ANAK KRAKATOA
- Por Éder Israel
Localizado na porção sul
da Ásia, entre o continente oriental e a Oceania, o Krakatoa e atualmente o
Anak Krakatoa fazem parte de uma das regiões de maior atividade tectônica do mundo.
Disponível
em: <http://www.esa.int/Space_in_Member_States/Portugal/Envisat_produz_o_mapa_global_da_Terra_mais_nitido_de_sempre>
acesso em 17 abr. 2020
Vulcanismo
A
erupção vulcânica ocorrida na região asiática do arquipélago de Sumatra no dia 11
de abril de 2020, e noticiada amplamente pela mídia internacional, fez ressurgir
um grande fantasma tectônico do passado, rememorando a histórica e catastrófica
erupção ocorrida no mesmo arquipélago no ano de 1883, considerada até hoje um
dos maiores eventos desse tipo registrado na história. Naquela ocasião, no
século XIX, houve uma combinação de eventos catastróficos, originados por uma
grande erupção, acompanhada por uma grande explosão do edifício
vulcânico e seguida pela formação de ondas gigantes (tsunamis) de grande
magnitude. Em suma, um “apocalipse tectônico”...
Para
entender os eventos de 1883 e lançar luz sobre os novos eventos de 2020, faz-se
necessária a compreensão da dinâmica tectônica que envolve uma erupção
vulcânica. O vulcanismo, enquanto processo, representa uma peça fundamental de regulação
da dinâmica interna da Terra, posto que, permite a liberação da pressão acumulada
nas camadas internas do planeta, impedindo seu colapso e consequente explosão.
Muito mais importante que a liberação do magma do manto, é o equilíbrio das
pressões interna e externa da Terra, e o vulcanismo, seja ele de edifício nos continentes
e ilhas ou de fissura, nos fundos oceânicos é o agente responsável pro tal
equiparação.
Vulcões
como o Krakatoa são formados a partir do tectonismo terrestre, do qual deriva o
movimento das placas tectônicas e a consequente deriva continental, que coloca
as calotas litosféricas (placas tectônicas) sólidas em movimento sobre um
grande mar de rochas derretidas, chamado Astenosfera, onde ocorrem as chamadas
correntes de convecção, que movem essas enormes “balsas rochosas”. E a região
onde se localiza essa formação vulcânica asiática faz parte de um complexo
global, que concentra a maior parte de toda a atividade tectônica da Terra, chamada
de Círculo de Fogo do Pacífico, onde se observa mais de 80% de toda atividade
sísmica de grande dimensão na atualidade.
O Círculo (ou Anel) de Fogo
do Pacífico se estende por toda a margem desse oceano, onde se encontram
inúmeras fronteiras de placas tectônicas, sejam elas convergentes, divergentes
ou tangenciais. Ali se concentram, por consequência, eventos geológicos de grande
magnitude, causados por forças endógenas e processos orogenéticos.
Disponível
em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/5/52/Pacific_Ring_of_Fire.svg/1200px-Pacific_Ring_of_Fire.svg.png>
acesso em 17 abr. 2020
Há
uma relação direta entre os grandes eventos geológicos, uma vez que qualquer
movimentação de placas tectônicas requer um novo ajuste e rearranjo das demais placas
para que o equilíbrio da crosta seja restabelecido. Assim, há uma relação
próxima entre o terremoto, seguido de erupção vulcânica, que ocorreu na Nova
Zelândia, em dezembro de 2019 e a erupção observada agora em abril no sul da
Ásia. Ambas as localidades se posicionam sobre o Círculo de Fogo do Pacífico, e
a movimentação das placas que observou-se na Oceania está agora gerando
acomodações na Ásia. Não se surpreenda se em breve surgirem notícias de
terremotos ou vulcanismos na costa do continente americano, pois a movimentação
geológica no continente asiático certamente causará repercussões na outra borda
do pacífico num futuro não muito distante...
Krakatoa, 1883
Retomando
o entendimento acerca do evento tectônico de abril de 2020, para compreender
toda a atenção e preocupação da mídia e cientistas mundiais a respeito dessa
nova erupção, ocorrida no vulcão Anak Krakatoa (que na tradução ao pé da letra
significa “Criança Krakatoa”), faz-se necessário retornarmos ao final do século
XIX e entendermos como se deu e quais os maiores impactos daquela que até hoje
é considerada uma das maiores atividades vulcânicas da história recente da
Terra.
A
região onde se localizava o antigo Krakatoa corresponde a um arquipélago com
várias pequenas ilhas entre Sumatra e Sunda, território indonésio. Como já
mencionado anteriormente, esse arquipélago se posiciona sobre a zona de maior
instabilidade da crosta, e qualquer movimentação de placas tectônicas,
obrigatoriamente, implicará em acomodações nas bordas do oceano Pacífico. Naquele
evento, a pressão acumulada as camadas internas da Terra se tornou demasiadamente
grande, e a sua não liberação poderia levar a um grande colapso e consequentemente a uma explosão de ordem global. De modo metafórico podemos fazer a comparação
abstrata do nosso planeta com uma grande panela de pressão, cujo interior
encontra-se tomado por materiais muito quentes e comprimidos. Ora, se essa
pressão se elevar indefinidamente dentro dessa panela, chegar-se-á a um nível tal
que as paredes desse utensílio de cozinha se romperão e toda a energia
acumulada ali dentro será liberada em um único instante, após uma grande
explosão. Pois bem, digamos que os vulcões seriam as válvulas dessa imensa
panela de pressão chamada Terra. Portanto, as erupções são normais, e mais do
que isso, necessárias para o pleno funcionamento de nosso planeta.
Mas
imagine que na última vez que essa panela de pressão foi usada, ela não tenha
sido devidamente limpa e, materiais anteriormente fluidos se solidificaram
dentro de sua válvula, entupindo-a... Na próxima fervura, quando a pressão
interna se tornar muito mais alta que a externa, se essa válvula entupida não
conseguir dissipar essa energia ali confinada, a panela explodirá. Assim se deu
com o Krakatoa naquela ocasião. Após uma última erupção vulcânica ter liberado
a pressão excessiva do manto, o último magma expelido acabou por se solidificar
dentro do canal do vulcão, transformando-se em rocha sólida, de modo que essa
rocha se transformou em uma espécie de “rolha”, causando o entupimento dessa “válvula”.
Em
1883 o canal (cujo nome correto é conduto vulcânico) por onde passaria o magma
que o manto tentava expelir encontrava-se obstruído por
rígidas rochas ígneas, impedindo a passagem dos materiais, e levando a pressão
interna da Terra a níveis muito além da normalidade. Assim, com o aumento
constante dessa pressão sob o edifício vulcânico, criou-se uma situação de
colapso, levando a um fenômeno chamado “vulcanismo explosivo”, porém em uma
escala muito além daquela conhecida. Com isso toda a ilha onde se situava o
Krakatoa explodiu, liberando enfim a pressão acumulada e lançando pelos ares
tanto os materiais que impediam o “funcionamento” do vulcão, como materiais
expulsos pelo manto terrestre.
Após o grande evento
explosivo de 1883, grande parte das ilhas vulcânicas do arquipélago do sul da
Ásia foi completamente destruído, restando apenas ruínas daquilo que fora no
passado um grande ponto de alívio das tensões internas da Terra sobre o
Círculo de Fogo do Pacífico
Adaptado de: <https://qph.fs.quoracdn.net/main-qimg-5c486a879384edd29cb7c405e5104e69>
acesso em 17 abr. 2020
A
explosão desse evento eruptivo forçou a abertura do conduto vulcânico para a
passagem do magma, lançando para a atmosfera uma grande quantidade de
fragmentos de rochas, geologicamente chamadas de bombas vulcânicas, que
alcançaram pelo menos 25 quilômetros de altura, tendo, segundo relatos da
época, o som da explosão sido ouvido a pelo menos 5.000 quilômetros de
distância. Juntamente com as bombas vulcânicas foram lançadas também para a
atmosfera grandes quantidades de cinza vulcânica, que formou uma densa nuvem
que praticamente circundou o planeta naquela faixa latitudinal. Essa densa
nuvem de cinzas permaneceu por meses na atmosfera, tendo impactado diretamente
na ação da radiação solar e no armazenamento de calor na Terra, o que ocasionou
um dos invernos mais rigorosos no continente europeu no século XIX. Sem contar
a elevação do grau de acidez das chuvas que passaram a cair, uma vez que grande
parte desse material particulado continha enxofre.
Juntamente
com a liberação de materiais particulados para atmosfera, grande parte da
energia sísmica gerada pela explosão da ilha vulcânica foi transferida para a
água oceânica, tendo se transformado em energia mecânica, passando a movimentar
grandes massas de água a partir do arquipélago asiático, o que ocasionou a
ocorrência de vários tsunamis, que se alastraram pelas águas em múltiplas
direções, completando o conjunto de catástrofes do apocalíptico evento de 1883.
As ondas que atingiram dezenas de metros de altura se espalharam pelas águas
dos oceanos Índico e Pacífico, chegando mesmo ao outro estremo do grande
oceano, na costa oeste da América. Como resultado da combinação de
eventos de grande magnitude, estima-se que pelo menos 35.000 pessoas tenham
perdido suas vidas no rastro de destruição gerado no final do século XIX.
Mas,
embora as ilhas vulcânicas tenham sido literalmente riscadas do mapa com as
sucessivas explosões e consequências desse evento, essa zona continua
manifestando as forças internas do planeta, ao passo que o Círculo de Fogo do
Pacífico segue como grande “válvula de escape” da energia produzida e acumulada
no interior da Terra. Após os eventos de 1883, novas movimentações de placas
tectônicas ocorreram e novas erupções vulcânicas de menor magnitude expeliram
material magmático do manto sob as águas oceânicas, formando novas camadas de
rochas sobrepostas, que futuramente dariam origem a novas ilhas e consequentemente
novos edifícios vulcânicos. Nasce assim a “Criança Krakatoa”, ou simplesmente
Anak Krakatoa.
A formação de novas
pequenas ilhas no cenário de devastação de Krakatoa mantém a dinâmica interna
da Terra em pleno funcionamento, ao passo que garante a manutenção do equilíbrio
entre as camadas internas e internas do planeta. Mas o conhecimento do passado
traz consigo o temor e a certeza de que os eventos de 1883 podem naturalmente
se repetir na região.
Adaptado de: <https://qph.fs.quoracdn.net/main-qimg-5c486a879384edd29cb7c405e5104e69>
acesso em 17 abr. 2020
Anak Krakatoa, 2020
As
sucessivas erupções que ocorreram ao longo do século XX, decorrentes do
ajustamento das partes que compõem a estrutura da Terra, reconstruíram, de
certo modo, feições que haviam na região de Sumatra no século XIX, assim sendo,
novas ilhas vulcânicas passaram a fazer parte do ambiente e lentamente, na velocidade
do tempo geológico, a atividade vulcânica na região voltou à “normalidade”.
Porém, trata-se de uma região instável, o que significa que a qualquer momento
tudo pode mudar e eventos inesperados e desastrosos podem voltar a acontecer, e
por se tratarem de eventos associados às forças endógenas da Terra, o homem não
tem nenhum controle ou poder de evita-los ou amenizá-los.
A
região de Sumatra já havia dado avisos consistentes de que grandes eventos
poderiam estar próximos a acontecer, mas sabemos que eventos geológicos são matematicamente
imprevisíveis e ocorrem de maneira instantânea e pontual. No ano de 2004, nessa
mesma região da Ásia o mundo assistiu estarrecido à ocorrência de um grande
tsunami, causado pela ocorrência de um maremoto em águas profundas, próximo ao
litoral do Sri Lanka. Esse tipo de evento acontece sempre que há qualquer tipo
de movimentação de placas tectônica, e como mencionamos anteriormente, a ocorrência
de um evento causa obrigatoriamente a ocorrência de eventos subsequentes.
Como
já referido, há uma relação direta entra a movimentação das placas tectônicas
na Nova Zelândia em dezembro de 2019 com a ocorrência da erupção no Anak
Krakatoa em abril desse ano, assim como esse evento tem relação direta com a erupção
de um vulcão nas Filipinas em janeiro de 2020, um terremoto que atingiu Cuba,
também em janeiro de 2020, outro na Turquia no mesmo mês, outro na China ainda
em janeiro, mais um no oeste dos Estados Unidos em março desse ano, e até mesmo
um que ocorreu na Itália ontem (16 de janeiro de 2020)... Passaríamos dias a
fio aqui falando de terremotos e erupções recentes no mundo, e em comum eles
teriam o fato de estarem todos ligados. Como afirmamos, quando uma placa se
move em um lugar, todas as outras precisam se mover para compensar essa "mexida"...
Entre os dias 10 e 11 de
abril de 2020, o vulcão insular, Anak Krakatoa expeliu lava e materiais incandescentes
(fluxos piroclásticos) por 2 horas ininterruptas, quase 140 anos após o
Krakatoa ter varrido o conjunto de ilhas no sul da Ásia com uma sequencia de
eventos catastróficos de magnitude incalculável.
Disponível em: <https://i1.wp.com/www.news1.news/wp-content/uploads/2020/04/096633de99cc3c86684a6588e43031c5.jpeg?fit=1200%2C696&ssl=1>
acesso em 17 abr. 2020
Durante
a recente erupção no arquipélago do pacífico, o Anak Krakatoa expeliu uma densa
nuvem de fumaça que atingiu pelo menos 15 quilômetros de altitude, que foi
espalhada pelos ventos que varrem a atmosfera. Embora tenha tomado conta dos
noticiários do mundo inteiro, essa atividade não foi a maior observada no Anak
Krakatoa, pois em 2018 o mesmo vulcão entrou em processo magmático, seguido por
um tsunami que atingiu o litoral da Indonésia, ceifando a vida de mais de 400
pessoas. O que preocupa de fato não é o tamanho dessa erupção em si, mas sim a
recorrência desse tipo de evento, posto que é a segunda grande manifestação do
tipo em apenas 16 meses. E segundo cientistas e geólogos, de concreto pode-se
afirmar apenas que o pior ainda está por vir, pois afirmam que o poder
destrutivo do Krakatoa filho é infinitamente maior que o do Krakatoa pai...
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