A VOLTA DO TALIBÃ AO PODER NO AFEGANISTÃO
Prof. Éder Israel
No final de agosto os últimos soldados dos Estados Unidos deixam o território do Afeganistão
Disponível em: <https://www.stripes.com/theaters/middle_east/us-troops-to-leave-afghanistan-by-sept-11-white-house-says-1.669576>
acesso em 08 Set. 2021
A assumir a presidência dos Estados Unidos no
início de 2021, Joe Biden propôs grandes mudanças em decisões tomadas por
Donald Trump, seu antecessor no cargo, mas a decisão do presidente anterior de
retirar as tropas estadunidenses do território afegão antes que se completassem
20 anos dos atentados de 11 de setembro de 2001 foi mantida, embora com um
relativo atraso de datas para o retorno dos soldados à América. Talvez essa
tenha sido a última grande armadilha deixada por Trump a seu sucessor, e
diferentemente das outras, nessa Biden parece ter caído sem muitas ressalvas.
Dentro dos Estados Unidos a população apoiava
há mais de uma década o encerramento das ações militares iniciadas ainda
durante a Guerra ao Terror em 2001, que de maneira prática e direta já haviam
custado dinheiro e vidas demais, com um aparente retorno político e econômico
muito pequeno, aos olhos dos cidadãos comuns. Desse modo, atendendo ao antigo
clamor popular, Biden confirma a retirada das tropas, combinada à suposta
estruturação de um governo democrático em território afegão. Afinal, uma das
justificativas para a invasão do país havia sido exatamente a de levar a
liberdade e a democracia à sua população.
Dessa forma a Casa Branca inicia uma
apressada e impensada manobra de evacuação do país asiático, tendo o intuito de
cumprir os prazos acordados pela administração Trump, bem como aqueles acordos informais
feitos por seus representantes com as lideranças do grupo Talibã. Porém, nesse
meio tempo, o grupo extremista começa também a se organizar para retomar o
poder assim que os Estados Unidos deixassem o país, uma vez que o mundo todo sabe
que a única coisa que sustentava de fato o governo afegão era o apoio da
potência americana, e sem tal apoio e sustentação o Talibã não teria grandes
dificuldades em derrubar o comando político da nação e reassumir o posto de
onde foi retirado em 2001.
Após tomar a cidade de Cabul, militantes do Talibã patrulham as ruas e
impõem o medo à população
Disponível em: <https://www.orfonline.org/expert-speak/opportunity-in-crisis-will-a-pandemic-lead-to-peace-with-the-taliban-in-afghanistan-64568/>
acesso em 10 Set. 2021
Em uma demonstração pública de força e
afronta o grupo Talibã assumiu o poder no Afeganistão ainda durante a presença
de soldados dos Estados Unidos, tendo rapidamente tomado o controle de
importantes cidades do interior, culminando com a conquista de Cabul em meados
de agosto. A retirada completa dos soldados americanos estava marcada para o
dia 31 daquele mês. Apesar dessa reviravolta na dinâmica interna do país árabe,
os Estado Unidos não alteraram seu cronograma ou postergaram a retirada de suas
tropas. O avanço do Talibã acontecia ao mesmo tempo em que os soldados
americanos abandonavam a população afegã à sua própria sorte.
Na medida em que os extremistas avançavam e
conquistavam cidades, o presidente afegão fugia do país e o governo era
oficialmente esvaziado, deixando livre o caminho para os radicais assumirem
novamente o poder. Pressionado pela imprensa internacional o governo
estadunidense se viu forçado a garantir a segurança do aeroporto de Cabul, a
grande porta de saída do Afeganistão, por onde os estrangeiros passaram a ser
rapidamente evacuados e milhares de afegãos se amontoavam em voos com destino a
qualquer lugar, desde que não fosse um país dominado pelo Talibã. Rapidamente
as cenas da retirada desesperada de funcionários da embaixada americana no país
passou a ser comparada com a evacuação forçada de funcionários do governo em
Saigon, no Vietnã, durante a guerra que a potência americana travava contra os
comunistas do extremo Oriente durante a Guerra Fria. E na verdade a história
era de fato muito parecida...
Visando criar uma imagem menos ruim perante a
imprensa e as organizações internacionais o Talibã rapidamente passou a
divulgar mensagens de que os direitos das populações e dos ex-funcionários do
governo deposto seriam plenamente respeitados, principalmente os direitos das
mulheres, amplamente subjugadas no período anterior em que o grupo extremista
comandou o país. Porém, o mundo todo acompanha com muito ceticismo (e com total
razão) esse discurso de que o Talibã agora está diferente. As primeiras
impressões demonstram que esse ceticismo do mundo em relação do governo
autoproclamado se justifica, pois ainda durante a evacuação dos soldados dos
Estados Unidos e de cidadãos de outras nações houve uma série de atentados
suicidas, inclusive no aeroporto, sem que o Talibã se posicionasse de maneira
clara contra tais atos, bem como o grupo extremista reprimiu com violência vários
protestos populares contra o “novo governo”. Por mais que se adote um discurso
mais racional e politicamente correto, a essência extremista do grupo
dificilmente será mudada um dia.
No poder o Talibã troca a bandeira e o nome do país, que passa a ser
chamado de Emirado Islâmico do Afeganistão
Disponível em: <https://online.seterra.com/en/p/afghanistan-flag>
acesso em 10 Set. 2021
A retirada atabalhoada dos Estados Unidos
produziu um cenário incerto e com perspectivas múltiplas no Afeganistão, pois
grande parte dos armamentos e recursos militares repassados às forças de
segurança comandadas pelo antigo governo afegão encontram-se agora sob poder dos
extremistas, bem como muito equipamento militar usado pelas tropas americanas durante
os 20 anos de ocupação foram deixados para trás, o que oferece ao Talibã um
poder bélico muito superior ao que o grupo possuía até 2001. Agora a população
do país está a mercê de um regime que baseia as suas ações em uma interpretação
deturpada das escrituras sagradas do Islamismo e que possui a capacidade
militar não mais de um grupo de guerrilha convencional, mas sim de um Estado
Nacional.
Para agravar ainda mais a condição
geopolítica da região, após a derrubada do governo e a saída das forças
militares estadunidenses, a Rússia e a China adotaram um discurso de defesa do
estabelecimento de diálogo diplomático com o grupo Talibã, o que significa
informalmente que as duas nações reconhecem que o grupo extremista é de fato o
novo governo do Afeganistão, e como ambas fazem parte do Conselho de Segurança
da ONU se torna muito difícil que a organização apoie, em curto prazo, algum
tipo de intervenção no país árabe, bem como é praticamente nula a possiblidade de
que a Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN (comandada pelos Estados
Unidos, que estão de saída do país...) encabece uma ação militar internacional
em prol da derrubada dos rebeldes talibãs do poder.
Em suma, o mundo deve novamente assistir de
longe, ou continuar fingindo que não vê, as violações sistemáticas dos direitos
humanos (principalmente das mulheres e minorias étnicas) realizadas pelo Talibã,
desde que assumiu o poder no Afeganistão pela primeira vez em 1996.
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