O amargo futuro do rio Doce
Por Éder Israel
Disponível em: < http://msalx.veja.abril.com.br/2015/11/09/1858/pe6Cx/alx_brasil-barragem-mariana-20151109-013_original.jpeg?1447102717
> Acesso em 13 nov. 2015
Após o rompimento das barragens e da liberação dos resíduos
contaminados serra a abaixo, a gravidade se encarregou de fazer seu trabalho,
arrastando tudo que havia pelo caminho em direção ao vale do rio Doce, levando
para a água que abastece cidades mineiras e capixabas todo tipo de rejeito
proveniente das atividades mineradoras.
Confesso que inicialmente pareceu-me apenas uma água turva e
barrenta, que transbordaria as águas do rio Doce, porém após sua passagem as
águas do rio voltariam a se "limpar", como ocorrem após as fortes
chuvas que sujam as águas deste rio no verão mineiro. Porém, duas notícias (que
não posso precisar as fontes e nem averiguar completamente suas veracidades)
trouxeram um golpe seco de realidade à visão minimalista que esse desastre
trouxe a muitos de nós.
A primeira notícia é na realidade um relato de um químico de que
as primeiras análises da água do rio Doce após a chegada da lama da SAMARCO
davam a impressão de que alguém havia jogado a tabela periódica inteira dentro
do rio, tamanha a quantidade e a diversidade de elementos químicos (muitos
deles contaminantes) presentes e observáveis nas amostras. Segundo dados
laboratoriais foi observada na água a presença de manganês, arsênio, mercúrio,
alumínio, ferro, chumbo, boro, bário, cobre, dentre outros materiais
contaminantes.
A segunda notícia, ainda mais alarmante partiu da SAAE (Serviço
Autônomo de Água e Esgoto de Governador Valadares - MG), que atestou que nas
amostras avaliadas pelos seus laboratórios, havia na água contaminada pela lama
da SAMARCO uma quantidade de metais muito superior ao aceitável pela
Organização Mundial de Saúde - OMS e por outros órgãos internacionais. Segundo
esta avaliação, havia uma quantidade de ferro 1.366.666% acima do normal; já o
manganês, material tóxico, estava 118.000% acima do normal; o alumínio
encontrava-se 645.000% além dos valores toleráveis, além dos demais materiais
ali presentes.
A tabela a seguir, divulgada pela prefeitura de Governador
Valadares, se refere aos valores observados para alguns destes materiais
presentes na água no dia 11 de novembro, seis dias após o vazamento.
Fonte: < http://img.r7.com/images/2015/11/11...>
Acesso em 15 nov. 2015
A torrente de lama que chegou à calha do rio Doce pode ser
responsável pelo maior desastre ambiental da história do Brasil, sob o risco de
dizimar toda a fauna e flora aquática e ribeirinha do rio. A mortandade de
peixes observada assusta, embora as autoridades que deveriam se atentar ao
problema se mostram incapazes de esboçar qualquer tipo de reação efetiva, o que
na verdade é típico do Brasil, onde as questões urgentes são sempre suprimidas
por algum acontecimento de grande magnitude e mais recente que se observa.
Disponível em:< http://s2.glbimg.com/vC4KqkJkElWMdSCRjQ_WmAA3lwg=/e.glbimg.com/og/ed/f/original/2015/11/13/rio_doce.jpg>
Acesso em 15 nov. 2015
Um dos grandes questionamentos que deveria estar sendo feito agora
se refere às perspectivas futuras para o rio Doce e sua população, pois
caminhamos de fato para um impacto ambiental irreversível, uma vez que espécies
endêmicas pode ter sido simplesmente varridas pela onda de poluição e rejeitos
que por ali passou. Além disso, há o problema das famílias, não só aquelas que
perderam tudo com a passagem da lama, mas sim e principalmente aquelas que
dependem do rio como forma de sustento. De onde estes pescadores irão garantir
a realização de sua atividade profissional? Há um plano emergencial para esta
situação? Ou os governos federal e estadual também vivem naquele misto de "se
eu não fizer outro fará" e "se nunca aconteceu, por que aconteceria
agora?"...
O grande fotógrafo de Minas, Sebastião Salgado deu essa semana uma
entrevista contundente, em defesa de Minas Gerais, dos mineiros e
principalmente do rio Doce, enfatizando a ideia central de sua fala sobre o
desastre ambiental no referido rio, afirmando veementemente que "vamos
recuperá-lo!". Admiro muito Sebastião Salgado, sou fã incondicional de sua
fotografia e de sua 'mineirice' desmedida, mas discordo dele em 2 pontos
básicos. Em primeiro lugar, por quê NÓS vamos recuperar o rio Doce? Em segundo
lugar, a preocupação de enfatizar que a VALE estaria disposta a patrocinar um
fundo de recuperação das nascentes da bacia do rio Doce, que sofre há décadas
com o desmatamento e demais atividades antrópicas.
Ora, parece-me pouco efetivo em uma situação de emergência e
catástrofe no médio e baixo curso do rio, que as ações e planos de mitigação de
problemas se refiram ao alto curso e às nascentes do mesmo, embora saiba e
admita a necessidade destas ações, parece-me pouco eficaz resolver os problemas
de Mariana investindo na nascente do rio no município de Ressaquinha, na Serra
da Mantiqueira. Mas enfim, é só uma opinião...
Finalizo, por hora, com uma frase que tenho repetido seguidas
vezes nos últimos anos, seguida de sua rápida explicação, para que não hajam
falsas e tendenciosas interpretações. Tenho dito que "o grande problema do
Brasil tem sido o brasileiro", e explico! Não por qualquer desvio de
caráter, índole, má fé ou qualquer outro defeito pejorativo, mas sim pela
capacidade que temos de nos adaptar e nos virar em quaisquer situações, dando
sempre um jeito de "consertar" as coisas que nos são entregues
erradas. Isso traz para nós uma acomodação, e uma incapacidade de cobrança, que
nos torna capazes de dar um jeitinho para tudo que não está certo, ao invés de
exigir que seja feito e nos entregue do modo correto.
Criamos uma capacidade enorme de dizer "vamos recuperá-lo",
quando deveríamos dizer "vocês serão responsabilizados"...
Continua...
Parabéns pelo texto Éder! Como sempre, palavras precisas.
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