quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

TENSÕES POLÍTICAS ENTRE ESTADOS UNIDOS E IRÃ - Parte IV



A ESCALADA NAS TENSÕES POLÍTICAS ENTRE ESTADOS UNIDOS E IRÃ

Parte IV: Os efeitos da administração Donald Trump

Por Éder Israel


Disponível em: <https://www.kurdistantv.net/sites/default/files/2018-06/yyran_lydwanhkany_poempyoe_shbarht_bh_rybhr_w_hkwmhty_yymh_bybnhma_w_droeynn.jpeg> acesso em 12 jan. 2020

Durante a administração Barack Obama (2009 - 2017) a política externa dos Estados Unidos foi claramente centrada na diplomacia e no debate de temas de interesse comum, evitando em muitas oportunidades instabilidades internacionais. Porém, com a chegada de Donald Trump ao poder em 2017, a política externa do país se parece a cada dia mais com aquela empregada por George W. Bush a partir de 2001.

Após a ratificação do Acordo Nuclear do Irã em 2015, a situação geopolítica entre o país asiático e os Estados Unidos passou por um curto período de relativa tranquilidade, embora houvesse de ambos os lados a desconfiança se a contraparte iria ou não de fato respeitar seus compromissos, mas mesmo sem a materialização esperada, o contexto pós acordo foi bem menos turbulento que as rusgas e arengas entre Mahmoud Ahmadinejad e George W. Bush. Porém, a eleição presidencial de 2016 na potência americana iria ruir qualquer base, ainda que frágil, da politica externa e diplomacia estadunidense. Donald Trump trouxe na bagagem a combinação explosiva de inexperiência política com apreço midiático.

A administração Trump retoma o diálogo intervencionista em relação aos países do Oriente Médio, tendo como justificativa teórica a garantia da segurança e o reconhecimento do Estado de Israel, além da reedição da chamada Guerra ao Terror, visando teoricamente combater a ação de organizações terroristas que atuam na região. Mas sabe-se [como sempre se soube] que a quase totalidade das ações das potências ocidentais no Golfo Pérsico tem como interesse principal o controle a produção de petróleo para o mercado global. Portanto podemos afirmar que durante o governo George W. Bush a postura estadunidense se baseou no intervencionismo externo e nas ações militares, posteriormente o governo Barack Obama adotou uma política pautada no diálogo e na diplomacia, reaproximando os Estados Unidos do restante do mundo e na atualidade, o governo Donald Trump retoma a postura da Doutrina Bush e dá sinais claros que a política externa estadunidense retornará ao intervencionismo, e a instabilidade voltará [leia-se ampliará] ao Oriente Médio.

A postura adotada por Donald Trump em suas ações governamentais criou um conceito novo, popularizado pela Ciência Geográfica moderna, chamado “desglobalização”. Na verdade a tal “desglobalização” é aquilo que até alguns anos atrás era chamado de isolacionismo político, quando uma nação começa a romper acordos e compromissos internacionais e a adotar posturas políticas unilaterais, tal como fez George W. Bush ao invadir o Iraque sem o consentimento do Conselho de Segurança da ONU. É basicamente a mesma coisa que a administração Trump tem feito ao ameaçar intervir militarmente no Irã ou na Palestina, ou mesmo a decisão de transferir a embaixada estadunidense em Israel da cidade de Tel Aviv para Jerusalém, considerando formalmente a cidade em questão como capital do Estado judeu. Todas essas são posturas unilaterais, que no passado chamávamos de isolacionismo e no presente “gourmetizaram” sob o nome de “desglobalização”.



Disponível em: < https://media3.s-nbcnews.com/j/newscms/2018_31/2426121/180509-trump-iran-mc-742_1208f3ad933226f426421bd0f996a2a8.fit-760w.JPG > acesso em 12 jan. 2020

A atitude isolacionista [se preferir, desglobalizante] de Donald Trump se manifesta na assinatura de decretos que vão contra a ordem natural da integração global, como a saída do Acordo Nuclear do Irã (criado pelo P5+1), a saída do Acordo Climático de Paris (que ampliava as propostas do Protocolo de Kyoto), a saída do Conselho dos Direitos Humanos da ONU.

Quando os Estados Unidos formalizam em 2018 sua saída do acordo nuclear negociado a partir de 2013 com o Irã, o governo americano está oficialmente se desobrigando a cumprir os termos e responsabilidades assumidos quando da sua assinatura, que se referem à retirada das sanções econômicas nas relações comerciais com o país comandado pelo aiatolá Khamenei. Porém, a adoção de uma postura unilateral por uma das partes implica na adoção da mesma postura pela parte oposta, logo, o governo iraniano se vê também desobrigado a cumprir seus compromissos no acordo, que se referiam à redução do enriquecimento de urânio e à liberação da visita de inspetores internacionais. Ou seja, as sombras da incerteza novamente pairam sobre as intenções do programa nuclear da República Islâmica.

O modo de governar do presidente Trump deu origem novamente à troca de ofensas de ambos os lados [acalmada desde a saída da dupla Ahmadinejad e Bush do poder], lançando bases que trazem mais uma vez o contexto das intervenções ocidentais no Oriente Médio. Porém, como mencionado, a política externa unilateral adotada pela Casa Branca não favorece à criação de uma coalizão que una esforços em uma campanha militar, ou seja, se os estadunidenses quisessem de fato atacar o Irã teriam que fazer isso sozinhos [ou quase], com duas dúvidas latentes: a primeira, se o país asiático possui ou não armas atômicas [definitivamente não compensa pagar para ver...] e a segunda, se uma intervenção ocidental não poderia aproximar persas iranianos dos árabes do Oriente Médio, em uma força de resistência ou pior, em uma força de ataque contra Israel, aliado dos Estados Unidos. São muitas variáveis envolvidas para alguém arriscar dar o primeiro passo.

Na falta de comprovação acerca das motivações militares do programa nuclear iraniano, a potência americana precisa de outra justificativa na qual possa se basear para (re)impor as sanções econômicas e comerciais à República Islâmica e quem sabe para sustentar as motivações para uma intervenção militar, sem o aval do Conselho de Segurança da ONU. Trump recorre ao que já está pronto, à boa e velha Doutrina Bush... Lembre-se que o Irã foi colocado no chamado “Eixo do Mal”, grupo de nações que são acusadas de apoiar organizações terroristas; pois bem, o governo estadunidense passa a classificar a Guarda Revolucionária Iraniana [grupo de elite do exército do país] como organização que promove e apoia atos terroristas, e portanto teria que ser combatida pelos Estados Unidos, para que a paz e a segurança voltassem a reinar no mundo [é...].


Disponível em: <https://a57.foxnews.com/media2.foxnews.com/BrightCove/694940094001/2019/06/21/931/524/694940094001_6050822982001_6050822507001-vs.jpg?ve=1&tl=1> acesso em 12 jan. 2020
A importância estratégica do Estreito de Ormuz para o mundo dá ao Irã uma carta na manga valiosa para os embates geopolíticos do mundo moderno, posto que essa importante rota petrolífera tornaria muito fácil a realização de um bloqueio, que afetaria imediatamente o preço global do petróleo e toda a economia baseada nesse recurso.

Já em 2019 os Estados Unidos afirmaram que a Guarda Revolucionária Iraniana seria responsável pelos ataques a dois navios petroleiros que cruzavam o Golfo de Omã, próximo ao Estreito de Ormuz (importante rota comercial para o petróleo exportado pelo Golfo Pérsico). Como se trata de um ponto estratégico para a economia moderna, posto que por ali passe cerca de 30% de todo o petróleo consumido no mundo, o Irã, país com a maior zona costeira no estreito, ameaça frequentemente bloquear essa rota marítima, o que ocasionaria prejuízos desmedidos ao capitalismo. Sistematicamente as embarcações da força militar de elite iraniana são avistadas realizando manobras na região, o que aumenta ainda mais a constante tensão nessa área.

O grau da tensão se tornou ainda mais alto na semana seguinte aos supostos ataques aos petroleiros do Japão e da Noruega, quando um drone de vigilância dos Estados Unidos, avaliado em cerca de 120 milhões de dólares, foi abatido pela Guarda Revolucionária Iraniana, enquanto sobrevoava a região do Golfo Pérsico. Segundo a força militar do Irã, a aeronave invadiu o espaço aéreo iraniano, segundo os Estados Unidos a aeronave sobrevoava áreas externas aos domínios do Irã. Semanas depois, as forças militares iranianas barraram um petroleiro da Inglaterra, aliada histórica dos Estados Unidos em assuntos externos, sob o pretexto de a embarcação ter se envolvido em um acidente com um barco de pesca local. Após esse evento, uma instalação de refino de petróleo da Arábia Saudita foi atacada, supostamente por drones iranianos (porém o Irã alegou que os ataques partiram de rebeldes do Iêmen, que lutam contra o governo daquele país, apoiado pelos sauditas...), o que afetou severamente os preços internacionais do petróleo, e levaram os Estados Unidos a subirem o tom das ameaças [a Arábia Saudita, assim como Israel, representa uma base importante de apoio para os estadunidenses no Oriente Médio].


Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/19/US_Navy_061031-N-3901L-023_Sailors_from_Mobile_Inshore_Undersea_Warfare_Unit_One_Zero_Five_%28MUIWU-105%29%2C_board_a_plane_to_deploy_to_the_5th_Fleet_area_of_responsibility_%28AOR%29_in_support_of_the_global_war_on_terrorism.jpg/800px-thumbnail.jpg > acesso em 12 jan. 2020

O envio de novas tropas para a Arábia Saudita, importante aliado no Oriente Médio, faz parte da guerra midiática travada atualmente entre os Estados Unidos e o Irã. Desde a Guerra Fria, governos entenderam que muitas vezes a propaganda que se faz do tamanho de seu poder bélico é capaz de provocar efeitos mais devastadores do que sua utilização efetiva nos campos de combate.

Seja como for, é mais um capítulo na enxurrada de acusações entre os governos dos dois países, e o governo do Irã anunciou no final de 2019 que não se vê mais obrigado a cumprir os termos do acordo nuclear firmado em 2015, e que reativaria as unidades de enriquecimento de urânio e retomaria o programa nuclear nacional, supostamente para fins pacíficos, e alegadamente pelos estadunidenses como sendo para fins militares. Em resposta, o governo americano anunciou o envio de milhares de soldados para as bases que mantém na Arábia Saudita, ampliando os rumores de um conflito eclodir na região.

Continua...



Nenhum comentário:

Postar um comentário