a Ásia Central é ponto fundamental para as aspirações integracionistas do Partido Comunista Chinês - PCCh.

Após a notoriedade recente, proliferaram nos noticiários informações a respeito da perseguição que o governo de Pequim realiza contra esse e outros grupos minoritários do país, como ocorre em relação aos monges tibetanos, para citar apenas um dos vários exemplos. No caso dos Uighures o próprio Estado chinês admite a existência de estruturas penitenciárias, que são chamadas de “Campos de Reeducação”, para onde são levados os presos desse grupo. E é exatamente a respeito desses campos/prisões que se formalizou a fala de Donald Trump, posto que se multiplicam na imprensa as acusações de maus tratos, trabalho análogo à escravidão e torturas, tudo prontamente negado pelo governo central de Pequim. Organizações internacionais dos Direitos Humanos acusam ainda o PCCh de realizar prisões e julgamentos arbitrários e de estar promovendo uma lavagem cerebral em massa nessa população, em nome de uma suposta “reeducação social”.

Imagem de satélite mostra um novo “Campo de Reeducação” construído na província de Xinjiang.

Disponível em: <https://ichef.bbci.co.uk/news/800/cpsprodpb/13FFB/production/_104051918_china4.jpg> acesso em 04 fev. 2021

Nos últimos meses surgiram indícios de que outras nações estariam tendo coautoria nos crimes contra os Uighures, com destaque para o apontamento de que o governo turco estaria prendendo pessoas desse grupo étnico que vivem em seus territórios e as deportando para a China, onde seriam sumariamente encaminhadas para os campos mantidos pelo Estado. A alegação do governo chinês, de que nesses campos a reeducação seria voluntária e que as prisões seriam justificadas para se tentar combater o extremismo religioso desses grupos muçulmanos não encontra ressonância nas outras nações e nem mesmo em organizações internacionais, que pressionam diuturnamente a China a promover mudanças no tratamento destinado à população Uighur.

Ao redor do mundo, e principalmente nas nações com grandes comunidades muçulmanas, são realizados protestos, com apoio dos governos ocidentais e da mídia internacional, em defesa da libertação e do respeito à dignidade desse grupo étnico. Porém, do lado do PCCh não há nenhum sinal de que tais mudanças estariam próximas de acontecer. O maior problema relacionado à solução do caso é o fato de a China possuir grande poder geopolítico na atualidade, principalmente por fazer parte do Conselho de Segurança da ONU tendo, portanto, a prerrogativa de vetar qualquer decisão tomada pela organização que vá contra os interesses e políticas implementadas pelo Estado autoritário asiático.

Segundo observadores internacionais um dos principais temores do governo da China é que esses grupos minoritários, que por séculos habitam regiões isoladas do país, criem um senso de “unidade nacional”, ou mesmo se tornem muito numerosos, a ponto de apresentar uma ameaça ao governo instituído, e principalmente atuarem em prol de processos separatistas. Por isso, uma das grandes acusações que recaem sobre a administração dos “Centros de Reeducação” é a respeito da esterilização forçada e em massa das mulheres uighures ali detidas, como uma tentativa de cessar as taxas de natalidade e eliminar o crescimento demográfico dos grupos étnicos não favoráveis ao Estado. Outras ações nesse mesmo sentido foram observados em anos anteriores, quando o governo da China incentivou a migração de chineses leais ao governo para a região de Xinjiang, numa tentativa aberta de equilibrar a composição étnica regional e aumentar a vigilância sobre grupos opositores ao PCCh.

Muçulmanos em Bangladesh manifestam apoio à população Uighur reprimida na China.

Disponível em: <http://thedailynewnation.com/library/1547828699_0.jpg> acesso em 05 fev. 2021

Infelizmente povo Uighur faz parte de uma crescente estatística global, que representa povos e grupos étnicos em condição de perseguição por parte de populações majoritárias ou pelos próprios Estados constituídos nas nações onde se inserem, como se observa atualmente com o povo Rohingya, perseguido e dizimado em Myanmar, ou o povo Curdo, que sofre perseguições há décadas no Oriente Médio, ou ainda povos na região do Cáucaso, como os Chechenos, subjugados pelo Estado russo em uma guerra civil que se arrasta desde o término da Guerra Fria. O discurso do governo chinês acerca das ações contra esse grupo muçulmano de Xinjiang não condiz com a realidade, nem pela insólita afirmação de que os uighures buscariam voluntariamente os “Campos de Reeducação”, e nem pela propalada justificativa de que se faz necessária tal intervenção, em prol do crescente extremismo religioso desse povo, posto que ela não se materialize de fato.

Resta ao mundo esperar que o PCCh acene na direção do término das práticas opressoras sobre essa minoria nacional, como é comum no atual mundo globalizado, quando uma nação sofre uma grande pressão externa que ameaça seus interesses econômicos. Sabe-se que as motivações econômicas são hoje as principais molas motrizes das sociedades globais, e tudo que as ameace precisa ser eliminado ou superado. O governo chinês vê os uighures como um empecilho ao seu projeto hegemônico autoritário. Porém, se uma pressão externa representar riscos de perdas financeiras ainda maiores é provável que o país busque tirar proveito da situação, criando uma falsa imagem de ser aquele libertou o povo uighures de sua própria opressão...

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