terça-feira, 28 de setembro de 2021

HAITI (parte 1)

O QUADRO HISTÓRICO DE CRISES NO HAITI






Prof. Éder Israel

 

Localizado na América Central, fazendo fronteira com a República Dominicana, o Haiti encontra-se na rota dos furacões e na zona de ocorrência de grandes abalos sísmicos.

Disponível em: <https://www.blendspace.com/lessons/IpHyJgp24nxWhQ/tap-tap-bus> acesso em 28 Set. 2021

Por ser o país mais pobre das américas o Haiti se apresenta historicamente como um grande polo de repulsão de migrantes para outras nações do continente, tanto no que e refere aos fluxos migratórios espontâneos (com pessoas em busca de melhores condições de vida, através de emprego, educação, saúde...), bem como no que se refere aos fluxos migratórios forçados (com pessoas fugindo do país assolado por catástrofes naturais, violência de grupos criminosos, repressão de governos autoritários...). O pequeno país da América Central encontra-se há décadas em um quadro de profunda convulsão social, decorrente da crise política e da falência econômica, e agravado pelo atual quadro pandêmico, que amplia os já alarmantes problemas internos que assolam sua população.

Economicamente o país enfrenta severas limitações, decorrentes da quase inexistência de recursos minerais exploráveis/exportáveis, o que torna a agricultura a atividade mais importante da nação, ocupando mais da metade de sua mão de obra. Porém, mesmo com esse amplo foco nas atividades agrícolas, o país é incapaz de produzir alimentos o suficiente para sua população, de pouco mais de 11 milhões de habitantes, sendo obrigado a trazer de fora (muitas vezes através de doações internacionais ou programas humanitários) grande parcela dos recursos alimentares necessários. O Haiti “importa” cerca de 80% do arroz consumido, o que é possível apenas com os programas internacionais de transferência de capitais para a nação, os quais representam cerca de 40% de todo o PIB haitiano.

Socialmente o país enfrenta crises sistêmicas decorrentes do quadro de miséria e escassez permanentes, em grande parte herdadas do processo histórico de colonização. Internamente observa-se uma clara estratificação social da população, similar a um sistema de castas, onde as populações mulatas (descendentes dos colonizadores europeus) formaram durante o período de dominação uma camada mais abastada (ou menos miserável) e que se autodetermina superior à população negra majoritária. Mesmo após a independência dessa pequena colônia francesa, no início do século XIX, e as grandes expectativas iniciais de avanço social após ter sido uma das primeiras nações do mundo a abolir à escravidão, o Haiti manteve fortemente as amarras sociais do período colonial, sendo amplamente dependente das potências mundiais e apresentando internamente um quadro de marcante segregação racial.

Politicamente o país atravessou sucessivos períodos de governos autoritários e ditatoriais, principalmente ao longo do século XX, com destaque para os regimes violentos implementados na segunda metade daquele século, com o apoio dos Estados Unidos, sob o pretexto de conter o avanço das ideias comunistas na América. Assim se deu, a partir de 1957, com o governo de François Duvalier, conhecido como “Papa Doc”, que implantou um regime feroz de perseguição a seus opositores políticos e sociais, tendo o amparo indireto do governo estadunidense. Após a morte de “Papa Doc” em 1971 o poder foi transferido de maneira hereditária a seu filho, Jean Claude Duvalier, conhecido como “Baby Doc”, que manteve o viés ditatorial de seu pai até 1986, quando fugiu para a França durante a eclosão de revoltas populares que o derrubariam do poder.

François Duvalier (Papa Doc) e seu filho, Jean-Claude Duvalier (Baby Doc), mantiveram com apoio estadunidense uma violenta ditadura no Haiti, entre os anos de 1957 e 1986.

Adaptado de: <https://fikklefame.com/baby-docs-back/> acesso em 28 Set. 2021

Após a fuga de “Baby Doc” o Haiti passaria por uma sucessão de golpes políticos e militares até o início dos anos de 1990, quando enfim foram realizadas as primeiras eleições livres da nação e Jean-Bertrand Aristide foi eleito presidente. Já em 1991 Aristide foi derrubado por um novo golpe e fugiu do país, tendo os militares retomado o poder. Nesse cenário o caos social dominava o país centro-americano e uma primeira grande leva de refugiados haitianos se dirigia aos Estados Unidos, levando a potência americana a pressionar o governo militar a devolver o poder ao presidente Aristide. Frente à recusa do governo haitiano em retomar o Estado democrático o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas - ONU (leia-se Estados Unidos) impuseram um completo bloqueio econômico ao Haiti entre 1991 e 1994, o que aprofundou ainda mais a catástrofe socioeconômica na qual a nação era mergulhada. Enfim, em 1994 Aristide retorna ao país e volta a governar a nação até 1996.

Porém, o quadro político do Haiti nunca se tornou de fato democrático e livre. Jean-Bertrand Aristide se tornou uma influente liderança nacional, e se valeu desse fator para passar a manipular o sistema eleitoral haitiano, tendo sido acusado de fraudar as eleições de 2000 para retornar ao poder, dando início a uma nova convulsão interna, que culminaria em uma grande revolta popular liderada pela oposição ao presidente. Em 2004, visando conter uma nova onda de violência e uma nova crise de refugiados na região, os Estados Unidos retiraram (supostamente de modo forçado) o presidente Aristide do país, levando-o para o asilo político na África do Sul. Nesse contexto a ONU determina a intervenção militar no Haiti, sob comando do exército brasileiro, para a retomada da democracia e da estabilidade interna, missão essa que durou até 2017.

O exército brasileiro esteve à frente da missão de paz da Organização das Nações Unidas- ONU no Haiti, que buscou estabilizar politicamente o país entre os anos de 2004 e 2017.

Adaptado de: <https://www.revistaoperacional.com.br/o-brasil-e-as-operacoes-de-paz-da-onu/> acesso em 28 Set. 2021

Em 2015 foram convocadas eleições diretas no país para a escolha de um novo presidente. Porém, após acusações de fraude eleitoral no primeiro turno daquele pleito, a realização do segundo turno foi adiada às pressas, e o então presidente do Senado, Jocelerme Privert assumiu temporariamente governo ao término do mandato do então presidente Michel Martelly, na tentativa de restaurar a estabilidade política e dar sequência à transição presidencial democrática. Ainda em 2016 novas eleições diretas foram realizadas e Jovenel Moïse foi eleito o novo presidente nacional, tendo permanecido no cargo até ser assassinado em julho de 2021, o que desencadeou uma nova crise política que perdura até os dias atuais, e é potencializadora dos intensos fluxos imigratórios de haitianos em direção aos Estados Unidos.

Em meio a todo esse caos político que se estabeleceu no país desde o fim do século XX, o Haiti foi ainda assolado por catástrofes naturais, que agravaram ainda mais o quadro dantesco enfrentado pela população. Em 2010 um grande terremoto devastou parte da cidade de Porto Príncipe, a capital da nação, tendo ceifado a vida de mais de 200 mil pessoas, em decorrência das consequências diretas do abalo e principalmente da devastação das infraestruturas básicas, o que possibilitou a proliferação de doenças, além de ampliar os quadros históricos de fome. Sem ainda ter se recuperado do terremoto de 2010, outra catástrofe se abate sobre o país, quando em 2016 o Furacão Matthew devastou grandes regiões próximas à costa, provocando mortes e piora nas condições sociais, já precárias da população.

Em janeiro de 2010 um devastador terremoto de 7,2 graus na Escala Richter atingiu o Haiti. Estima-se mais de 300 mil mortes e 1,5 milhão de desabrigados.

Adaptado de: <https://www.revistaoperacional.com.br/o-brasil-e-as-operacoes-de-paz-da-onu/> acesso em 28 Set. 2021

O ano de 2021 tem sido especialmente trágico para os haitianos, pois além da crise política decorrente do assassinato do presidente Moïse, houve ainda um novo terremoto que devastou a já precária infraestrutura e o saneamento básico do país, e em seguida o Furacão Grace atingiu regiões pontuais na nação, ampliando ainda mais a devastação ali observada. Tudo isso em um contexto de pandemia do Covid-19, que sem vacinação efetiva se alastra rapidamente e sem serviços médicos essenciais provoca elevadas taxas de letalidade. O Haiti é hoje esse turbilhão de problemas e crises, e isso está na raiz das questões migratórias contemporâneas. 

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