domingo, 2 de fevereiro de 2020

CHUVAS NO SUDESTE: BELO HORIZONTE EM ESTADO DE ALERTA



Temporais no Sudeste do Brasil: Por que tem chovido tanto nesse início de 2020?

- Por Éder Israel


Disponível em: <https://jornalmontesclaros.com.br/wp-content/uploads/2020/01/climatempo69-624x400.png> acesso em 31 jan. 2020

Na região sudeste do Brasil, principalmente nas porções não litorâneas, o período de verão, configura-se como estação mais chuvosa, com precipitações concentradas principalmente entre os meses de outubro e março. Porém, no início de 2020 os índices pluviométricos se apresentam mais elevados que a média histórica da região.

Tradicionalmente a região Sudeste do Brasil apresenta elevada umidade durante o período de verão, estação marcadamente chuvosa do clima Tropical Semiúmido, predominante na região. Porém, o janeiro de 2020 tem apresentado anomalias climáticas que tornam os índices pluviométricos exageradamente elevados. Os estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo sofrem com alagamentos constantes e milhares de pessoas desabrigadas, além de dezenas de pessoas que perderam suas vidas, em decorrência de deslizamentos de terras e inundações. Na verdade o clima na transição entre os anos de 2019 e 2020 tem apresentado graves alterações, e o que acontece no Brasil é apenas reflexo das condições climáticas globais.

Por se localizar em uma área de baixas latitudes, o território brasileiro se insere dinâmica da Zona de Convergência Intertropical - ZCIT, na qual os ventos alísios sopram das latitudes próximas aos trópicos em direção à Linha do Equador, transportando consigo a umidade que ocasiona abundantes chuvas na zona climática mais quente da Terra. Porém, as chuvas da ZCIT se concentram na região norte do país, não tendo relação direta com os temporais que ocorrem no Sudeste brasileiro. Como mencionado, as chuvas nesse início de ano nessa região se relacionam a anomalias climáticas, enquanto das chuvas da Amazônia fazem parte da normalidade da circulação global da atmosfera.

As chuvas torrenciais que castigam atualmente Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro são provenientes da elevada umidade trazida da região Norte do Brasil (borda sul da Amazônia), quando se forma a chamada Zona de Convergência do Atlântico Sul – ZCAS, responsável por grande parte das precipitações que ocorrem nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul do país, principalmente durante os meses de verão. Porém, no início de 2020 a formação dessa zona de convergência se deu de maneira mais acentuada, o que ocasionou a ocorrência das chuvas torrenciais que castigam as populações que vivem nas regiões por ela afetadas

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Disponível em: <https://imagens.climatempo.com.br/climapress/galeria/2017/11/a35d6714e490a15aed32727deda862df.gif> acesso em 31 jan. 2020

A ação conjunta de centros de alta e baixa pressão atmosférica (1 e 2, no mapa) sobre o território brasileiro associada à chegada de uma frente fria proveniente da Antártida (3 no mapa) forma uma zona de intensa nebulosidade entre as regiões Sul e Nordeste, provocando elevação substancial da pluviosidade média nessa área.

A ZCAS se forma em decorrência das diferenças de pressões entre as regiões da América do Sul, criando um corredor de deslocamento de grandes quantidades de vapor de água da Amazônia em direção à região Sul, de modo similar ao que ocorre com a formação dos chamados “Rios Voadores”, porém em escala muito mais intensa e de repercussões muito mais severas. A ZCAS se associa com a formação de duas zonas de distintas pressões, sendo uma chamada de Alta da Bolívia (AB), e a outra chamada de Vórtice Ciclônico de Altos Níveis (VCAN). Ambas as zonas atuam em combinação com a chegada de uma frente fria nas regiões litorâneas do Atlântico-Sul, criando as condições de instabilidade e elevada umidade no território nacional.

A Alta da Bolívia se caracteriza por ser uma zona de alta pressão atmosférica; portanto, anticiclônica (dispersora de ventos) que se forma na borda leste da Cordilheira dos Andes, próximo do Centro-Oeste do Brasil, impedindo a livre circulação do ar úmido que sai da Amazônia em direção à região Sul, desviando-o para o Centro-Oeste e para o Sudeste do país. Esse centro de alta pressão se estabelece em uma altitude média de 10 km, e se move no sentido anti-horário, criando uma espécie de corredor preferencial para os ventos úmidos amazônicos. Por outro lado, o Vórtice Ciclônico de Altos Níveis se estabelece no Nordeste brasileiro, formando uma zona de baixa pressão atmosférica; portanto, ciclônica (receptora dos ventos). A movimentação desse vórtice se dá no sentido horário, sendo exatamente entre a AB e o VCAN o caminho percorrido pelas correntes de ar carregadas de umidade que se deslocam da Floresta Equatorial, e se encaminham para a porção Centro-Sul brasileira.

Como esse ar quente e úmido se desloca concentrado por essa rota preferencial, que a climatologia chama de “cavado atmosférico”, a tendência é que ocorram chuvas ao longo de sua movimentação, como normalmente acontece durante todos os verões no Centro-Sul. Porém, nesse início de 2020 um agravante acaba por acentuar esse quadro de normalidade, que é o fato de simultaneamente à atuação da AB e do VCAN ter chegado à costa brasileira uma frente fria, proveniente das águas frias da região antártica. O choque entre o ar quente e úmido proveniente da região Norte do país e o ar de baixas temperaturas proveniente do polo sul cria uma zona de instabilidade sobre a região Sudeste, levando à rápida e intensa condensação do vapor de água que se move pelo “cavado atmosférico”, ocasionando chuvas torrenciais nessa área.


Disponível em: <https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhENetgM4u5HQ5tynMJnLXIppxnJSNX8t7XqdDOfdKviImApIUby9vtJykHfrGEpqI42o55ctOIxtwlr-9DLOGn_AmOEWQB1efQtjS5mg3tbHTko3UMLRgPoZe4JsEWoGbbFbwo8zUZWgy7/s1600/amaz.jpg> acesso em 31 jan. 2020

Na imagem de satélite as áreas demarcadas em branco representam locais onde a formação de nuvens se concentra, e consequentemente onde as possibilidades de chuvas são mais amplas. A faixa que se estende entre as regiões Sul e Nordeste corresponde à ZCAS, intensificada pela interação da Alta da Bolívia e o Vórtice Ciclônico de Altos Níveis.

Faz-se necessário ter atenção a erros conceituais graves, que podem trazer incorreções na análise do quadro climático brasileiro nesse inicio de ano, posto que a maioria dos fenômenos ou anomalias de nosso clima seja sempre associada à ocorrência do el niño ou da la niña. Porém, dessa vez não é o caso. Embora a ZCAS possa ser influenciada diretamente por essas duas anomalias climáticas globais, de acordo com os cientistas da agência meteorológica dos Estados Unidos, chamado de Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA, na sigla em inglês) o verão 2019 – 2020 apresenta quadro de neutralidade em relação a tais anomalias; ou seja, não estamos vivendo um el niño, tampouco uma la niña. Caso houvesse o estabelecimento de um el niño no atual período, seria mais difícil a formação da Alta da Bolívia, e consequentemente a ZCAS não teria intensidade para provocar tantas chuvas. Ao passo que no caso de uma la niña, a Alta da Bolívia seria muito mais intensa, e consequentemente a ZCAS traria possibilidades ainda maiores de chuvas na região.

Como resultado da atuação da ZCAS, observada em janeiro de 2020, os estados do Espírito Santo e Minas Gerais foram intensamente afetados por chuvas torrenciais, que provocaram perdas materiais e humanas, além de danos estruturais nas cidades afetadas. Inicialmente as cidades capixabas foram as mais afligidas; porém, após os primeiros dias de ocorrência do fenômeno, o estado de Minas Gerais passou a sofrer com muito mais intensidade os impactos das fortes chuvas de verão, principalmente na cidade de Belo Horizonte, onde os valores acumulados das precipitações desse mês ultrapassaram todas as médias anuais do último século, e as perdas humanas e materiais também se acumularam na mesma escala.


Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2020/01/25/grafico-as-chuvas-em-minas.ghtml> acesso em 31 jan. 2020

O gráfico apresenta os volumes pluviométricos na cidade de Belo Horizonte, nos meses de janeiro de cada ano, de 1990 até 2020. A média geral de chuvas para esse mês foi de 329,1mm. Até o dia 25/01/2020 havia chovido cerca de 800mm (o valor atualizado para 29/01/2020 já era de 932,3mm), maior volume registrado para o mês nos últimos 110 anos de medições na cidade.

Por se tratar de uma grande metrópole, densamente povoada e com notáveis falhas estruturais, como a maioria das cidades brasileiras, os impactos dessas fortes chuvas concentradas em um curto período de tempo afetam direta e substancialmente as populações residentes, provocando além das mortes, alagamentos, deslizamentos de terra, quedas de barreiras e suspensão de serviços essenciais como a distribuição de água e eletricidade. O último levantamento de mortes até o dia 31/01/2020 informava que 55 pessoas perderam a vida no estado de Minas Gerais, e outras 10 no Espírito Santo, além de dezenas de milhares de desabrigadas e deslocadas pelas enchentes ou riscos geológicos em suas habitações.

A capital mineira tem sua situação agravada pela combinação entre o crescimento desordenado da cidade, que promove além da maciça impermeabilização do solo a ocupação de áreas de risco, como as vertentes e as várzeas, com a topografia da cidade, que se encontra encrustada entre serras e morros, recebendo grande parte da água escoada das áreas adjacentes, uma vez que a cidade encontra-se em uma altitude mais baixa que seu entorno. Como há córregos canalizados no perímetro urbano da cidade, e ali é “despejada” toda água proveniente dos aclives marginais da capital, seu transbordamento é quase que inevitável e as inundações urbanas se tornam fatos corriqueiros nos períodos mais chuvosos, acumulando-se prejuízos para o poder público e para a iniciativa privada.


Disponível em: <https://static-wp-eqi15-prd.euqueroinvestir.com/wp-content/uploads/2020/01/areas-de-chuva-em-bh-590x332.jpeg> acesso em 31 jan. 2020

Como o relevo provoca o escoamento de grandes volumes de água na direção de Belo Horizonte, e a ocupação imobiliária sem planejamento produziu habitações em locais de risco, seja por conta da inclinação superior a 30º (vertentes) ou pelo acúmulo de águas movimentadas pelo escoamento superficial (várzeas nas margens dos cursos hídricos), toda chuva concentrada tem elevado potencial de perdas e prejuízos na capital mineira.

Segundo pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, a tendência é que nas primeiras semanas do mês de fevereiro a ZCAS alterada permaneça sobre a região Sudeste, trazendo consigo o risco de novas chuvas para as áreas já atingidas no mês de janeiro, tendo possibilidade do aumento dos riscos de prejuízos humanos e materiais, especialmente no Espírito Santo e Minas Gerais. Após esse período a tendência é que a frente fria antártica perca força e passe a influenciar cada vez menos a região, reduzindo-se gradativamente as médias pluviométricas e os efeitos negativos das chuvas torrenciais, voltando a situação à normalidade no mês de março.

Mas, como mencionado anteriormente, em tempos de mudanças e anomalias climáticas, qualquer previsão do tempo dura apenas até ser contrariada pelas forças da natureza...