sábado, 18 de abril de 2020

O RENASCIMENTO DO KRAKATOA


ANAK KRAKATOA

- Por Éder Israel


Localizado na porção sul da Ásia, entre o continente oriental e a Oceania, o Krakatoa e atualmente o Anak Krakatoa fazem parte de uma das regiões de maior atividade tectônica do mundo.

Disponível em: <http://www.esa.int/Space_in_Member_States/Portugal/Envisat_produz_o_mapa_global_da_Terra_mais_nitido_de_sempre> acesso em 17 abr. 2020

Vulcanismo

A erupção vulcânica ocorrida na região asiática do arquipélago de Sumatra no dia 11 de abril de 2020, e noticiada amplamente pela mídia internacional, fez ressurgir um grande fantasma tectônico do passado, rememorando a histórica e catastrófica erupção ocorrida no mesmo arquipélago no ano de 1883, considerada até hoje um dos maiores eventos desse tipo registrado na história. Naquela ocasião, no século XIX, houve uma combinação de eventos catastróficos, originados por uma grande erupção, acompanhada por uma grande explosão do edifício vulcânico e seguida pela formação de ondas gigantes (tsunamis) de grande magnitude. Em suma, um “apocalipse tectônico”...

Para entender os eventos de 1883 e lançar luz sobre os novos eventos de 2020, faz-se necessária a compreensão da dinâmica tectônica que envolve uma erupção vulcânica. O vulcanismo, enquanto processo, representa uma peça fundamental de regulação da dinâmica interna da Terra, posto que, permite a liberação da pressão acumulada nas camadas internas do planeta, impedindo seu colapso e consequente explosão. Muito mais importante que a liberação do magma do manto, é o equilíbrio das pressões interna e externa da Terra, e o vulcanismo, seja ele de edifício nos continentes e ilhas ou de fissura, nos fundos oceânicos é o agente responsável pro tal equiparação.

Vulcões como o Krakatoa são formados a partir do tectonismo terrestre, do qual deriva o movimento das placas tectônicas e a consequente deriva continental, que coloca as calotas litosféricas (placas tectônicas) sólidas em movimento sobre um grande mar de rochas derretidas, chamado Astenosfera, onde ocorrem as chamadas correntes de convecção, que movem essas enormes “balsas rochosas”. E a região onde se localiza essa formação vulcânica asiática faz parte de um complexo global, que concentra a maior parte de toda a atividade tectônica da Terra, chamada de Círculo de Fogo do Pacífico, onde se observa mais de 80% de toda atividade sísmica de grande dimensão na atualidade.


O Círculo (ou Anel) de Fogo do Pacífico se estende por toda a margem desse oceano, onde se encontram inúmeras fronteiras de placas tectônicas, sejam elas convergentes, divergentes ou tangenciais. Ali se concentram, por consequência, eventos geológicos de grande magnitude, causados por forças endógenas e processos orogenéticos.

Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/5/52/Pacific_Ring_of_Fire.svg/1200px-Pacific_Ring_of_Fire.svg.png> acesso em 17 abr. 2020

Há uma relação direta entre os grandes eventos geológicos, uma vez que qualquer movimentação de placas tectônicas requer um novo ajuste e rearranjo das demais placas para que o equilíbrio da crosta seja restabelecido. Assim, há uma relação próxima entre o terremoto, seguido de erupção vulcânica, que ocorreu na Nova Zelândia, em dezembro de 2019 e a erupção observada agora em abril no sul da Ásia. Ambas as localidades se posicionam sobre o Círculo de Fogo do Pacífico, e a movimentação das placas que observou-se na Oceania está agora gerando acomodações na Ásia. Não se surpreenda se em breve surgirem notícias de terremotos ou vulcanismos na costa do continente americano, pois a movimentação geológica no continente asiático certamente causará repercussões na outra borda do pacífico num futuro não muito distante...

Krakatoa, 1883

Retomando o entendimento acerca do evento tectônico de abril de 2020, para compreender toda a atenção e preocupação da mídia e cientistas mundiais a respeito dessa nova erupção, ocorrida no vulcão Anak Krakatoa (que na tradução ao pé da letra significa “Criança Krakatoa”), faz-se necessário retornarmos ao final do século XIX e entendermos como se deu e quais os maiores impactos daquela que até hoje é considerada uma das maiores atividades vulcânicas da história recente da Terra.

A região onde se localizava o antigo Krakatoa corresponde a um arquipélago com várias pequenas ilhas entre Sumatra e Sunda, território indonésio. Como já mencionado anteriormente, esse arquipélago se posiciona sobre a zona de maior instabilidade da crosta, e qualquer movimentação de placas tectônicas, obrigatoriamente, implicará em acomodações nas bordas do oceano Pacífico. Naquele evento, a pressão acumulada as camadas internas da Terra se tornou demasiadamente grande, e a sua não liberação poderia levar a um grande colapso e consequentemente a uma explosão de ordem global. De modo metafórico podemos fazer a comparação abstrata do nosso planeta com uma grande panela de pressão, cujo interior encontra-se tomado por materiais muito quentes e comprimidos. Ora, se essa pressão se elevar indefinidamente dentro dessa panela, chegar-se-á a um nível tal que as paredes desse utensílio de cozinha se romperão e toda a energia acumulada ali dentro será liberada em um único instante, após uma grande explosão. Pois bem, digamos que os vulcões seriam as válvulas dessa imensa panela de pressão chamada Terra. Portanto, as erupções são normais, e mais do que isso, necessárias para o pleno funcionamento de nosso planeta.

Mas imagine que na última vez que essa panela de pressão foi usada, ela não tenha sido devidamente limpa e, materiais anteriormente fluidos se solidificaram dentro de sua válvula, entupindo-a... Na próxima fervura, quando a pressão interna se tornar muito mais alta que a externa, se essa válvula entupida não conseguir dissipar essa energia ali confinada, a panela explodirá. Assim se deu com o Krakatoa naquela ocasião. Após uma última erupção vulcânica ter liberado a pressão excessiva do manto, o último magma expelido acabou por se solidificar dentro do canal do vulcão, transformando-se em rocha sólida, de modo que essa rocha se transformou em uma espécie de “rolha”, causando o entupimento dessa “válvula”.

Em 1883 o canal (cujo nome correto é conduto vulcânico) por onde passaria o magma que o manto tentava expelir encontrava-se obstruído por rígidas rochas ígneas, impedindo a passagem dos materiais, e levando a pressão interna da Terra a níveis muito além da normalidade. Assim, com o aumento constante dessa pressão sob o edifício vulcânico, criou-se uma situação de colapso, levando a um fenômeno chamado “vulcanismo explosivo”, porém em uma escala muito além daquela conhecida. Com isso toda a ilha onde se situava o Krakatoa explodiu, liberando enfim a pressão acumulada e lançando pelos ares tanto os materiais que impediam o “funcionamento” do vulcão, como materiais expulsos pelo manto terrestre.



Após o grande evento explosivo de 1883, grande parte das ilhas vulcânicas do arquipélago do sul da Ásia foi completamente destruído, restando apenas ruínas daquilo que fora no passado um grande ponto de alívio das tensões internas da Terra sobre o Círculo de Fogo do Pacífico

Adaptado de: <https://qph.fs.quoracdn.net/main-qimg-5c486a879384edd29cb7c405e5104e69> acesso em 17 abr. 2020

A explosão desse evento eruptivo forçou a abertura do conduto vulcânico para a passagem do magma, lançando para a atmosfera uma grande quantidade de fragmentos de rochas, geologicamente chamadas de bombas vulcânicas, que alcançaram pelo menos 25 quilômetros de altura, tendo, segundo relatos da época, o som da explosão sido ouvido a pelo menos 5.000 quilômetros de distância. Juntamente com as bombas vulcânicas foram lançadas também para a atmosfera grandes quantidades de cinza vulcânica, que formou uma densa nuvem que praticamente circundou o planeta naquela faixa latitudinal. Essa densa nuvem de cinzas permaneceu por meses na atmosfera, tendo impactado diretamente na ação da radiação solar e no armazenamento de calor na Terra, o que ocasionou um dos invernos mais rigorosos no continente europeu no século XIX. Sem contar a elevação do grau de acidez das chuvas que passaram a cair, uma vez que grande parte desse material particulado continha enxofre.

Juntamente com a liberação de materiais particulados para atmosfera, grande parte da energia sísmica gerada pela explosão da ilha vulcânica foi transferida para a água oceânica, tendo se transformado em energia mecânica, passando a movimentar grandes massas de água a partir do arquipélago asiático, o que ocasionou a ocorrência de vários tsunamis, que se alastraram pelas águas em múltiplas direções, completando o conjunto de catástrofes do apocalíptico evento de 1883. As ondas que atingiram dezenas de metros de altura se espalharam pelas águas dos oceanos Índico e Pacífico, chegando mesmo ao outro estremo do grande oceano, na costa oeste da América. Como resultado da combinação de eventos de grande magnitude, estima-se que pelo menos 35.000 pessoas tenham perdido suas vidas no rastro de destruição gerado no final do século XIX.

Mas, embora as ilhas vulcânicas tenham sido literalmente riscadas do mapa com as sucessivas explosões e consequências desse evento, essa zona continua manifestando as forças internas do planeta, ao passo que o Círculo de Fogo do Pacífico segue como grande “válvula de escape” da energia produzida e acumulada no interior da Terra. Após os eventos de 1883, novas movimentações de placas tectônicas ocorreram e novas erupções vulcânicas de menor magnitude expeliram material magmático do manto sob as águas oceânicas, formando novas camadas de rochas sobrepostas, que futuramente dariam origem a novas ilhas e consequentemente novos edifícios vulcânicos. Nasce assim a “Criança Krakatoa”, ou simplesmente Anak Krakatoa.



A formação de novas pequenas ilhas no cenário de devastação de Krakatoa mantém a dinâmica interna da Terra em pleno funcionamento, ao passo que garante a manutenção do equilíbrio entre as camadas internas e internas do planeta. Mas o conhecimento do passado traz consigo o temor e a certeza de que os eventos de 1883 podem naturalmente se repetir na região.

Adaptado de: <https://qph.fs.quoracdn.net/main-qimg-5c486a879384edd29cb7c405e5104e69> acesso em 17 abr. 2020

Anak Krakatoa, 2020

As sucessivas erupções que ocorreram ao longo do século XX, decorrentes do ajustamento das partes que compõem a estrutura da Terra, reconstruíram, de certo modo, feições que haviam na região de Sumatra no século XIX, assim sendo, novas ilhas vulcânicas passaram a fazer parte do ambiente e lentamente, na velocidade do tempo geológico, a atividade vulcânica na região voltou à “normalidade”. Porém, trata-se de uma região instável, o que significa que a qualquer momento tudo pode mudar e eventos inesperados e desastrosos podem voltar a acontecer, e por se tratarem de eventos associados às forças endógenas da Terra, o homem não tem nenhum controle ou poder de evita-los ou amenizá-los.

A região de Sumatra já havia dado avisos consistentes de que grandes eventos poderiam estar próximos a acontecer, mas sabemos que eventos geológicos são matematicamente imprevisíveis e ocorrem de maneira instantânea e pontual. No ano de 2004, nessa mesma região da Ásia o mundo assistiu estarrecido à ocorrência de um grande tsunami, causado pela ocorrência de um maremoto em águas profundas, próximo ao litoral do Sri Lanka. Esse tipo de evento acontece sempre que há qualquer tipo de movimentação de placas tectônica, e como mencionamos anteriormente, a ocorrência de um evento causa obrigatoriamente a ocorrência de eventos subsequentes.

Como já referido, há uma relação direta entra a movimentação das placas tectônicas na Nova Zelândia em dezembro de 2019 com a ocorrência da erupção no Anak Krakatoa em abril desse ano, assim como esse evento tem relação direta com a erupção de um vulcão nas Filipinas em janeiro de 2020, um terremoto que atingiu Cuba, também em janeiro de 2020, outro na Turquia no mesmo mês, outro na China ainda em janeiro, mais um no oeste dos Estados Unidos em março desse ano, e até mesmo um que ocorreu na Itália ontem (16 de janeiro de 2020)... Passaríamos dias a fio aqui falando de terremotos e erupções recentes no mundo, e em comum eles teriam o fato de estarem todos ligados. Como afirmamos, quando uma placa se move em um lugar, todas as outras precisam se mover para compensar essa "mexida"...


Entre os dias 10 e 11 de abril de 2020, o vulcão insular, Anak Krakatoa expeliu lava e materiais incandescentes (fluxos piroclásticos) por 2 horas ininterruptas, quase 140 anos após o Krakatoa ter varrido o conjunto de ilhas no sul da Ásia com uma sequencia de eventos catastróficos de magnitude incalculável.

Disponível em: <https://i1.wp.com/www.news1.news/wp-content/uploads/2020/04/096633de99cc3c86684a6588e43031c5.jpeg?fit=1200%2C696&ssl=1> acesso em 17 abr. 2020

Durante a recente erupção no arquipélago do pacífico, o Anak Krakatoa expeliu uma densa nuvem de fumaça que atingiu pelo menos 15 quilômetros de altitude, que foi espalhada pelos ventos que varrem a atmosfera. Embora tenha tomado conta dos noticiários do mundo inteiro, essa atividade não foi a maior observada no Anak Krakatoa, pois em 2018 o mesmo vulcão entrou em processo magmático, seguido por um tsunami que atingiu o litoral da Indonésia, ceifando a vida de mais de 400 pessoas. O que preocupa de fato não é o tamanho dessa erupção em si, mas sim a recorrência desse tipo de evento, posto que é a segunda grande manifestação do tipo em apenas 16 meses. E segundo cientistas e geólogos, de concreto pode-se afirmar apenas que o pior ainda está por vir, pois afirmam que o poder destrutivo do Krakatoa filho é infinitamente maior que o do Krakatoa pai...