sexta-feira, 10 de setembro de 2021

GRUPO TALIBÃ (parte 3)

A VOLTA DO TALIBÃ AO PODER NO AFEGANISTÃO

                                                                                                     Prof. Éder Israel

No final de agosto os últimos soldados dos Estados Unidos deixam o território do Afeganistão

Disponível em: <https://www.stripes.com/theaters/middle_east/us-troops-to-leave-afghanistan-by-sept-11-white-house-says-1.669576> acesso em 08 Set. 2021

A assumir a presidência dos Estados Unidos no início de 2021, Joe Biden propôs grandes mudanças em decisões tomadas por Donald Trump, seu antecessor no cargo, mas a decisão do presidente anterior de retirar as tropas estadunidenses do território afegão antes que se completassem 20 anos dos atentados de 11 de setembro de 2001 foi mantida, embora com um relativo atraso de datas para o retorno dos soldados à América. Talvez essa tenha sido a última grande armadilha deixada por Trump a seu sucessor, e diferentemente das outras, nessa Biden parece ter caído sem muitas ressalvas.

Dentro dos Estados Unidos a população apoiava há mais de uma década o encerramento das ações militares iniciadas ainda durante a Guerra ao Terror em 2001, que de maneira prática e direta já haviam custado dinheiro e vidas demais, com um aparente retorno político e econômico muito pequeno, aos olhos dos cidadãos comuns. Desse modo, atendendo ao antigo clamor popular, Biden confirma a retirada das tropas, combinada à suposta estruturação de um governo democrático em território afegão. Afinal, uma das justificativas para a invasão do país havia sido exatamente a de levar a liberdade e a democracia à sua população.

Dessa forma a Casa Branca inicia uma apressada e impensada manobra de evacuação do país asiático, tendo o intuito de cumprir os prazos acordados pela administração Trump, bem como aqueles acordos informais feitos por seus representantes com as lideranças do grupo Talibã. Porém, nesse meio tempo, o grupo extremista começa também a se organizar para retomar o poder assim que os Estados Unidos deixassem o país, uma vez que o mundo todo sabe que a única coisa que sustentava de fato o governo afegão era o apoio da potência americana, e sem tal apoio e sustentação o Talibã não teria grandes dificuldades em derrubar o comando político da nação e reassumir o posto de onde foi retirado em 2001.

Após tomar a cidade de Cabul, militantes do Talibã patrulham as ruas e impõem o medo à população

Disponível em: <https://www.orfonline.org/expert-speak/opportunity-in-crisis-will-a-pandemic-lead-to-peace-with-the-taliban-in-afghanistan-64568/> acesso em 10 Set. 2021

Em uma demonstração pública de força e afronta o grupo Talibã assumiu o poder no Afeganistão ainda durante a presença de soldados dos Estados Unidos, tendo rapidamente tomado o controle de importantes cidades do interior, culminando com a conquista de Cabul em meados de agosto. A retirada completa dos soldados americanos estava marcada para o dia 31 daquele mês. Apesar dessa reviravolta na dinâmica interna do país árabe, os Estado Unidos não alteraram seu cronograma ou postergaram a retirada de suas tropas. O avanço do Talibã acontecia ao mesmo tempo em que os soldados americanos abandonavam a população afegã à sua própria sorte.

Na medida em que os extremistas avançavam e conquistavam cidades, o presidente afegão fugia do país e o governo era oficialmente esvaziado, deixando livre o caminho para os radicais assumirem novamente o poder. Pressionado pela imprensa internacional o governo estadunidense se viu forçado a garantir a segurança do aeroporto de Cabul, a grande porta de saída do Afeganistão, por onde os estrangeiros passaram a ser rapidamente evacuados e milhares de afegãos se amontoavam em voos com destino a qualquer lugar, desde que não fosse um país dominado pelo Talibã. Rapidamente as cenas da retirada desesperada de funcionários da embaixada americana no país passou a ser comparada com a evacuação forçada de funcionários do governo em Saigon, no Vietnã, durante a guerra que a potência americana travava contra os comunistas do extremo Oriente durante a Guerra Fria. E na verdade a história era de fato muito parecida...

Visando criar uma imagem menos ruim perante a imprensa e as organizações internacionais o Talibã rapidamente passou a divulgar mensagens de que os direitos das populações e dos ex-funcionários do governo deposto seriam plenamente respeitados, principalmente os direitos das mulheres, amplamente subjugadas no período anterior em que o grupo extremista comandou o país. Porém, o mundo todo acompanha com muito ceticismo (e com total razão) esse discurso de que o Talibã agora está diferente. As primeiras impressões demonstram que esse ceticismo do mundo em relação do governo autoproclamado se justifica, pois ainda durante a evacuação dos soldados dos Estados Unidos e de cidadãos de outras nações houve uma série de atentados suicidas, inclusive no aeroporto, sem que o Talibã se posicionasse de maneira clara contra tais atos, bem como o grupo extremista reprimiu com violência vários protestos populares contra o “novo governo”. Por mais que se adote um discurso mais racional e politicamente correto, a essência extremista do grupo dificilmente será mudada um dia.

No poder o Talibã troca a bandeira e o nome do país, que passa a ser chamado de Emirado Islâmico do Afeganistão

Disponível em: <https://online.seterra.com/en/p/afghanistan-flag> acesso em 10 Set. 2021

A retirada atabalhoada dos Estados Unidos produziu um cenário incerto e com perspectivas múltiplas no Afeganistão, pois grande parte dos armamentos e recursos militares repassados às forças de segurança comandadas pelo antigo governo afegão encontram-se agora sob poder dos extremistas, bem como muito equipamento militar usado pelas tropas americanas durante os 20 anos de ocupação foram deixados para trás, o que oferece ao Talibã um poder bélico muito superior ao que o grupo possuía até 2001. Agora a população do país está a mercê de um regime que baseia as suas ações em uma interpretação deturpada das escrituras sagradas do Islamismo e que possui a capacidade militar não mais de um grupo de guerrilha convencional, mas sim de um Estado Nacional.

Para agravar ainda mais a condição geopolítica da região, após a derrubada do governo e a saída das forças militares estadunidenses, a Rússia e a China adotaram um discurso de defesa do estabelecimento de diálogo diplomático com o grupo Talibã, o que significa informalmente que as duas nações reconhecem que o grupo extremista é de fato o novo governo do Afeganistão, e como ambas fazem parte do Conselho de Segurança da ONU se torna muito difícil que a organização apoie, em curto prazo, algum tipo de intervenção no país árabe, bem como é praticamente nula a possiblidade de que a Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN (comandada pelos Estados Unidos, que estão de saída do país...) encabece uma ação militar internacional em prol da derrubada dos rebeldes talibãs do poder.

Em suma, o mundo deve novamente assistir de longe, ou continuar fingindo que não vê, as violações sistemáticas dos direitos humanos (principalmente das mulheres e minorias étnicas) realizadas pelo Talibã, desde que assumiu o poder no Afeganistão pela primeira vez em 1996.

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