Temporais no Sudeste do
Brasil: Por que tem chovido tanto nesse início de 2020?
- Por Éder Israel
Disponível em: <https://jornalmontesclaros.com.br/wp-content/uploads/2020/01/climatempo69-624x400.png>
acesso em 31 jan. 2020
Na região sudeste do
Brasil, principalmente nas porções não litorâneas, o período de verão,
configura-se como estação mais chuvosa, com precipitações concentradas
principalmente entre os meses de outubro e março. Porém, no início de 2020 os
índices pluviométricos se apresentam mais elevados que a média histórica da
região.
Tradicionalmente
a região Sudeste do Brasil apresenta elevada umidade durante o período de verão,
estação marcadamente chuvosa do clima Tropical Semiúmido, predominante na
região. Porém, o janeiro de 2020 tem apresentado anomalias climáticas que
tornam os índices pluviométricos exageradamente elevados. Os estados de Minas
Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo sofrem com alagamentos constantes e
milhares de pessoas desabrigadas, além de dezenas de pessoas que perderam suas
vidas, em decorrência de deslizamentos de terras e inundações. Na verdade o
clima na transição entre os anos de 2019 e 2020 tem apresentado graves
alterações, e o que acontece no Brasil é apenas reflexo das condições climáticas
globais.
Por
se localizar em uma área de baixas latitudes, o território brasileiro se insere
dinâmica da Zona de Convergência Intertropical - ZCIT, na qual os ventos alísios
sopram das latitudes próximas aos trópicos em direção à Linha do Equador, transportando
consigo a umidade que ocasiona abundantes chuvas na zona climática mais quente
da Terra. Porém, as chuvas da ZCIT se concentram na região norte do país, não
tendo relação direta com os temporais que ocorrem no Sudeste brasileiro. Como mencionado,
as chuvas nesse início de ano nessa região se relacionam a anomalias
climáticas, enquanto das chuvas da Amazônia fazem parte da normalidade da
circulação global da atmosfera.
As
chuvas torrenciais que castigam atualmente Minas Gerais, Espírito Santo e Rio
de Janeiro são provenientes da elevada umidade trazida da região Norte do Brasil
(borda sul da Amazônia), quando se forma a chamada Zona de Convergência do
Atlântico Sul – ZCAS, responsável por grande parte das precipitações que
ocorrem nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul do país, principalmente durante
os meses de verão. Porém, no início de 2020 a formação dessa zona de
convergência se deu de maneira mais acentuada, o que ocasionou a ocorrência das
chuvas torrenciais que castigam as populações que vivem nas regiões por ela afetadas
.
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acesso em 31 jan. 2020
A ação conjunta de
centros de alta e baixa pressão atmosférica (1 e 2, no mapa) sobre o território
brasileiro associada à chegada de uma frente fria proveniente da Antártida (3
no mapa) forma uma zona de intensa nebulosidade entre as regiões Sul e
Nordeste, provocando elevação substancial da pluviosidade média nessa área.
A
ZCAS se forma em decorrência das diferenças de pressões entre as regiões da
América do Sul, criando um corredor de deslocamento de grandes quantidades de
vapor de água da Amazônia em direção à região Sul, de modo similar ao que
ocorre com a formação dos chamados “Rios Voadores”, porém em escala muito mais
intensa e de repercussões muito mais severas. A ZCAS se associa com a formação
de duas zonas de distintas pressões, sendo uma chamada de Alta da Bolívia (AB),
e a outra chamada de Vórtice Ciclônico de Altos Níveis (VCAN). Ambas as zonas
atuam em combinação com a chegada de uma frente fria nas regiões litorâneas do
Atlântico-Sul, criando as condições de instabilidade e elevada umidade no
território nacional.
A
Alta da Bolívia se caracteriza por ser uma zona de alta pressão atmosférica;
portanto, anticiclônica (dispersora de ventos) que se forma na borda leste da Cordilheira
dos Andes, próximo do Centro-Oeste do Brasil, impedindo a livre circulação do
ar úmido que sai da Amazônia em direção à região Sul, desviando-o para o
Centro-Oeste e para o Sudeste do país. Esse centro de alta pressão se
estabelece em uma altitude média de 10 km, e se move no sentido anti-horário, criando
uma espécie de corredor preferencial para os ventos úmidos amazônicos. Por
outro lado, o Vórtice Ciclônico de Altos Níveis se estabelece no Nordeste brasileiro,
formando uma zona de baixa pressão atmosférica; portanto, ciclônica (receptora
dos ventos). A movimentação desse vórtice se dá no sentido horário, sendo
exatamente entre a AB e o VCAN o caminho percorrido pelas correntes de ar
carregadas de umidade que se deslocam da Floresta Equatorial, e se encaminham
para a porção Centro-Sul brasileira.
Como
esse ar quente e úmido se desloca concentrado por essa rota preferencial, que a
climatologia chama de “cavado atmosférico”, a tendência é que ocorram chuvas ao
longo de sua movimentação, como normalmente acontece durante todos os verões no
Centro-Sul. Porém, nesse início de 2020 um agravante acaba por acentuar esse
quadro de normalidade, que é o fato de simultaneamente à atuação da AB e do
VCAN ter chegado à costa brasileira uma frente fria, proveniente das águas
frias da região antártica. O choque entre o ar quente e úmido proveniente da
região Norte do país e o ar de baixas temperaturas proveniente do polo sul cria
uma zona de instabilidade sobre a região Sudeste, levando à rápida e intensa
condensação do vapor de água que se move pelo “cavado atmosférico”, ocasionando
chuvas torrenciais nessa área.
Disponível
em: <https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhENetgM4u5HQ5tynMJnLXIppxnJSNX8t7XqdDOfdKviImApIUby9vtJykHfrGEpqI42o55ctOIxtwlr-9DLOGn_AmOEWQB1efQtjS5mg3tbHTko3UMLRgPoZe4JsEWoGbbFbwo8zUZWgy7/s1600/amaz.jpg>
acesso em 31 jan. 2020
Na imagem de satélite as
áreas demarcadas em branco representam locais onde a formação de nuvens se concentra,
e consequentemente onde as possibilidades de chuvas são mais amplas. A faixa
que se estende entre as regiões Sul e Nordeste corresponde à ZCAS,
intensificada pela interação da Alta da Bolívia e o Vórtice Ciclônico de Altos
Níveis.
Faz-se
necessário ter atenção a erros conceituais graves, que podem trazer incorreções
na análise do quadro climático brasileiro nesse inicio de ano, posto que a
maioria dos fenômenos ou anomalias de nosso clima seja sempre associada à ocorrência
do el niño ou da la niña. Porém, dessa vez não é o caso. Embora a ZCAS possa ser
influenciada diretamente por essas duas anomalias climáticas globais, de acordo
com os cientistas da agência meteorológica dos Estados Unidos, chamado de Administração
Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA, na sigla em inglês) o verão 2019 – 2020 apresenta
quadro de neutralidade em relação a tais anomalias; ou seja, não estamos
vivendo um el niño, tampouco uma la niña. Caso houvesse o estabelecimento
de um el niño no atual período, seria
mais difícil a formação da Alta da Bolívia, e consequentemente a ZCAS não teria
intensidade para provocar tantas chuvas. Ao passo que no caso de uma la niña, a Alta da Bolívia seria muito
mais intensa, e consequentemente a ZCAS traria possibilidades ainda maiores de
chuvas na região.
Como
resultado da atuação da ZCAS, observada em janeiro de 2020, os estados do
Espírito Santo e Minas Gerais foram intensamente afetados por chuvas
torrenciais, que provocaram perdas materiais e humanas, além de danos
estruturais nas cidades afetadas. Inicialmente as cidades capixabas foram as
mais afligidas; porém, após os primeiros dias de ocorrência do fenômeno, o
estado de Minas Gerais passou a sofrer com muito mais intensidade os impactos
das fortes chuvas de verão, principalmente na cidade de Belo Horizonte, onde os
valores acumulados das precipitações desse mês ultrapassaram todas as médias
anuais do último século, e as perdas humanas e materiais também se acumularam
na mesma escala.
Disponível
em: <https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2020/01/25/grafico-as-chuvas-em-minas.ghtml>
acesso em 31 jan. 2020
O gráfico apresenta os
volumes pluviométricos na cidade de Belo Horizonte, nos meses de janeiro de cada
ano, de 1990 até 2020. A média geral de chuvas para esse mês foi de 329,1mm.
Até o dia 25/01/2020 havia chovido cerca de 800mm (o valor atualizado para
29/01/2020 já era de 932,3mm), maior volume registrado para o mês nos últimos 110
anos de medições na cidade.
Por
se tratar de uma grande metrópole, densamente povoada e com notáveis falhas
estruturais, como a maioria das cidades brasileiras, os impactos dessas fortes chuvas
concentradas em um curto período de tempo afetam direta e substancialmente as
populações residentes, provocando além das mortes, alagamentos, deslizamentos
de terra, quedas de barreiras e suspensão de serviços essenciais como a
distribuição de água e eletricidade. O último levantamento de mortes até o dia
31/01/2020 informava que 55 pessoas perderam a vida no estado de Minas Gerais,
e outras 10 no Espírito Santo, além de dezenas de milhares de desabrigadas e
deslocadas pelas enchentes ou riscos geológicos em suas habitações.
A
capital mineira tem sua situação agravada pela combinação entre o crescimento
desordenado da cidade, que promove além da maciça impermeabilização do solo a
ocupação de áreas de risco, como as vertentes e as várzeas, com a topografia da
cidade, que se encontra encrustada entre serras e morros, recebendo grande parte
da água escoada das áreas adjacentes, uma vez que a cidade encontra-se em uma
altitude mais baixa que seu entorno. Como há córregos canalizados no perímetro
urbano da cidade, e ali é “despejada” toda água proveniente dos aclives
marginais da capital, seu transbordamento é quase que inevitável e as
inundações urbanas se tornam fatos corriqueiros nos períodos mais chuvosos,
acumulando-se prejuízos para o poder público e para a iniciativa privada.
Disponível
em: <https://static-wp-eqi15-prd.euqueroinvestir.com/wp-content/uploads/2020/01/areas-de-chuva-em-bh-590x332.jpeg> acesso em 31 jan. 2020
Como o relevo provoca o
escoamento de grandes volumes de água na direção de Belo Horizonte, e a
ocupação imobiliária sem planejamento produziu habitações em locais de risco,
seja por conta da inclinação superior a 30º (vertentes) ou pelo acúmulo de
águas movimentadas pelo escoamento superficial (várzeas nas margens dos cursos
hídricos), toda chuva concentrada tem elevado potencial de perdas e prejuízos
na capital mineira.
Segundo
pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, a tendência
é que nas primeiras semanas do mês de fevereiro a ZCAS alterada permaneça sobre
a região Sudeste, trazendo consigo o risco de novas chuvas para as áreas já
atingidas no mês de janeiro, tendo possibilidade do aumento dos riscos de
prejuízos humanos e materiais, especialmente no Espírito Santo e Minas Gerais.
Após esse período a tendência é que a frente fria antártica perca força e passe
a influenciar cada vez menos a região, reduzindo-se gradativamente as médias
pluviométricas e os efeitos negativos das chuvas torrenciais, voltando a
situação à normalidade no mês de março.
Mas,
como mencionado anteriormente, em tempos de mudanças e anomalias climáticas,
qualquer previsão do tempo dura apenas até ser contrariada pelas forças da
natureza...
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