quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

GLOBALIZAÇÃO X CORONAVÍRUS CHINÊS


2019-nCoV: A MAIS RECENTE AMEAÇA DE PANDEMIA GLOBAL

- Por Éder Israel


Disponível em: <https://img.freepik.com/vetores-gratis/mapa-mundial-com-tecnologia-global-ou-rede-de-conexao-social-com-ilustracao-vetorial-de-nos-e-nos_1284-1968.jpg?size=626&ext=jpg> acesso em 25 jan. 2020

Por mais que a propaganda vendida pelo ideário da globalização seja de que a integração entre povos e espaços atue como ferramenta fundamental para a diminuição das disparidades socioeconômicas, a realidade tem mostrado que, por vezes, mais que os benefícios da modernidade, os malefícios da vida moderna tem se aproveitado desse processo integracional.

No atual estágio do processo de globalização das sociedades, é natural que as distâncias que separam os espaços se apresentem cada vez mais reduzidas, em decorrência da evolução massiva e constante dos meios de transportes e telecomunicações. Embora as distâncias físicas continuem praticamente as mesmas de milênios atrás (o movimento das placas tectônicas provoca uma mudança irrisória nessas distâncias no tempo histórico), o tempo gasto para percorrê-las tem se tornado cada vez mais diminuto, e no caso das informações, essa distância é percorrida quase que de modo instantâneo.

Assim, a globalização passa a se basear cada vez mais nos chamados fluxos, que se estabelecem pelas ( e para as) relações entre os espaços e os indivíduos, outrora isolados ou muito afastados. Porém, da mesma maneira que há fluxos extremamente positivos, como das informações, das tecnologias, dos capitais (...), fluxos negativos também se ampliam de modo exponencial nos últimos anos, como das drogas, das armas, do tráfico sexual, das doenças (...). Desse modo, a globalização e a formação da chamada aldeia global tende a aproximar os lugares e povos, possibilitando-lhes acessos aos benefícios da vida moderna, mas trazendo consigo as mazelas da atual sociedade humana.

Com a crescente velocidade e a intensidade dos deslocamentos materiais e imateriais entre os espaços, o mundo vive sob a ameaça constante de que qualquer problema de saúde pública de uma nação (ou mesmo de uma cidade) rapidamente se espalhe a nível planetário, fazendo com que uma epidemia de determinada enfermidade tenha condições de se tornar rapidamente uma pandemia global. O mundo já experimentou sucessivas vezes essa sensação de preocupação e alerta nesse início de século XXI, quando várias doenças regionalizadas em determinados espaços nacionais se espalharam para outros países e mesmo continentes, causando temor de uma infecção mundial. Portanto, em um mundo em que praticamente não exista mais o isolamento das sociedades, qualquer sinal de alerta das organizações de saúde deve ser observado com total atenção.


Disponível em: <https://media.graytvinc.com/images/Coronavirus5.jpg> acesso em 25 jan. 2020

O anúncio de um caso de infecção por uma cepa desconhecida do Coronavírus na cidade de Wuhan, na China, coloca o mundo em alerta para o risco de uma pandemia que poderia se espalhar rapidamente pelo mundo.

A Organização Mundial da Saúde – OMS emitiu um alerta no dia 31 de dezembro de 2019 , depois que a agência de saúde do Estado chinês informou a existência de casos de uma grave e misteriosa síndrome pulmonar na cidade de Wuhan, na porção Centro-Leste do país asiático. Imediatamente foi recomendado ao governo chinês o isolamento dos pacientes e o início das investigações das causas da infecção. Já no início de janeiro de 2020 as autoridades sanitárias chinesas anunciaram que a infecção estava sendo causada por uma cepa, até então desconhecida, do Coronavírus, que foi identificada como 2019-nCoV.

O segundo passo foi a identificação da origem da contaminação. Segundo o governo da China, os primeiros infectados tinham em comum o fato de frequentarem um grande mercado de frutos do mar na cidade de Wuhan, o que levou o governo a definir esse mercado como possível foco inicial da contaminação. No mercado da cidade, além dos peixes e frutos do mar, são comercializados ilegalmente animais selvagens, consumidos como iguarias culinárias por parte da população chinesa, como galinhas, morcegos, coelhos e cobras. Esses animais passaram a ser considerados possíveis reservatórios do vírus, e as pesquisas se concentraram nessa ideia.

O Coronavírus é conhecido das autoridades internacionais de saúde, e possui cepas identificadas que podem causar desde resfriados simples até graves pneumonias, como as que são observadas atualmente na China. Segundo as agências sanitárias, essa cepa, até então desconhecida, é muito próxima daquela que causou, na própria China, a epidemia de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS, na sigla em inglês) entre 2002 e 2003 e daquela outra que foi responsável pela Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS, na sigla em inglês) a partir de 2012, principalmente na Arábia Saudita. Geralmente os Coronavírus permanecem em animais infectados, e em certos casos, o contato direto entre esses animais infectados e seres humanos leva à contaminação das pessoas.

No caso da MERS, acredita-se que dromedários infectados transmitiram o Coronavírus MERS-CoV para pessoas no Oriente Médio, e depois de mutações virais passou a haver o contágio entre os próprios seres humanos, tendo a doença se espalhado pela região, causando a morte de aproximadamente 300 pessoas nos países infectados. No caso da SARS, acredita-se que gatos-almiscarados (provavelmente contaminados por morcegos), vendidos em mercados de animais selvagens na China, transmitiram o Coronavírus SARS-CoV para pessoas no país, e depois passou a haver o contágio entre os seres humanos. Diferentemente da MERS, a SARS se espalhou em larga escala para fora da Ásia, tendo causado a morte de mais de 800 pessoas no mundo.

As autoridades de saúde da China acreditam que morcegos ou cobras comercializadas no mercado de Wuhan tenham contaminado as pessoas que circulavam pelo espaço, e posteriormente essas pessoas contaminadas passaram a levar o vírus para fora do centro comercial. Um dos grandes problemas a respeito da proliferação da epidemia é o fato de que a cidade de Wuhan é uma grande metrópole, de aproximadamente 11 milhões de habitantes (maior que a população de cidades como Rio de Janeiro ou Nova Iorque). Além de ser um importante entreposto ferroviário, que faz a ligação entre as províncias litorâneas industrializadas da China e o interior agrícola do país, sendo rota de passagem de milhares de pessoas diariamente, o que potencializa as chances de dispersão do vírus.

Portanto, a cidade que é o grande epicentro da infecção do Coronavírus 2019-nCoV é também um importante elo nos transportes e na circulação de pessoas, tanto entre as regiões da China, como daquelas que chegam ou partem do país. O aeroporto internacional de Wuhan possui voos semanais regulares para a maioria das grandes capitais da Ásia e da Europa, o que aumenta ainda mais a dimensão da possível transmissão global do novo vírus. Junto à confirmação da primeira morte por conta da nova síndrome pulmonar, no dia 09 de janeiro de 2020 vieram as confirmações de casos da doença fora da China, inicialmente na Ásia e posteriormente nos Estados Unidos, e mais recentemente Europa e Austrália.


Adaptado de: <https://ca-times.brightspotcdn.com/dims4/default/5c938d6/2147483647/strip/true/crop/1356x1080+0+0/resize/840x669!/quality/90/?url=https%3A%2F%2Fcalifornia-times-brightspot.s3.amazonaws.com%2Ffd%2Ffd%2F5476f23f4b6fb532b486ec9892b6%2Fw10-la-sci-coronavirus-china-spreading.png> acesso em 25 jan. 2020

Em 24 de janeiro de 2020 haviam sido contabilizadas infecções em 11 países (para fins metodológicos, consideraremos Taiwan e Hong Kong como países, embora não o sejam), com 1315 casos confirmados e 41 mortes registradas (no período de elaboração do infográfico acima, os casos da Austrália e da França ainda não haviam sido confirmados).

O fato de a economia chinesa crescer em ritmo acelerado, associado à produção e exportação industrial maciça do país faz com que todo e qualquer acontecimento naquela nação se espalhe com vultosa rapidez pelo cenário global, e tem sido assim com o Coronavírus 2019-nCoV. Porém cabe ressaltar que as mercadorias industriais exportadas pela China não representam risco de contaminação, posto que a infecção se dá principalmente através do contato com secreções de indivíduos já infectados, liberadas por exemplo pela tosse ou pelo espirro. Portanto, a priori, a contaminação advém do contato direto ou indireto com organismos vivos e seus “derivados”.

Com a confirmação de casos em outras nações, os governos começaram a estabelecer ações de fiscalização e controle de seus fluxos transfronteiriços, principalmente nos aeroportos e estações ferroviárias. Países como a Itália e os Estados Unidos, assim como a própria China, têm utilizado scanners corporais e termômetros infravermelhos para a medição da temperatura das pessoas que chegam de áreas consideradas de risco ou já infectadas, uma vez que um dos principais sintomas aparentes das infecções por Coronavírus é a febre. Assim, busca-se a criação de uma triagem de casos suspeitos já na chegada aos países, para que não haja possibilidade imediata de contágio.


Disponível em: <https://www.sbs.com.au/news/sites/sbs.com.au.news/files/podcast_images/a_thermal_sensor_checks_body_temperatures_to_screen_for_the_coronavirus_at_seoul_airport_korea_aap.jpg> acesso em 25 jan. 2020

Scanners dotados de sensores termo sensíveis são utilizados para identificar pessoas que apresentam febre no desembarque de aviões e trens provenientes de áreas de risco de contaminação, tanto dentro quanto fora da China. Identificar os casos de infecção com rapidez é vital para o socorro às vítimas e para controle da proliferação do Coronavírus 2019-nCoV.

No caso chinês, o Estado estabeleceu ações emergenciais de grande porte, principalmente vinculadas à contenção da proliferação do vírus, tendo sido decretado o estado de quarentena nas cidades de Wuhan (primeiro local da infecção) e nas vizinhas Huanggang e Ezhou, todas localizadas na província de Hubei. Nessas localidades, os sistemas de transportes públicos, assim como locais de grandes aglomerações humanas, tiveram suas atividades suspensas por tempo indeterminado a partir de 23 de janeiro de 2020. A busca dessa quarentena é evitar que o vírus se espalhe ainda mais.

Juntamente a essas ações de isolamento o governo chinês deu início também a grandes investimentos em estruturas destinadas ao controle e combate ao novo vírus. Como a metrópole de Wuhan encontra-se isolada pela quarentena, e seus hospitais já estão superlotados, é necessária a construção de novos centros médicos emergenciais para atender à demanda local. Assim, em 23 de janeiro iniciaram-se as obras de um novo hospital, com 1.000 leitos que serão dedicados exclusivamente ao tratamento dos casos da nova infecção. A previsão é que o hospital seja inaugurado em 3 de fevereiro, apenas 10 dias após o início das obras. Cabe ressaltar que em 2003, o ápice da epidemia do Coronavírus SARS-CoV, foi erguido em Xangai outro hospital emergencial também em apenas 10 dias para tratamento dos infectados.

Por hora existe um esforço global em prol de dois objetivos principais, sendo o primeiro a contenção da infecção pelo novo vírus, e o segundo é a busca de uma vacina contra essa nova cepa do Coronavírus. Um dos grandes problemas de cepas desconhecidas de vírus, como nos casos do MERS-CoV, do SARS-CoV e do 2019-nCoV é que como ainda não havia contato deles com o organismo humano, portanto, não possuímos imunidade natural a eles; assim, as vacinas se tornam vitais para reduzir as mortes e a infecção. As agências de saúde pública e centros de pesquisas sanitárias da China realizaram rapidamente o sequenciamento genético do novo vírus e o divulgou em um banco de dados público, permitindo que outros governos e principalmente laboratórios privados iniciem pesquisas a respeito de possíveis vacinas e tratamentos, uma vez que atualmente os pacientes estão sendo tratados com os antivirais existentes, de acordo com os sintomas apresentados.

Outra grande preocupação do governo do país asiático é com as festividades do ano novo do calendário chinês, comemoradas a partir do dia 25 de janeiro, quando centenas de milhões de pessoas circulam pelo país, durante o período de férias. Estima-se que nesse período ocorra o maio fluxo migratório do mundo contemporâneo, e em um quadro de grave epidemia como o atual, os riscos de contaminação seriam incalculáveis e o número de infectados poderia atingir cifras inimagináveis. Grandes cidades do país, como Pequim, cancelaram as comemorações (que durariam uma semana), o que deve se estender por grande parte do território nacional, principalmente após a declaração do Primeiro Ministro, Xi Jinping, que no dia 25 de janeiro afirmou publicamente que a situação nacional é séria e que o surto está se acelerando dentro da China.

Se essa nova contaminação pode ou não se tornar uma pandemia global, apenas a velocidade nos resultados das pesquisas acerca de tratamento e erradicação será capaz de responder. Mas, do mesmo modo dos episódios anteriores, como a SARS em 2003, o vírus H1N1 (gripe suína) em 2009, a MERS em 2012, o EBOLA em 2013, dentre outros, o mundo precisa cada vez mais estar em estado de alerta, posto que os fluxos materiais observados na moderna globalização intensificam todas as possibilidades de intercâmbio entre os espaços e os povos, e as doenças infectocontagiosas não se fazem exceção a essas circulações contemporâneas. Os vírus têm sofrido mutações em ritmo cada vez mais veloz e se espalhado para locais antes impensáveis, ao passo que contaminações têm se tornados epidemias com mais frequência, e o risco de pandemias se mostra cada vez mais real e próximo.

Obs: Por tratar-se de uma epidemia em crescimento, os números de casos confirmados e de mortes aqui mencionados estarão (infelizmente) menores que os números atualizados na data de publicação desse texto.

domingo, 26 de janeiro de 2020

TENSÕES POLÍTICAS ENTRE ESTADOS UNIDOS E IRÃ - Parte V



A ESCALADA NAS TENSÕES POLÍTICAS ENTRE ESTADOS UNIDOS E IRÃ

Parte V: Petróleo, poder ou votos?

Por Éder Israel


Disponível em: <https://media.washtimes.com/media/image/2019/06/19/6_192019_b3-thom-war-iran-gg8201.jpg> acesso em 12 jan. 2020

Em meio à escalada das tensões entre Estados Unidos e Irã, além dos interesses econômicos envolvidos com uma possível intervenção militar no Oriente Médio, devemos analisar também a componente política associada a tal contexto. 2020 é ano eleitoral na nação americana, e a mídia tem peso vital na corrida presidencial do país.

Donald Trump não alcançou a presidência dos Estados Unidos por conta de sua vasta carreira política [até porque ela não existe] e nem pela sua experiência em gestão pública [pois ela é tão grande quanto sua carreira política...]. O empresário bem sucedido, membro do Partido Republicano assumiu o poder após oito anos da administração Barack Obama, do Partido Democrata. Foi notória a ênfase social e diplomática dada às ações de governo durante a gestão Obama, e isso acabou criando uma certa insatisfação econômica na classe empresarial nacional. Eleger um homem de negócios se mostrava em 2016 uma boa alternativa para essa classe, e Trump era a pessoa certa para o projeto.

Trump foi eleito com um discurso nacionalista inflamado e entoando em toda oportunidade que tinha na mídia o slogan “Make America great again”. Era a versão republicana do “Yes, we can!” de Obama... Porém a “América grande novamente” representou um retorno à velha política republicana dos tempos de George W. Bush, em que o lobby das indústrias armamentistas [nas corridas eleitorais estadunidenses, apenas a indústria farmacêutica “doa” mais dinheiro para as campanhas...] muitas vezes direciona as decisões políticas internas (relativas ao direito civil de posse e porte de armas) e externas (relativas às intervenções militares em outras nações) [leia-se Oriente Médio]. Durante a primeira metade de seu governo, bastou ao presidente inflamar a “plateia” com as ações de retirar os Estados Unidos de acordo internacionais ou prometer barrar os mexicanos com um muro fronteiriço.

Mas quando a reeleição bate às portas, você precisa ir além dos discursos e alcançar ações efetivas. A classe empresarial não quer apenas aplaudir o presidente na TV, ela quer também ganhar dinheiro, e como a indústria armamentista é quem paga grande parte da brincadeira, ela precisa de conflitos para vender armas, ela precisa de instabilidades que criem rumores de guerra, que a população se sinta alarmada a ponto de precisar comprar mais armas para se sentir segura... Assim, o Oriente Médio é a região ideal para colocar essas ações em prática, pois uma região que vive em (semi)ebulição não requer tanta coisa para voltar a ferver.


Disponível em: <http://info7rm.blob.core.windows.net.optimalcdn.com/images/2017/12/06/trump-jerusalem.jpg> acesso em 13 jan. 2020

A mudança da embaixada estadunidense em Israel da capital Tel Aviv para a cidade de Jerusalém (em litígio por israelenses e árabes desde a fundação do Estado judeu) reacendeu disputas regionais entre esses dois grupos, e enfureceu grupos como o Hamas (que atua na Faixa de Gaza) e o Hezbollah (que atua no Líbano). Estava lançada a instabilidade midiática.

Aumentando-se as tensões no Oriente Médio a partir da transferência da embaixada em Israel, os Estados Unidos jugaram ser necessário o envio de mais aparato militar para a região, sob a justificativa de proteger os judeus dos árabes enfurecidos (e não se posicionar próximo às fronteiras do Irã, para uma possível intervenção...). A indústria armamentista, a sociedade conservadora estadunidense e o movimento sionista aplaudem a decisão. Mas a massa popular dos Estados Unidos [não confunda massa popular com  população pobre...] ficou receosa, pois os grupos árabes ameaçaram ataques e retaliações à essa ação. Faltava o governo combater um inimigo perigoso para que a população apoiasse o presidente que a manteve segura. Isso gera muitos votos...

Assim, no final de 2019, o exército dos Estados Unidos em resposta à população temerosa, realizou uma operação secreta no território da Síria, na qual foi morto Abu Bakr al-Baghdadi, líder do grupo terrorista Estado Islâmico (atualmente tratado como Daesh). A morte de al-Baghdadi fecha um ciclo de caçadas a lideranças terroristas árabes, iniciado pela Guerra ao Terror de George W. Bush a partir de 2001 [lembre-se que mencionamos que a política externa de Donald Trump é a retomada da Doutrina Bush...]. A operação militar estadunidense no território sírio reforça ainda mais a presença da potência ocidental no Oriente Médio, e os rumores de um conflito seguem aumentando mas ele não se inicia de fato.

Trump tem um dilema preocupante em sua cabeça, pois por um lado a pressão e o lobby da indústria armamentista reforçam a necessidade de intervenções militares de grande envergadura, mas por outro lado, a população [leia-se eleitores] criaram uma resistência a essas intervenções durante a Era Bush, em decorrência do elevado número de mortes de soldados nos campos de batalha do Oriente Médio durante a Guerra ao Terror. A preocupação de Trump deve ser praticar uma ação de deixe claro que haverá beligerância (o que agrada aos empresários e investidores de campanha), e em seguida fazer um discurso midiático, de que defende a liberdade, a democracia e a paz mundial (o que agrada a massa eleitoral estadunidense). E provavelmente será nesse processo que a inexperiência política do presidente pode fazer a situação fugir do controle.

Soma-se a esse dilema pré-eleitoral as acusações de que Donald Trump teria feito uso ilegal de suas atribuições presidenciais para pressionar mandatários e representantes políticos de outras nações, em especial o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, ao qual solicitou em um telefonema que investigasse a família de Joe Biden, vice presidente de Barack Obama e pré candidato do Partido Democrata para uma possível disputa presidencial com Trump em 2020. Após virem a tona as acusações e os depoimentos comprovando o referido telefonema, foi aberto o processo que pede o impeachment do presidente estadunidense, tendo sido o mesmo aprovado pela câmara, mas dificilmente será aprovado pelo senado, onde os republicanos são a maioria. Mas o desgaste eleitoral foi estabelecido... Assim, entra em cena o perfil do político midiático moderno, o qual sempre que aparece um fato que coloca em cheque sua competência ou honestidade, busca a criação de um fato novo, uma notícia bombástica que ocupe todo o espaço na imprensa e lance uma cortina de fumaça sobre as acusações. Era preciso inundar os meios de telecomunicação com algo novo que tirasse o espaço das notícias do impeachment.


Disponível em: <https://www.counterpunch.org/wp-content/dropzone/2020/01/Qasem_Soleiman_in_NAC_conference.jpg> acesso em 13 jan. 2020

No início de 2020 o exército dos Estados Unidos realizou uma operação militar no território iraquiano, na qual foi morto o General da Guarda Revolucionária Iraniana, Qasem Soleimani, responsável pela Força Quds, uma divisão especial para a realização de operações secretas fora do Irã.

Segundo o governo dos Estados Unidos, Soleimani era responsável por ações terroristas realizadas pelo governo iraniano fora do país, além de prestar apoio a grupos como o Hamas, na faixa de Gaza e o Hezbollah, no Líbano. A morte do General iraniano seria a continuação da eliminação de lideranças inimigas aos estadunidenses, como Saddam Hussein (morto na administração Bush) Osama Bin Laden (morto durante a administração Obama) e Abu Bakr al-Baghdadi (morto durante a administração Trump). É o tipo de evento que causa grande comoção e demonstra que o governo do país está disposto a combater os inimigos que ameaçam à população, uma cortina de fumaça e tanto para tirar da mídia as acusações contra o presidente...

A justificativa para a ação militar realizada é de que o líder da força militar iraniana estaria no país vizinho planejando uma ação terrorista contra as tropas americanas, que se encontram no país desde a sua ocupação em 2004. Ora, Donald Trump supostamente realizou uma ação militar em território iraquiano, invadido pelos estadunidenses, para defender o Iraque de uma invasão do Irã [é tipo matar alguém para impedir que ele morra...]. Porém dessa vez o impacto seria ainda maior no Irã do que nos Estado Unidos. A notícia da morte do líder militar (terceira figura mais importante do país, abaixo apelas do aiatolá Khamenei e do presidente Hassan Rouhani) gerou grandes manifestações de apoio ao governo da República islâmica e de ódio ao governo estadunidense. A população e o governo iraniano exigiam uma resposta rápida e contundente ao assassinato.


Disponível em: <https://sa.kapamilya.com/absnews/abscbnnews/media/2020/afp/01/04/ayatollah-ali-khamenei.jpg> acesso em 13 jan. 2020

Há uma proximidade muito grande entre as lideranças políticas e religiosas iranianas, personificadas pelo aiatolá Khamenei na atualidade e as forças militares do país, principalmente a Guarda Revolucionária, criada pelo aiatolá Khomeini em 1979. Soleimani era uma das figuras mais fortes dentro do governo do Irã, e os desdobramentos de sua morte são ainda incertos.

A resposta militar do Irã veio logo em seguida, com o lançamento de mísseis contra bases militares no Iraque que abrigam tropas e equipamentos do exército dos Estados Unidos. Supostamente não houveram vítimas fatais, mas foi um prenúncio de que o governo Iraniano pode responder militarmente às ações empreendidas pelos estadunidenses no Oriente Médio. Entretanto, o fato de as ações das forças militares dos dois países estarem acontecendo no território iraquiano traz ainda mais instabilidade para a região. Relembre que iraquianos e iranianos já estiveram em guerra por 8 anos na década de 1980 e o conflito terminou sem nenhum vencedor...

Ainda em janeiro de 2020 a notícia da queda de um avião comercial ucraniano com 176 pessoas a bordo (todas morreram) no território iraniano lançou fortes suspeitas sobre as causas reais do evento. O Irã, responsável pelas investigações afirmou que uma falha mecânica havia causado a queda da aeronave, porém se recusou a entregar as “caixas pretas” com os dados do voo até a queda para a Boeing (fabricante da aeronave) ou para o governo dos Estados Unidos (país sede da fabricante do avião). O governo estadunidense afirmava que o exército da república islâmica teria derrubado a aeronave, o que foi negado com veemência pelo governo do país asiático. Dias depois, a TV estatal iraniana divulgou um comunicado, no qual o governo do país admitia que militares atingiram com um míssil o avião ucraniano por engano, provocando a sua queda e a morte de todos os passageiros e tripulantes a bordo.

Por um lado o governo do Irã afirma que investigará e punirá todos os responsáveis pelo ocorrido, por outro lado nações europeias exigem que o país asiático traga a público a verdade das investigações, sob a ameaça de impor novas e pesadas sanções aos iranianos e tem-se ainda a população, que começa a se manifestar nas ruas contra o governo, acusando-o de tentar esconder os fatos em relação à tragédia (grande parte dos passageiros do avião era iraniana). As manifestações populares se dirigem contra a figura do presidente do país, a liderança religiosa do aiatolá e contra as forças armadas, em especial a Guarda Revolucionária. Dadas as devidas proporções e diferenciações, foi exatamente assim que iniciou a onda de revoltas contra as lideranças políticas na chamada Primavera Árabe de 2011, com manifestações contra um governo autoritário e com apoio de nações ocidentais. Porém, apenas o tempo dirá se estamos prestes a ver uma nova guerra no Oriente Médio, ou mais uma ameaça que não se transforma em conflito ou ainda uma inimaginável “Primavera Persa”...


quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

TENSÕES POLÍTICAS ENTRE ESTADOS UNIDOS E IRÃ - Parte IV



A ESCALADA NAS TENSÕES POLÍTICAS ENTRE ESTADOS UNIDOS E IRÃ

Parte IV: Os efeitos da administração Donald Trump

Por Éder Israel


Disponível em: <https://www.kurdistantv.net/sites/default/files/2018-06/yyran_lydwanhkany_poempyoe_shbarht_bh_rybhr_w_hkwmhty_yymh_bybnhma_w_droeynn.jpeg> acesso em 12 jan. 2020

Durante a administração Barack Obama (2009 - 2017) a política externa dos Estados Unidos foi claramente centrada na diplomacia e no debate de temas de interesse comum, evitando em muitas oportunidades instabilidades internacionais. Porém, com a chegada de Donald Trump ao poder em 2017, a política externa do país se parece a cada dia mais com aquela empregada por George W. Bush a partir de 2001.

Após a ratificação do Acordo Nuclear do Irã em 2015, a situação geopolítica entre o país asiático e os Estados Unidos passou por um curto período de relativa tranquilidade, embora houvesse de ambos os lados a desconfiança se a contraparte iria ou não de fato respeitar seus compromissos, mas mesmo sem a materialização esperada, o contexto pós acordo foi bem menos turbulento que as rusgas e arengas entre Mahmoud Ahmadinejad e George W. Bush. Porém, a eleição presidencial de 2016 na potência americana iria ruir qualquer base, ainda que frágil, da politica externa e diplomacia estadunidense. Donald Trump trouxe na bagagem a combinação explosiva de inexperiência política com apreço midiático.

A administração Trump retoma o diálogo intervencionista em relação aos países do Oriente Médio, tendo como justificativa teórica a garantia da segurança e o reconhecimento do Estado de Israel, além da reedição da chamada Guerra ao Terror, visando teoricamente combater a ação de organizações terroristas que atuam na região. Mas sabe-se [como sempre se soube] que a quase totalidade das ações das potências ocidentais no Golfo Pérsico tem como interesse principal o controle a produção de petróleo para o mercado global. Portanto podemos afirmar que durante o governo George W. Bush a postura estadunidense se baseou no intervencionismo externo e nas ações militares, posteriormente o governo Barack Obama adotou uma política pautada no diálogo e na diplomacia, reaproximando os Estados Unidos do restante do mundo e na atualidade, o governo Donald Trump retoma a postura da Doutrina Bush e dá sinais claros que a política externa estadunidense retornará ao intervencionismo, e a instabilidade voltará [leia-se ampliará] ao Oriente Médio.

A postura adotada por Donald Trump em suas ações governamentais criou um conceito novo, popularizado pela Ciência Geográfica moderna, chamado “desglobalização”. Na verdade a tal “desglobalização” é aquilo que até alguns anos atrás era chamado de isolacionismo político, quando uma nação começa a romper acordos e compromissos internacionais e a adotar posturas políticas unilaterais, tal como fez George W. Bush ao invadir o Iraque sem o consentimento do Conselho de Segurança da ONU. É basicamente a mesma coisa que a administração Trump tem feito ao ameaçar intervir militarmente no Irã ou na Palestina, ou mesmo a decisão de transferir a embaixada estadunidense em Israel da cidade de Tel Aviv para Jerusalém, considerando formalmente a cidade em questão como capital do Estado judeu. Todas essas são posturas unilaterais, que no passado chamávamos de isolacionismo e no presente “gourmetizaram” sob o nome de “desglobalização”.



Disponível em: < https://media3.s-nbcnews.com/j/newscms/2018_31/2426121/180509-trump-iran-mc-742_1208f3ad933226f426421bd0f996a2a8.fit-760w.JPG > acesso em 12 jan. 2020

A atitude isolacionista [se preferir, desglobalizante] de Donald Trump se manifesta na assinatura de decretos que vão contra a ordem natural da integração global, como a saída do Acordo Nuclear do Irã (criado pelo P5+1), a saída do Acordo Climático de Paris (que ampliava as propostas do Protocolo de Kyoto), a saída do Conselho dos Direitos Humanos da ONU.

Quando os Estados Unidos formalizam em 2018 sua saída do acordo nuclear negociado a partir de 2013 com o Irã, o governo americano está oficialmente se desobrigando a cumprir os termos e responsabilidades assumidos quando da sua assinatura, que se referem à retirada das sanções econômicas nas relações comerciais com o país comandado pelo aiatolá Khamenei. Porém, a adoção de uma postura unilateral por uma das partes implica na adoção da mesma postura pela parte oposta, logo, o governo iraniano se vê também desobrigado a cumprir seus compromissos no acordo, que se referiam à redução do enriquecimento de urânio e à liberação da visita de inspetores internacionais. Ou seja, as sombras da incerteza novamente pairam sobre as intenções do programa nuclear da República Islâmica.

O modo de governar do presidente Trump deu origem novamente à troca de ofensas de ambos os lados [acalmada desde a saída da dupla Ahmadinejad e Bush do poder], lançando bases que trazem mais uma vez o contexto das intervenções ocidentais no Oriente Médio. Porém, como mencionado, a política externa unilateral adotada pela Casa Branca não favorece à criação de uma coalizão que una esforços em uma campanha militar, ou seja, se os estadunidenses quisessem de fato atacar o Irã teriam que fazer isso sozinhos [ou quase], com duas dúvidas latentes: a primeira, se o país asiático possui ou não armas atômicas [definitivamente não compensa pagar para ver...] e a segunda, se uma intervenção ocidental não poderia aproximar persas iranianos dos árabes do Oriente Médio, em uma força de resistência ou pior, em uma força de ataque contra Israel, aliado dos Estados Unidos. São muitas variáveis envolvidas para alguém arriscar dar o primeiro passo.

Na falta de comprovação acerca das motivações militares do programa nuclear iraniano, a potência americana precisa de outra justificativa na qual possa se basear para (re)impor as sanções econômicas e comerciais à República Islâmica e quem sabe para sustentar as motivações para uma intervenção militar, sem o aval do Conselho de Segurança da ONU. Trump recorre ao que já está pronto, à boa e velha Doutrina Bush... Lembre-se que o Irã foi colocado no chamado “Eixo do Mal”, grupo de nações que são acusadas de apoiar organizações terroristas; pois bem, o governo estadunidense passa a classificar a Guarda Revolucionária Iraniana [grupo de elite do exército do país] como organização que promove e apoia atos terroristas, e portanto teria que ser combatida pelos Estados Unidos, para que a paz e a segurança voltassem a reinar no mundo [é...].


Disponível em: <https://a57.foxnews.com/media2.foxnews.com/BrightCove/694940094001/2019/06/21/931/524/694940094001_6050822982001_6050822507001-vs.jpg?ve=1&tl=1> acesso em 12 jan. 2020
A importância estratégica do Estreito de Ormuz para o mundo dá ao Irã uma carta na manga valiosa para os embates geopolíticos do mundo moderno, posto que essa importante rota petrolífera tornaria muito fácil a realização de um bloqueio, que afetaria imediatamente o preço global do petróleo e toda a economia baseada nesse recurso.

Já em 2019 os Estados Unidos afirmaram que a Guarda Revolucionária Iraniana seria responsável pelos ataques a dois navios petroleiros que cruzavam o Golfo de Omã, próximo ao Estreito de Ormuz (importante rota comercial para o petróleo exportado pelo Golfo Pérsico). Como se trata de um ponto estratégico para a economia moderna, posto que por ali passe cerca de 30% de todo o petróleo consumido no mundo, o Irã, país com a maior zona costeira no estreito, ameaça frequentemente bloquear essa rota marítima, o que ocasionaria prejuízos desmedidos ao capitalismo. Sistematicamente as embarcações da força militar de elite iraniana são avistadas realizando manobras na região, o que aumenta ainda mais a constante tensão nessa área.

O grau da tensão se tornou ainda mais alto na semana seguinte aos supostos ataques aos petroleiros do Japão e da Noruega, quando um drone de vigilância dos Estados Unidos, avaliado em cerca de 120 milhões de dólares, foi abatido pela Guarda Revolucionária Iraniana, enquanto sobrevoava a região do Golfo Pérsico. Segundo a força militar do Irã, a aeronave invadiu o espaço aéreo iraniano, segundo os Estados Unidos a aeronave sobrevoava áreas externas aos domínios do Irã. Semanas depois, as forças militares iranianas barraram um petroleiro da Inglaterra, aliada histórica dos Estados Unidos em assuntos externos, sob o pretexto de a embarcação ter se envolvido em um acidente com um barco de pesca local. Após esse evento, uma instalação de refino de petróleo da Arábia Saudita foi atacada, supostamente por drones iranianos (porém o Irã alegou que os ataques partiram de rebeldes do Iêmen, que lutam contra o governo daquele país, apoiado pelos sauditas...), o que afetou severamente os preços internacionais do petróleo, e levaram os Estados Unidos a subirem o tom das ameaças [a Arábia Saudita, assim como Israel, representa uma base importante de apoio para os estadunidenses no Oriente Médio].


Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/19/US_Navy_061031-N-3901L-023_Sailors_from_Mobile_Inshore_Undersea_Warfare_Unit_One_Zero_Five_%28MUIWU-105%29%2C_board_a_plane_to_deploy_to_the_5th_Fleet_area_of_responsibility_%28AOR%29_in_support_of_the_global_war_on_terrorism.jpg/800px-thumbnail.jpg > acesso em 12 jan. 2020

O envio de novas tropas para a Arábia Saudita, importante aliado no Oriente Médio, faz parte da guerra midiática travada atualmente entre os Estados Unidos e o Irã. Desde a Guerra Fria, governos entenderam que muitas vezes a propaganda que se faz do tamanho de seu poder bélico é capaz de provocar efeitos mais devastadores do que sua utilização efetiva nos campos de combate.

Seja como for, é mais um capítulo na enxurrada de acusações entre os governos dos dois países, e o governo do Irã anunciou no final de 2019 que não se vê mais obrigado a cumprir os termos do acordo nuclear firmado em 2015, e que reativaria as unidades de enriquecimento de urânio e retomaria o programa nuclear nacional, supostamente para fins pacíficos, e alegadamente pelos estadunidenses como sendo para fins militares. Em resposta, o governo americano anunciou o envio de milhares de soldados para as bases que mantém na Arábia Saudita, ampliando os rumores de um conflito eclodir na região.

Continua...



domingo, 19 de janeiro de 2020

TENSÕES POLÍTICAS ENTRE ESTADOS UNIDOS E IRÃ - Parte III



A ESCALADA NAS TENSÕES POLÍTICAS ENTRE ESTADOS UNIDOS E IRÃ

Parte III: O país Persa cada vez mais controlado pelos Árabes

Por Éder Israel


Disponível em: <http://cornellilj.org/wp-content/uploads/2018/01/maxresdefault_52.jpg> acesso em 12 jan. 2020

O fortalecimento geopolítico que o Irã acredita estar obtendo após a Revolução Xiita, combinado com a certeza que as demais nações tem da não ameaça regional representada por essa República Teocrática, começam a nutrir uma dicotomia que tem tudo para não dar nada certo ou para dar muito errado...

A ampliação gradativa e natural do poder político do aiatolá Khomeini, uma possível aproximação do ideário iraniano aos demais países vizinhos começa a preocupar as nações ocidentais, principalmente em decorrência do impacto que isso traria ao mercado global de petróleo, uma vez que a grande maioria desse recurso consumido no mundo moderno provém do Oriente Médio. Outro ponto preocupante nessa nova geopolítica que se desenha é a postura iraniana em relação ao Estado de Israel [lembre-se que no período da monarquia do Xá Reza Pahlavi mencionamos que o Irã se mantinha de certo modo aquém dessas discussões]. O governo Xiita que se instaura na República Iraniana é veementemente contra a existência do Estado judeu nas terras palestinas, e isso ainda será a causa de muita dor de cabeça no futuro.

Porém, a morte de Khomeini em 1989 cria uma série de expectativas a respeito da transição religiosa e política do país, principalmente do modo como o Estado seria conduzido pelo novo aiatolá. Era de fato um período de grandes mudanças e transformações na geopolítica mundial, com a queda do Muro de Berlim na Alemanha, o inicio do esfacelamento da União Soviética e a Guerra Fria dando sinais claros de que seria brevemente superada. Cabe ressaltar que havia no Estado iraniano a figura do aiatolá, líder supremo dos poderes político e religioso, mas abaixo dessa liderança havia a figura de um presidente, mera formalidade, uma vez que na prática, durante os anos de Khomeini ele centrava em si todo o poder decisório. Assim, a tendência natural é que o então presidente (aliado de confiança do aiatolá) assumisse o cargo de líder supremo do país, e foi exatamente o que se observou, quando Ali Hossayn Khamenei (presidente iraniano entre 1981 e 1989) ascende ao cargo de aiatolá iraniano [para fins metodológico nos referiremos a ele a partir de agora apenas como aiatolá Khamenei].


Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/90/Portrait_of_Ali_Khamenei%2C_1985_%282%29.jpg> acesso em 12 jan. 2020

Ao assumir o poder supremo no Irã, o novo aiatolá, Ali Khamenei demonstra que as mudanças esperadas pelo ocidente na condução política do país não seriam de fato vislumbradas. Fiel ao ideário de Khomeini, a nova liderança manteria os mesmos posicionamentos do governo após a revolução em 1979.

Seu histórico regresso com presidente iraniano durante o período de liderança suprema do aiatolá Khomeini, trouxeram a Khamenei a experiência administrativa que faltava a seu antecessor, posto que ao assumir o poder no Irã após a revolução, Khomeini não possuía vasta [ou nenhuma] experiência política, o que lhe trouxe a necessidade de aparelhar a república com a figura de um presidente. O novo aiatolá [embora continuasse a existir o presidente] acabou por aglomerar em si grande parte do poder nacional, mais até do que o antigo líder. Indiscutivelmente, o aiatolá Khomeini desempenhava uma liderança carismática sobre a população, que falta a Khamenei, porém o atual líder supremo compensa essa falta com o entendimento político que os anos de presidência lhe garantiram. Até certo ponto exageradamente, mas não totalmente irreal, podemos conceber que a figura do presidente iraniano na atualidade é mais simbólica do que factual [a decisão final é sempre do aiatolá].

A participação ativa no governo durante a era Khomeini garantiu a Khamenei uma rede importante de relações e influências dentro da administração iraniana, com destaque para a proximidade com a Guarda Revolucionária Iraniana, supervisionada por ele antes e depois de assumir a presidência do país [lembre-se que já mencionamos que a Guarda Revolucionária Iraniana encontra-se no epicentro da atual crise com os Estados Unidos. Vá guardando essas informações...]. Com uma liderança tão proeminente exercendo os cargos de chefe político e religioso, nenhum presidente iraniano conseguiu sair da sombra do aiatolá Khamenei, tendo sido os governos de Ali Akbar Hashemi Rafsanjani (1989 – 1997) e de Seyed Muhammad Khatami (1997 – 2005) de pouco peso na geopolítica regional, posto que a figura de Khamenei ocupava todo o cenário político iraniano. Mas nesse meio tempo faz-se necessária a análise do início do século XXI, posto que esse momento trará o acirramento atual entre Estado Unidos e Irã, nesse contexto as desavenças começam a tomar forma de possível conflito militar.


Disponível em: <https://media.elobservadordelsur.com/adjuntos/247/imagenes/000/089/0000089714.jpg> acesso em 12 jan. 2020

Os atentados terroristas contra os Estados Unidos em 11 de setembro de 2001 provocaram uma profunda mudança na política externa da potência americana, tendo o então presidente, George W. Bush lançado a chamada “Guerra ao Terror”, com intervenções militares e imposição de sanções econômicas contra nações acusadas de apoiar grupos terroristas, dentre elas o Irã.

Após a realização dos ataques do grupo terrorista Al-Qaeda, liderado por Osama Bin Laden, contra alvos políticos, militares e civis dentro do território dos Estados Unidos, o país lança a chamada Doutrina Bush, que tinha como justificativa o combate ao terrorismo e ao extremismo religioso, principalmente no Oriente Médio. Como alvos diretos o governo Bush agrupou seus quatro desafetos principais, Afeganistão, Iraque, Irã e Coreia do Norte, no que ficou conhecido como “Eixo do Mal”. A ofensiva militar se iniciou com a invasão do Afeganistão, ainda em 2001, seguida pela ocupação do Iraque em 2004, enquanto contra o Irã e a Coreia do Norte foram impostas apenas sanções econômicas. [Vai parecer repetitivo, e de fato é... mas devemos nos lembrar que em 1979 a URSS invadiu o Afeganistão e os Estados Unidos apoiaram grupos insurgentes afegãos, que expulsaram os soviéticos em 1989. Uma das lideranças principais desses insurgentes era Osama Bin Laden, treinado, financiado e apoiado pelo governo estadunidense. Novamente o aliado do passado é o arqui-inimigo do presente...]

No caso do Irã, os Estados Unidos possuíam uma combinação de fatores que levavam a considerar o país asiático como uma ameaça a seus interesses. Em primeiro lugar, desde a revolução de 1979 as lideranças xiitas do país consideravam a potência americana um inimigo público da fé islâmica. Em segundo lugar, o governo dos aiatolás dificultava o acesso estadunidense à produção de petróleo iraniana (cabe destacar que o irã possui a segunda maior reserva global em volume de produção). Em terceiro lugar o governo iraniano estaria supostamente investindo em um programa nuclear para fins militares, mesmo sendo signatário do Tratado de Não-Proliferação Nuclear - TNP, em vigor desde 1970. O governo iraniano negava o uso de atomística para produção de bombas atômicas.

Aliás, a questão nuclear iraniana é um assunto controverso, para se dizer o mínimo... Os investimentos do país nessa tecnologia foram iniciados ainda durante o governo do Xá Reza Pahlavi na década de 1950, como parte de um grande acordo internacional chamado de “Programa Átomos para a Paz” [não ria...], defendido, apoiado e financiado pelos Estados Unidos [não ria...]. Pois bem, o Irã agora governado por desafetos declarados dos estadunidenses estaria desenvolvendo tecnologia para a criação de uma bomba atômica, o que traz consigo dois problemas centrais: Sendo signatário do TNP, o país asiático se comprometeu a não desenvolver tais armamentos, e estaria portanto infringindo uma regra internacional, estando sujeito a punições, que poderiam ir de sanções econômicas até intervenções militares. Além disso, o governo iraniano afirmou repetidas vezes que é totalmente contrário à existência do Estado de Israel na região, e a posse desse tipo de armamento colocaria os israelenses (importantes aliados dos Estados Unidos) em risco iminente de ataque. Publicamente, o próprio aiatolá Khamenei já afirmou repetidas vezes que o holocausto nunca existiu...


Disponível em: <https://editorart.files.wordpress.com/2010/08/mahmoud_ahmadinejad1.jpg> acesso em 12 jan. 2020

A situação entre Estados Unidos e Irã se torna ainda mais complexa a partir de 2005, quando Mahmoud Ahmadinejad se torna presidente do país. Diferentemente de seus dois antecessores, Ahmadinejad não permanecerá envolto nas sombras da figura do aiatolá supremo. O novo presidente iraniano é midiático e incisivo nos ataques públicos ao governo estadunidense.

Mahmoud Ahmadinejad é um importante aliado do aiatolá Khamenei, se assim não o fosse, dificilmente teria ascendido ao posto presidencial do Irã. Na realidade a aparente bravata do presidente se trata do fato de ele assumir o papel de interlocutor público do líder supremo, muitas vezes falando aquilo que o aiatolá não falaria ou fazendo aquilo que o grande líder não se prestaria a fazer. Mahmoud seria de certo modo a voz de Khamenei fora do Irã, uma vez que o aiatolá não viaja para fora do país... Com carta branca para falar suas bravatas em nome da república, o presidente se torna um dos principais personagens da geopolítica do Oriente Médio no início do século XXI, travando por várias vezes debates acalorados e trocas de ameaças diversas com o então presidente George W. Bush, mas a maioria dos insultos e ameaças raramente passaram do nível da verbalização.

Porém, de um jeito ou de outro o programa nuclear iraniano seguiu, apesar de todas as pressões externas e das sucessivas sanções econômicas impostas ao país pela Organização das Nações Unidas – ONU e pela Organização Mundial do Comércio – OMC. Apesar de ser de conhecimento público que o país asiático estivesse realizando pesquisas atômicas, explorando reservas próprias de urânio e realizando enriquecimento do combustível, os organismos internacionais não conseguiram de fato provar o uso desses recursos ou suas motivações para os campos militares, por isso (em grande parte) o país não foi invadido pelas forças armadas estadunidenses ou de seus aliados. Do mesmo modo que os discursos afiados do presidente iraniano não criaram um conflito bélico com os países ocidentais, eles dificultaram qualquer tentativa de estabelecimento de um acordo internacional que diminuísse as sanções econômicas impostas ou reconhecesse as intenções civis do programa nuclear do Irã.


Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/14/Hassan_Rouhani.jpg > acesso em 12 jan. 2020

Após o período Ahmadinejad, agora sob a presidência do moderado Hassan Rouhani o Irã reabre os debates com as lideranças ocidentais e os organismos internacionais, criando possibilidades para a superação das incertezas quanto ao programa nuclear do país e a suspensão das sansões econômicas impostas à República Islâmica.

Apenas após o período de presidência de Mahmoud Ahmadinejad e a chegada ao poder de Hassan Rouhani ao poder em 2013 as portas de negociação internacional foram reabertas para o Irã, e as nações passaram a buscar o estabelecimento de um novo acordo nuclear, que contemplasse as mudanças globais observadas desde a assinatura do TNP e as novas diretrizes do projeto supostamente civil iraniano. Ainda em 2013 foi iniciada uma série de reuniões entre o Irã e o grupo conhecido como P5 + 1, composto pelos 5 membros do Conselho de Segurança da ONU (Estados Unidos, França, Inglaterra, Rússia e China) e a Alemanha, onde foram tratados e definidos os termos do Acordo Nuclear do Irã, finalizado e formalizado em 2015, na tentativa de por um fim na escalada de tensões e ameaças entre o ocidente e o Oriente Médio. Os termos desse acordo previam que o país asiático se comprometeria a reduzir seus estoques de urânio enriquecido, além de permitir a visita de supervisores internacionais, que atestassem as finalidades pacíficas do programa, em troca da retirada das sanções econômicas impostas ao país pela ONU e pela OMC.

Continua...

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

CORREÇÃO COMENTADA DE GEOGRAFIA - SEGUNDA FASE UNICAMP 2020





Questão interdisciplinar 01

Um dos eixos da bipolaridade escravista que unia a África à América portuguesa girava, justamente, na rota aberta entre as duas margens do mar por correntezas e ventos complementares. Na ida, a rota principal seguia o inverso dos ponteiros do relógio, no sentido dos ventos oeste-leste, entre o Trópico de Capricórnio e 30º5. Na volta, a rota principal seguia no sentido dos alísios de sudeste, abaixo da linha do Equador. Na medida em que se zarpava com facilidade de Pernambuco, da Bahia e do Rio de Janeiro até Luanda ou a Costa da Mina, e vice-versa, a navegação luso-brasileira que se desenvolveu naquelas rotas foi transatlântica e negreira. Vários tipos de trocas uniam as duas margens do oceano.

(Adaptado de Luiz Felipe de Alencastro, O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 61 - 63.)

Com base no excerto e em seus conhecimentos, responda às questões.

a) Explique a direção dos ventos alísios no Atlântico Sul e a sua funcionalidade no transporte marítimo da África para o Brasil.

Comentário:

Os ventos alísios são motivados por conta das diferenças de pressões atmosféricas entre as baixas e médias latitudes terrestres, soprando sempre das altas pressões próximas aos trópicos (zonas anticilonais) em direção às baixas pressões equatoriais (zona ciclonal). Na linha do Equador os alísios do hemisfério Norte se encontram com os alísios do hemisfério Sul, concentrando a umidade que transportam, gerando a formação de uma região muito chuvosa, chamada de Zona de Convergência Intertropical. No hemisfério Norte, a direção dos ventos é no sentido horário, ao passo que no hemisfério Sul se dá no sentido anti-horário (da costa africana em direção à costa brasileira no Atlântico Sul).

O sentido do deslocamento dos ventos alísios favoreceu por muito tempo o movimento das embarcações que cortavam o Oceano Atlântico Sul partindo da costa da África em direção à costa do Brasil, carregados de escravos traficados entre as duas regiões, posto que tais embarcações utilizavam os ventos para inflar suas velas e se deslocar por longas distâncias.

b) Cite e explique um exemplo de relação estabelecida entre o Brasil e a África na época da colonização portuguesa na América.

Comentário:

O item ‘B’ da questão interdisciplinar 1 é referente aos conteúdos de História.

Questão interdisciplinar 02

Até hoje, a formação das classes médias esteve ligada à expansão da indústria e à elevação de seus níveis de produtividade. Historicamente, a indústria permitiu estruturar a representação política e sindical das categorias mais desfavorecidas da população em torno dos interesses que afetavam as grandes massas de trabalhadores. Já no contexto atual, marcado por um mundo menos industrializado e orientado para uma economia em que os serviços tendem a ser mais fragmentados e frequentemente artesanais ou informais, os interesses comuns dos trabalhadores são evidentemente muito mais difíceis de emergir. Considerando este quadro, a desindustrialização prematura dos países do Hemisfério Sul (com exceção do Leste Asiático) não é muito favorável a uma consolidação democrática.

(Adaptado de Pierre Veltz, La société hyper-industrielle. Le nouveau capitalisme productif. Paris: Éditions du Seuil, 2017, p. 16.)

Com base no texto e em seus conhecimentos, responda às questões.

a) Que decreto-lei garantiu os principais direitos trabalhistas na Era Vargas e por que a menor presença de uma classe trabalhadora na indústria enfraquece os processos democráticos na contemporaneidade?

Comentário:

O item ‘A’ da questão interdisciplinar 2 é referente aos conteúdos de Sociologia e História.

b) Indique e explique qual foi a principal mudança estrutural ocorrida na economia brasileira nas duas últimas décadas.

Comentário:

A economia brasileira passou a partir da década de 1990 por um intenso processo de reestruturação decorrente da busca pela recuperação da crise financeira da década anterior. No conjunto das ações ligadas a essa reestruturação se destaca a adoção de preceitos marcadamente neoliberais, como os processos de privatização das empresas estatais, além da  abertura dos mercados para produtos e empresas estrangeiras, atraídas para o Brasil pelos menores custos produtivos.

Além das mudanças mencionadas, o país passa ainda por um processo de desconcentração industrial da região Sudeste, onde os custos produtivos (principalmente salários e impostos) e as estruturas saturadas (principalmente as vias de circulação) têm dificultado a fabricação e encarecido o preço final das mercadorias. Como resultado das políticas neoliberais há ainda a modernização do país, com investimentos em produção e oferta de energia em regiões fora do Sudeste, além do melhoramento na oferta dos modais de transportes oferecidos, o que amplia ainda mais o processo de desconcentração.

Soma-se nesse contexto a ampliação da participação do setor primário na economia nacional, principalmente por conta da ampliação dos mercados das commodities exportadas pelo pais, principalmente para a União Europeia e para a China. A esse processo dá-se o nome atualmente de commoditização ou reprimarização econômica, o que afeta diretamente o processo de industrialização (secundarização) da produção econômica brasileira.

Questão interdisciplinar 03

Leia os três excertos e responda às questões.

Texto 1: “Mas cachoeira é barranco de chão, e água se caindo por ele, retombando; o senhor consome essa água, ou desfaz o barranco, sobra cachoeira alguma? Viver é negócio muito perigoso...”

(João Guimaraes Rosa, Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 26.)

Texto 2: “Chego à sacada e vejo a minha serra, / a serra de meu pai e meu avô, / de todos os Andrades que passaram / e passarão, a serra que não passa. / (...) / Esta manhã acordo e / não a encontro. / (...) / foge minha serra, vai / deixando no meu corpo e na paisagem / mísero pó de ferro, e este não passa.”

(Carlos Drummond de Andrade, Boitempo II. Rio de Janeiro: Record, 1994, p. 72.)

Texto 3: “Menor em quilômetros do que o desastre de Mariana, causado pela Samarco, controlada pela mesma Vale, o de Brumadinho é gigante em gravidade: as florestas e rios afetados eram muito mais ricos e importantes para o equilíbrio ambiental, salientam especialistas.”

(Fonte: https://oglobo.globo.com/brasil/dano-ambiental-em-brumadinho-ameaca-centenas-de-especies-23424033. Acessado em 06/11/2019.)

a) A vida imita a arte. Quando Guimarães Rosa, que se criou nas terras do sertão do Paraopeba, e Drummond escreveram, provavelmente não imaginavam o que ocorreria em Brumadinho e Mariana. Percebe-se uma relação entre um processo de transformação e as expressões “mísero pó de ferro”, em Drummond, e “desfaz o barranco”, em Rosa. Identifique a atividade econômica e descreva o processo de transformação da matéria-prima implícitos nos textos desses autores.

Comentário:

A atividade econômica implícita nos dois fragmentos dos dois autores naturais de Minas Gerais trata-se da mineração, realizada nesse estado na reserva do Quadrilátero Ferrífero, que é a maior reserva mineralógica (em volume produzido) no Brasil. Tanto o que ocorreu em Mariana quanto em Brumadinho se refere a desastres ambientais causados por atividades antrópicas nessa gigantesca província mineralógica.

No processo de transformação associado a essa atividade faz-se necessária a escavação da mina (“desfaz o barranco”, segundo João Guimarães Rosa), a separação do minério de ferro (“mísero pó de ferro”, segundo Carlos Drummond de Andrade) do solo e demais minerais misturados a ele. Esse processo de separação produz grandes quantidades de rejeitos (lama) que são acumulados em grandes represas, as quais, quando não geridas de modo adequado, podem se romper e causar tragédias de grandes dimensões na área a que se inserem.

b) Em Brumadinho, a lama afetou espécies endêmicas de “florestas e rios” da Mata Atlântica e do Cerrado mineiros, em área da Reserva da Biosfera da Unesco da Serra do Espinhaço. Considerando a possível extinção das espécies endêmicas afetadas, identifique e explique uma consequência biológica para o equilíbrio ambiental desses ecossistemas.

Comentário:

O item ‘B’ da questão interdisciplinar 2 é referente aos conteúdos de Biologia.

Questão 15

Após 1988, o Brasil incorporou à sua agenda política importantes questões de natureza social, ambiental e de direitos individuais. Nessa linha, o país participou ativamente das negociações internacionais na defesa do meio ambiente – sendo representado na Comissão Brundtland e organizando a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que acabou sendo realizada no Rio de Janeiro, em 1992, e ficou conhecida como ECO-92.

(Adaptado de Luiz Carlos Delorme Prado e Maria Antonieta P. Leopoldi, “O fim do desenvolvimentismo: o governo Sarney e a transição do modelo econômico brasileiro”, em Jorge Ferreira (org.), O Brasil Republicano: O tempo da Nova República – v. 5: Da transição democrática à crise política de 2016. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018, p.74.)

 A partir da leitura do texto e de seus conhecimentos, responda às questões.

a) Explique a importância das escalas local e global definidas na ECO-92.

Comentário:

ECO-92 ou RIO-92 foi uma conferência ambiental internacional realizada em território brasileiro naquele ano, cuja temática principal foi a busca de conciliação entre o meio ambiente e o desenvolvimento econômico. Foi a partir dessa conferência que se começou a discussão acerca do conceito do desenvolvimento sustentável.

Nas discussões foram abordados temas como as diferentes escalas relacionadas às questões ambientais contemporâneas, com ênfase para a necessidade de se voltar as atenções para os problemas que estão em nosso entorno imediato (escala local) pois são mais passíveis de se solucionar, tendo por intuito que os resultados da solução desses problemas “pequenos” impacte em todo o ambiente mundial (escala global). Daí a ideia de “agir localmente pensando globalmente”.

Assim sendo, como todos os sistemas terrestres estão interligados, qualquer problema ambiental, por menor que seja, traz consigo repercussões em nível mundial. Por exemplo, a poluição provocada por uma indústria na cidade de São Paulo é liberada para a atmosfera, e a circulação global dos ventos e massas de ar podem levar esses materiais particulados até o território do Chile (ou Estados Unidos ou qualquer outro país...), podendo provocar ali reações químicas que causam, por exemplo, a chuva ácida. Assim, os problemas locais, não causam apenas consequências ambientais nas localidades em que se inserem.

b) Cite e explique uma meta socioambiental relativa às matrizes energéticas do Planeta, adotada pelos países signatários da ONU entre a Conferência de 1992 e a Conferência do Clima de 2015.

Comentário:

A necessidade de mudança nas matrizes energéticas mundiais foi proposta inicialmente no Relatório Brundtland em 1987, o qual teve como resultado a elaboração de um documento oficial intitulado “Nosso Futuro Comum”, onde eram analisados os impactos decorrentes das ações antrópicas sobre os sistemas terrestres, bem como as possíveis consequências em médio prazo, caso uma mudança significativa de perspectiva não fosse adotada. Dentre as propostas encontra-se a mudança nas matrizes energéticas das nações, incentivando o uso das fontes alternativas, em detrimento das fontes não renováveis (fósseis).

A principal meta socioambiental dessa proposta de mudança energética é a diminuição dos níveis de poluição atmosférica, principalmente pelos materiais particulados liberados pelos hidrocarbonetos, bem como a redução da dependência do uso de fontes não renováveis, como o petróleo, que é controlado por um pequeno número de empresas e nações no mundo. Assim sendo, além da vantagem ambiental de conservação dos recursos e sistemas, poderia se alcançar maior autonomia para as nações que são atualmente dependentes da importação de petróleo e de outras fontes não renováveis.

Nesse contexto as fontes renováveis, como hidráulica, solar, eólica e principalmente a biomassa (biocombustíveis) poderiam representar grandes oportunidades de ganhos e independência financeira para nações como o Brasil, posto que as condições físicas e ambientais do país permitem que tais fontes sejam produzidas em larga escala, trazendo além de vantagens ambientais, significativos ganhos econômicos.

Questão 17


(Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/06/guarda-chuva-se-firma-como-simbolo -da-democracia-em-hong-kong.shml. Acessado em 01/10/2019.)

No final do século XX, Hong Kong tornou-se uma “Região Administrativa Especial” da China. Em teoria, gozará de semi-autonomia até 2047, quando a China terá plenos poderes sobre a ilha. Hong Kong tem moeda própria, mas não é independente em termos de defesa e diplomacia, ou seja, seu status político-administrativo é híbrido, fruto de um acordo – a “Declaração Conjunta” de 1984 – entre a China e um governo estrangeiro que tutelou a ilha por 99 anos, a partir de 1898. Em 1997 entrou em vigor o acordo, sob a conhecida fórmula “um país, dois sistemas”. A partir de 2014, movimentos de contestação social ganharam relevo em Hong Kong. Com base no enunciado e em seus conhecimentos, responda às questões.

a) Que nação manteve domínio sobre Hong Kong por 99 anos? Explique a expressão “um país, dois sistemas”.

Comentário:

A nação que manteve o controle político e econômico sobre o Território de Hong Kong por 99 anos (1898 – 1997) foi o Reino Unido (mais precisamente a Inglaterra), que na verdade assumiu o controle de parte da região ainda após a I Guerra do Ópio em 1842.

A expressão “um país, dois sistemas” se refere ao quadro administrativo observado atualmente na China, que politicamente mantém uma estrutura centrada no ideário socialista (implementado no país desde a Revolução Comunista de 1949), ao passo que economicamente estabelece a partir de 1976 um processo gradual de abertura ao capitalismo, principalmente nas províncias litorâneas, onde foram criadas as Zonas Econômicas Especiais – ZEEs, plataformas de exportações, onde indústrias estrangeiras são atraídas pelos baixos custos produtivos ali oferecidos. Assim, a combinação de uma política socialista com uma economia capitalista estabelece o chamado Socialismo de Mercado, dando à China dois sistemas distintos, um na política e outro na economia.

b) Sob que denominação ficou conhecida a revolta iniciada em 2014 e intensificada em 2019? Apresente pelo menos uma reivindicação dos manifestantes.

Comentário:

A revolta popular iniciada nas ruas de Hong Kong em 2014 ficou conhecida como “Revolução dos Guarda-chuvas”, fazendo referência ao uso desse objeto para proteger os manifestantes do gás lacrimogênio e do spray de pimenta, usados pelas forças militares.

Dentre as principais reivindicações dos manifestantes encontra-se o desejo de reduzir a interferência chinesa no território de Hong Kong (considerada uma Região Administrativa Especial). Essa região permaneceu sob o controle da Inglaterra até 1997, quando foi devolvida à China, sob a condição de que fosse mantida autônoma (aberta e capitalista por 50 anos. Portanto, até 2047). Assim, o governo chinês tem gradativamente buscado o controle sobre Hong Kong, visando concretizar plenamente sua reintegração ao país asiático.

Outra das principais causas da revolta foi uma proposta de mudanças nas regras eleitorais de Hong Kong, na qual apenas candidatos pré-selecionados pelo Partido Comunista Chinês poderiam disputar a governança do território, o que diminuía de modo significativo a liberdade e autonomia política da população.

Questão 18

O tântalo (Ta) é um elemento metálico encontrado em baixíssima concentração na crosta terrestre. É o “rei” da era digital, pois seu uso em capacitores tem contribuído para a miniaturização de circuitos eletrônicos. Em Bandulu, no leste do Congo, onde as minas de coltan (columbita-tantalita) são abundantes, existe um único painel solar para carregar os celulares, e os poucos que existem não são smartphones. A exploração de coltan não é ordenada, uniforme ou pacífica. Analistas da geopolítica contemporânea o consideram a estrela dos “minerais de sangue”.

(Adaptado de Gemma Parellada, Viagem ao berço do coltan, o coração dos smartphones. Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/19/internacional/1455896992_924219.html. Acessado em 20/09/2019.)

a) Que país colonizou a atual República Democrática do Congo? Em que período se deu a independência desse país africano?

Comentário:

A atual República Democrática do Congo foi colonizada pela Bélgica, que iniciou seu domínio sobre a região ainda em 1876, através do Rei Leopoldo II, que assinou tratados econômicos com lideranças tribais da região. A dominação belga se formalizou através da partilha da África em 1885, na chamada Conferência de Berlim.

Essa nação, que era chamada inicialmente de Congo Belga (de 1908 até 1960), depois República do Congo (de 1908 até 1964), posteriormente República Democrática do Congo (de 1964 até 1971), em seguida República do Zaire (de 1971 até 1997), e novamente República Democrática do Congo (de 1997 até hoje), alcançou sua independência, assim como a maioria das nações africanas, após a Segunda Guerra Mundial, principalmente a partir da realização da Conferência de Bandung (1955), que marca o processo crescente de descolonização do continente.

No caso desse país, a independência se deu em 1960, porém isso não garantiu plena liberdade a toda a população, e muito menos a paz na ex-colônia belga. Após o processo de independência houve no país sucessivas rebeliões populares e golpes de Estado, em um período em que a violência eclodiu na nação recém liberta da dominação europeia. As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas pela repressão violenta pelo governo, interferência política externa e instabilidade econômica. A situação violenta eclodiu no final da década de 1990, quando o país atravessou uma sangrenta Guerra Civil, também conhecida como “Guerra Mundial Africana”, cujo número geral de mortos (por consequências diretas e indiretas) é estimado em cerca de 3,8 milhões de pessoas.

b) Explique por que não há smartphones na região do Congo referida, e por que o coltan é considerado um dos “minerais de sangue”.

Comentário:

Embora produza riquezas minerais supervalorizadas em larga escala, o continente africano passa longe de se beneficiar efetivamente de seus recursos naturais, sendo que essa exploração traz invariavelmente mais problemas do que benefícios a essa região.

O fato de o texto ter mencionado que a região de Bandulu produz grande quantidade de columbita-tantalita, matéria prima essencial para produção de modernos smartphones, e que não possui esse aparelho disponível para o usa da população é um retrato da pobreza e das desigualdades sociais latentes no continente africano. A condição econômica precária que a população dessa região vive impede que financeiramente ela possa possuir tais dispositivos, o que combinado com a pouca integração dessa região às redes globais tornam totalmente impossíveis a utilização desses aparelhos sem que energia elétrica e sistemas de telecomunicações estejam disponíveis.

Tal recurso foi considerado pelo texto como um “mineral de sangue” na África, o que é uma analogia ao fato de que as disputas pelo controle e exploração das áreas produtoras das riquezas minerais do continente causem, invariavelmente, conflitos armados e Guerra Civis nos países, muitas vezes incentivados por grandes empresas estrangeiras, ou mesmo nações, interessadas no acesso às matérias primas que são supervalorizadas pelas indústrias mais modernas e mais lucrativas da atualidade.

Questão 19

O mapa abaixo apresenta a espacialização dos desertos no globo terrestre.



(Fonte: J. F. Petersen, D. Sack e R. E. Glaber, Fundamentos de Geografia Física. São Paulo: Cengage Learning, 2014, p. 165.)

a) Aponte uma característica biogeográfica e uma característica climática do domínio de desertos frios.

Comentário:

O conceito de deserto se refere às condições edáficas (naturais) de uma dada região, que dificultam ou impedem ali o desenvolvimento e a manutenção da vida animal e vegetal. Assim, locais quentes e secos demais, como o Saara, são considerados “desertos quentes”, ao passo que locais secos e excessivamente gélidos, como a Antártida, são considerados “desertos frios”.

Os desertos frios se estabelecem nas regiões de elevadas latitudes terrestres, entre os círculos polares (66ºN e 66ºS) e os centros polares (90ºN e 90ºS). Sua formação está associada às áreas anticiclonais (altas pressões atmosféricas) que ali se estabelecem, provocando a saída dos ventos e a perda de umidade, além da presença de correntes marinhas frias, com menor poder de evaporação, o que reduz o índice de chuvas, bem como a presença de barreiras orográficas (montanhas) que impedem a chegada de massas de ar úmido.

Em termos paisagísticos, tanto a fauna quanto a flora são restritas, posto que apenas poucas espécies são capazes de se adaptar às condições climáticas muito rigorosas, com destaque para as vegetações de tundras, compostas apenas por espécies herbáceas de pequeno porte, como as briófitas e algumas pradarias, cuja vegetação rasteira se adapta à baixa incidência solar e pouca umidade disponível, além dos invernos longos e extremamente frios.

b) Diferencie “deserto” e “desertificação”.

Comentário:

O deserto consiste em um ecossistema árido, onde os índices pluviométricos são muito baixos e as temperaturas são extremas (muito quentes ou muito frias), onde a vida não encontra condições favoráveis à sua permanência ou desenvolvimento. Essas condições decorrem da ação dos chamados fatores de desertização, sendo forças naturais causadoras das adversidades climáticas ali observadas. Dentre essas forças se destacam as altas pressões atmosféricas, as correntes marinhas frias e as barreiras orográficas. Como as condições edáficas são muito rigorosas e restritivas, nos desertos a biodiversidade é muito baixa, e apenas as espécies mais adaptáveis conseguem sobreviver nesses ecossistemas.

Por outro lado, a desertificação consiste em um processo decorrente das ações antrópicas que causam a esterilização dos solos e a degradação das condições edáficas, comprometendo a manutenção da vida animal e vegetal em uma determinada localidade. Dentre as principais ações humanas causadoras da desertificação se destacam o desmatamento, o uso irrestrito das queimadas, a exposição dos solos aos agentes erosivos, a prática de monoculturas que tornam o solo exausto e empobrecido, o uso indevido de irrigação, que causa os processos de salinização e acidificação do solo, atividades pastoris que promovem o pisoteio e a compactação do solo, dentre outas.

Questão 20

O território brasileiro apresenta uma grande diversidade de formas de relevo. Elas estão agrupadas em grandes compartimentos identificados como planícies, depressões, tabuleiros, chapadas, patamares, planaltos e serras. A figura abaixo indica a espacialização de três desses compartimentos.



(Adaptado de Manual técnico de Geomorfologia. Rio de Janeiro: IBGE, 2009.)

Considerando a figura acima e seus conhecimentos sobre o relevo brasileiro, responda às questões.

a) Aponte uma semelhança e uma diferença entre as chapadas e os tabuleiros.

Comentário:

O relevo brasileiro apresenta uma divisão estrutural entre escudos cristalinos (cerca de 36% do território) e bacias sedimentares (cerca de 64% do território), sendo essas estruturas subdivididas de modo escultural entre planaltos, planícies e depressões (com o predomínio das duas primeiras). Os mapas apresentados pela questão fazem menção à forma escultural dos planaltos, divididos entre serras, chapadas e tabuleiros.

Tanto chapadas quanto tabuleiros apresentam em comum sua origem geológica, posto que ambos representem planaltos em estruturas sedimentares, bem como o aspecto visual de ambos é semelhante, uma vez que se tratam de superfícies elevadas, de topos planos, que são limitadas por bordas abruptas, chamadas de escarpas.

As diferenciações entre as chapadas e os tabuleiros se associam à sua localização geográfica, pois as chapadas se concentram nas porções mais interiores do país, ao passo que os tabuleiros se concentram nas faixas próximas ao litoral. Há ainda as diferenciações dimensionais e altimétricas, uma vez que as chapadas, por localizarem em estruturas interiores apresentam grande extensão e altitude mais elevada (geralmente acima de 600 metros), enquanto os tabuleiros, por se localizarem próximas à borda continental, apresentam menores extensões e altitudes mais modestas (geralmente até 200 metros).

b) Qual a importância da Serra do Espinhaço para o setor de mineração do Brasil? Em que estrutura geológica esse compartimento está situado?

Comentário:

O termo “serra” (assim como o termo “morro”) é utilizado para designar planaltos formados em estruturas cristalinas muito pretéritas, nos chamados crátons ou maciços antigos. Nessas regiões cristalinas da Terra se concentram as maiores jazidas de minerais metálicos existentes, assim como nas estruturas sedimentares se localizam as grandes reservas de minerais energéticos (combustíveis fósseis) existentes na atualidade.

No caso da Serra do Espinhaço, que se estende no sentido sul-norte desde a porção central de Minas Gerais até o norte da Bahia, se insere no chamado Planalto Atlântico, de idade Proterozoica, encontra-se a província mineralógica do Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais, região onde se dá atualmente a maior parte da produção de minério de ferro no país. Além do minério de ferro, essa região possui ainda abundância de outros minerais, como ouro, manganês e bauxita, ambos de suma importância para o setor exportador de commodities nacional.

Questão 21

O atual avanço tecnológico permite produzir robôs de tamanho manejável e facilmente incorporados às estruturas produtivas ou à prestação de serviços. Em 2015, o custo de um robô soldador era de 8 dólares por hora, o equivalente ao custo da mão de obra para o mesmo trabalho no Brasil.

(Adaptado de CEPAL, La ineficiencia de la desigualdad, Santiago, 2018. p. 148. Disponível https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/43442/6/S1800059_es.pdf. Acessado em 15/09/2019.)



a) Qual era relação entre o custo da mão de obra e a localização das indústrias transnacionais na segunda metade do século XX? Como a robótica poderá alterar essa relação?

Comentário:

A partir da segunda metade do século XX, principalmente após a ocorrência da Terceira Revolução Industrial na década de 1970, a localização das unidades fabris no mundo passou por uma grande reestruturação, principalmente em decorrência do processo de desconcentração produtiva (também chamado de desindustrialização) das grandes potências mundiais, no qual as empresas multinacionais e transnacionais partiram em direção às nações mais pobres em busca de menores custos produtivos, representados principalmente pelos baixos salários e pelos baixos impostos ali cobrados.

Desse modo, o elevado grau de qualificação da mão de obra nas nações mais desenvolvidas estabelecia ali salários muito elevados, diminuindo a margem de lucro das grandes empresas, o que as levou a buscar novas localizações em nações menos desenvolvidas, onde a mão de obra, de menor qualificação, se sujeitava a salários mais baixos. Nesse contexto surgem as indústrias multinacionais e inicia-se a fase de maior industrialização das nações mais pobres, bem como de sua maior dependência econômica e tecnológica em relação às grandes potências mundiais.

A partir do início do século XXI o avanço tecnológico trouxe consigo a evolução da robótica e a ampliação da automação das cadeias produtivas, demonstrando que a substituição do homem por essas modernas máquinas se mostrava, em médio prazo, muito atrativa, principalmente por conta dos gastos com encargos laborais que seriam eliminados. Assim, do mesmo modo que a mão de obra barata dos países pobres substituiu a mão de obra cara dos países desenvolvidos, na atualidade a própria mão de obra barata tem perdido espaço e sido suplantada pelos robôs e modernos equipamentos industriais, formalizando a Quarta Revolução Industrial, que se encontra em curso.

b) Considerando a atual situação de desigualdade social do México e do Brasil, indique duas possíveis consequências do uso intensivo dessa nova tecnologia.

Comentário:

O processo de gradativa substituição da mão de obra humana pela força de trabalho robotizada traz consigo a ampliação do desemprego estrutural, que diferentemente do desemprego conjuntural, é permanente. Os postos de trabalho perdidos pela chegada de uma máquina ou equipamento que desempenhe determinada função produtiva dificilmente serão retomados pelos operários, que permanecem desempregados até que consigam se enquadrar em outros ramos da cadeia produtiva.

No caso de México e Brasil, o grande problema é que essa mão de obra é tradicionalmente de baixa qualificação, o que torna mais difícil sua reinserção no mercado de trabalho, podendo aumentar exponencialmente o período de permanência da população em inatividade econômica. Em decorrência desse desemprego permanente há a redução da renda média da população, que impacta diretamente na diminuição de seu poder de consumo, afetando toda a cadeia produtiva, bem como dificulta seu acesso aos bens e serviços essenciais, piorando ainda mais a qualidade de vida, já baixa nessas nações.

A dificuldade da mão de obra em retornar ao mercado de trabalho determina a opção desses trabalhadores desempregados pelo setor de trabalho informal (à margem da legislação trabalhista), o que pode trazer ao país o processo chamado de hipertrofia do setor terciário, ampliando a dimensão da População Economicamente Inativa – PEI (que necessita dos serviços e investimentos sociais oferecidos pelo Estado) em detrimento da População Economicamente Ativa – PEA (que contribui para a arrecadação de impostos pelo governo). Esse descompasso entre PEI e PEA cria um quadro de instabilidade econômica do país (gastos maiores que a arrecadação), levando à formação da chamada dívida interna, que culmina em quadros de recessão para a nação.

Questão 22

Os movimentos sociais não são fenômenos de agregação de indivíduos movidos por ações irracionais; pelo contrário, mobilizam estratégias e ações racionais para atingir objetivos previamente estabelecidos. Movimentos sociais objetivam transformações sociais significativas e, por isso, conflitos sociais decorrem das distintas concepções sobre direitos sociais, civis e políticos, nunca excluindo os conflitos de classe. É pouco provável que no mundo atual, em sociedades urbanizadas e industrializadas, não se coloquem movimentos sociais ativos.

(Adaptado de “A sociologia de Alain Touraine”. Revista Lua Nova, São Paulo, n. 106, jan./abr. 2019.)

Com base no texto e em seus conhecimentos, responda às questões.

a) O que são movimentos sociais e por que suas ações ensejam conflitos sociais?

Comentário:

Os movimentos sociais são caracterizados como organizações coletivas entre grupos e indivíduos que vislumbram objetivos similares e se articulam em prol do alcance de tais objetivos. Para tal, os movimentos sociais buscam maior participação nas esferas políticas, econômicas e culturais, visando inserir a população marginalizada nas esferas de poder decisório.

Em sua maioria, tais movimentos lutam por mudanças organizacionais e políticas que permitam que as demandas buscadas pela população passem a ser oferecidas ou garantidas pelo Estado, aumentando assim a representatividade política popular. Porém, a maioria das mudanças pleiteadas pelos movimentos sociais se choca com problemáticas historicamente estabelecidas e interesses arraigados nas sociedades ao longo das gerações.

A demanda por mudanças que ofereçam às classes excluídas mais representatividade e benefícios sociais é vista por vezes como ameaça pelos grupos que historicamente foram beneficiados por uma sociedade marcadamente desigual, o que dá origem aos conflitos de interesses, entre aqueles que buscam maiores benefícios e aqueles que temem perder os benefícios que desfrutam ao longo do tempo. A visão de que a desigualdade seja uma condição natural e necessária à sociedade moderna enraíza o pensamento de que o benefício de uma parte da população precisa, necessariamente, ocasionar o prejuízo da outra.

b) Dê um exemplo de movimento social organizado no meio urbano brasileiro e comente uma de suas reinvindicações.

Comentário:

O aumento do acesso à informação e ao conhecimento tem feito com que no Brasil (assim como no restante do mundo) a população passe a ter cada vez mais consciência acerca de seus direitos e das obrigações do poder público em respeitá-los e garanti-los. Dessa mudança de paradigma social advém a politização de camadas populares, antes totalmente marginalizadas e submissas à estrutura social dominante, o que possibilita a ampliação dos movimentos e das reivindicações sociais na contemporaneidade.

No caso brasileiro há uma vasta gama de movimentos sociais na atualidade, com reivindicações variadas, dos quais podemos destacar o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, que se organiza nas áreas urbanas e busca por mudanças nas políticas habitacionais do país, para que o direito à moradia seja respeitado e a especulação imobiliária e a exclusão socioespacial sejam superadas; o Movimento Quilombola, que busca a inserção das populações descendentes de escravos na vida política, econômica e social do país, garantindo na prática sua teórica representatividade jurídica.

Ainda pode-se citar o Movimento Passe-Livre, que defende a transferência dos sistemas de transportes de massa nas cidades da iniciativa privada para a iniciativa pública, o que traria o fim da cobrança de tarifas para seu uso pela população; o Movimento Feminista, que luta pelo combate da discriminação e das desigualdades de gênero na sociedade brasileira, além da superação do modelo social de base patriarcal, culturalmente enraizado no país; o Movimento Operário, que se mobiliza em prol da manutenção e ampliação dos benefícios legais da classe trabalhadora, se posicionando contra as reformas trabalhistas do modelo neoliberal; dentre outros.