domingo, 31 de maio de 2015

O CORREDOR FERROVIÁRIO SUL-AMERICANO MADE IN CHINA (parte 2)


Corredor ferroviário bi-oceânico: a mais nova estratégia de integração econômica dos BRICS

Por Éder Israel


Disponível em: <http://www.environment.co.za/wp-content/uploads/2015/02/brics-logo1.png> Acesso em 30 mai. 2015.

INTERESSES POR TRÁS DO PROJETO

Portanto, o grande diferencial deste novo projeto é que o MERCOSUL não ficará mais na dependência da "boa vontade" do Chile para que a ligação entre os oceanos Pacífico e Atlântico seja de fato alcançada. Parece bom, parece José!

As obras que podem se iniciar no território sul-americano serão em sua quase totalidade financiadas e capitaneadas pela China, a maior interessada na conclusão e efetivação deste mega projeto. Conforme mencionado anteriormente, a China tem atualmente uma clara afeição por tudo aquilo que afete a economia dos Estados Unidos, muito mais por um projeto geopolítico global do que por mera e pura sacanagem "xing-ling".

Tendo em vista a indecisão do governo chileno, o projeto inicial terá o seu traçado drasticamente alterado. Desta vez, a possível ferrovia que ainda partirá do sudeste do Brasil seguirá para o norte e não para o sul do país, atravessando o centro-oeste e parte da região norte, antes de abandonar o território nacional e adentrar ao Peru, onde finalmente alcançará o litoral pacífico da América do Sul, modificando diametralmente as relações do MERCOSUL com seus vizinhos fronteiriços, conforme o mapa que se segue, no qual está demarcado o possível traçado da ferrovia.



Disponível em: < http://ichef.bbci.co.uk/news/ws/624/amz/worldservice/live/assets/images/2015/05/19/150519005520_ferrovia.png> Acesso em 31 mai. 2015

Esta proposta de novo traçado "made in China" não é um mero fruto do acaso, posto que ele cortará o centro-oeste brasileiro, maior celeiro de grãos do continente, onde se produz grande quantidade da soja que é exportada para o mercado chinês, assim como local onde são criados atualmente grandes rebanhos bovinos (é bem verdade que estes rebanhos estão hoje em início de transferência para as bordas da Amazônia) que produzem a carne que é também exportada para a China. Lembre-se do acordo firmado entre o Primeiro Ministro Chinês e a Presidente Brasileira no que tange aos frigoríficos nacionais.

Um dos grandes problemas para as exportações de commodities agrícolas e minerais do Brasil é o elevado custo do transporte destas mercadorias, principalmente pelo fato de nossa matriz de transporte ser amplamente dependente do modal rodoviário, que além dos altos custos do frete, apresenta ainda elevadas perdas ao longo das distâncias continentais de um país com as dimensões brasileiras. A maior parte dos grãos (entenda-se soja) exportada pelo Brasil precisa partir dos estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Rondônia em direção ao sul do país, de onde é escoada para Europa e Ásia a partir do porto de Paranaguá, localizado no Paraná, o que amplia drasticamente o valor final destas mercadorias.

Soma-se a isso a necessidade de uma volta de milhares de quilômetros até o mercado chinês, pois ao partir do porto de Paranaguá esta soja precisa atravessar o Atlântico Sul contornando o sul da África até finalmente chegar à Ásia. Algo parecido ocorre com os minérios extraídos do complexo Grande Carajás, bem como a soja escoada pelo porto da Ponta da Madeira no Maranhão, que precisam navegar o Atlântico Norte até a América Central, onde atravessa o Canal do Panamá (pagando tarifas e taxas aos Estados Unidos, para usar essa ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico)  para só então cruzar o Pacífico e finalmente chegar à Ásia. Em qualquer das opções a distância é grande e os custos enormes...

Assim sendo, a construção desse corredor ferroviário encurtaria distâncias e custos das trocas comerciais entre as duas nações mais importantes dos BRICS, o que poderia (e certamente irá) ampliar ainda mais as relações econômicas entre os dois mercados. O fato dessa nova ferrovia cortar o centro-oeste facilitaria o escoamento da produção de grãos e carnes dessa região, a proximidade de seu traçado facilitaria o escoamento ainda da produção de minério de ferro da Serra dos Carajás (PA) e do manganês do Maciço do Urucum (MS), além de facilitar a chegada dos produtos manufaturados da China ao sudeste do Brasil.


Disponível em: < https://portogente.com.br/images/china_cnt.jpg> Acesso em 31 mai. 2015.

Em suma, a ideia é perfeita, perfeita até demais pra dar certo...

No contexto Sul-Americano a parceria entre Brasil e China para a construção da bendita ferrovia já começa a causar certos estragos, principalmente com relação à Bolívia. O Presidente Evo Morales já se pôs a reclamar do novo traçado do corredor bi-oceânico, pois estava certo de que os trilhos passariam por seu país, tanto que já acusou publicamente o Presidente peruano, Ollanta Humala, de realizar concorrência desleal e "jogar sujo" com o governo da Bolívia (só não soube explicar o que seria essa "concorrência desleal", mas é o Morales, então é normal...)

Até certo ponto se justifica a "hashtag chateado" de Morales, pois houve uma discussão a respeito dessa ferrovia recentemente (na verdade em 2002) na qual foi proposto um traçado que partiria do Brasil, atravessaria a Bolívia e chegaria ao Pacífico no limite entre Peru e Chile, conforme a imagem a seguir.


Disponível em: < http://images.slideplayer.com.br/1/279737/slides/slide_4.jpg> Acesso em 31 mai. 2015.

Mas o novo projeto acaba por desviar-se da Bolívia e prosseguir no sentido norte do Brasil, possivelmente para ir "recolhendo" ao longo do trecho soja, milho, carne e minérios, até atingir o oceano e então partir para a China. Inegavelmente, os custos da construção e do sistema operacional seriam bem menores caso o traçado passasse pelo território boliviano, porém estrategicamente (para chineses e brasileiros) o novo traçado será muito mais proveitoso. Resta saber se ele vai realmente se concretizar...


Continua...

O CORREDOR FERROVIÁRIO SUL-AMERICANO MADE IN CHINA (parte 1)

Corredor ferroviário bi-oceânico: a mais nova estratégia de integração econômica dos BRICS 

Por Éder Israel


Disponível em: <http://www.environment.co.za/wp-content/uploads/2015/02/brics-logo1.png> Acesso em 30 mai. 2015.


NOVO VELHO PROJETO

Em visita ao Brasil, o Primeiro Ministro Chinês Li Keqiang enalteceu a aproximação entre os governos chinês e brasileiro, e como é de praxe anunciou a abertura novamente da torneira de dinheiro da China para projetos no Brasil. O foco dessa vez foi o tão sonhado corredor ferroviário bi oceânico, que em tese ligará um porto na costa atlântica do Brasil a um porto na costa pacífica da América do Sul, ao que tudo indica no Peru. Mas o que há de novo nesse velho projeto? O que há de velho nessa nova ação financeira da China?


Disponível em: <http://ansabrasil.com.br/webimages/al_news_476x/2015/5/19/78a4b49457495122f74402095e0b801f.jpg> Acesso em 30 mai. 2015.

É o que tentaremos elucidar a partir de agora...

O novo acordo de cooperação entre as duas nações, foi assinado em 19 de maio pela Presidente Dilma Rousseff e por Keqiang em Brasília, acordo este que prevê a realização de investimentos bilaterais, principalmente no setor de infraestrutura e produção, até 2021, em uma nova demonstração de proximidade política e econômica entre os dois principais emergentes do grupo conhecido atualmente por BRICS (nomenclatura essa criada pelo economista inglês Jim O'Neill para se referir à criação de acordos bilaterais entre Brasil, Rússia, Índia, China e mais recentemente África do Sul, a partir da década passada.

Um dos assuntos que mais chamou a atenção nessa visita e nesses acordos de investimentos, foi o interesse pela primeira vez materializado em um discurso de uma figura do Estado chinês, de que o país asiático tem interesse (entenda-se pressa) na construção de uma ligação ferroviária entre os oceanos Atlântico e Pacífico, cortando assim a América do Sul no sentido leste-oeste, o que vai de encontro com um antigo projeto do MERCOSUL para a integração plena das economias dos países membros, mas com algumas novidades, made in China...

O novo pacotão de investimentos chineses é estimado em cerca de 50 bilhões de dólares, e vem acompanhado de acordos comerciais vinculados à importação de carne brasileira, haja visto que, o primeiro ministro da China trouxe as "boas novas" de que o país asiático permitirá, a partir deste ano, a entrada da carne processada por oito grandes frigoríficos aqui sediados. Mas foquemos na bendita ferrovia, que é o que nos interessa.

O projeto desta ligação entre os dois oceanos que banham a América é antiga, e é um projeto que fora vislumbrado antes mesmo da concretização do MERCOSUL enquanto mercado continental. Ainda durante os governos militares do Brasil (e da maior parte da América do Sul...) haviam conversações a respeito da necessidade de se buscar estabelecer essa conexão entre as duas costas, como meio de garantir o desenvolvimento e a "independência" econômica destas nações. Porém, desta vez é diferente, desta vez tem a China,dessa vez não tem o controle pleno dos Estados Unidos.

- "Desta vez o Brasil é protagonista!"

- Não José, não é para tanto...

Este novo projeto proposto pela parceria sino-brasileira vem adaptar um projeto anterior que tinha  o mesmo objetivo, porém por vias diferentes. A ideia central dos membros do bloco sul-americano no final da década de 1970, era que essa ligação partisse do sudeste do Brasil, passando pelo sul do país, atravessando a Argentina e depois o Chile, chegando finalmente ao Pacífico, como mostra a imagem a seguir. 


Disponível em: <http://images.slideplayer.com.br/1/279737/slides/slide_3.jpg> Acesso em 30 mai. 2015.

O projeto inicial realizaria a integração do chamado núcleo geoeconômico do MERCOSUL, que corresponde à porção mais dinâmica da economia dos membros fundadores do bloco, sendo o centro-sul do Brasil, Leste do Paraguai, Leste da Argentina e o pequeno território do Uruguai. Porém havia a necessidade de passar pelo Chile, e foi aí que azedou...

O Chile não é membro efetivo do MERCOSUL, portanto não teria os mesmos objetivos ou não teria os mesmos benefícios dos países membros do bloco, posto que é apenas um membro associado, para o qual são validos apenas alguns dos acordos e normas vigentes no bloco dos efetivos. Talvez por isso tenha sido difícil convencer o Chile a comprar a ideia da ligação entre os dois oceanos. Mas, mais importante que a falta de interesse aparente do Chile na construção do corredor ferroviário, existe a ação silenciosa dos Estados Unidos, grande aliado do governo chileno desde a queda de Allende... Sim os Estados Unidos são amigões do Chile muito antes do governo de Pinochet, e essa aliança histórica coloca o vizinho sul-americano em uma sinuca de bico, tendo que escolher entre o Tio Sam e os vizinhos anteriormente quebrados do Cone-sul. Parece óbvia a opção prioritária do vizinho da costa oeste...

Para os Estados Unidos a construção dessa ligação sul-americana representaria uma perda econômica gigante, pois grande parte das commodities exportadas por estes países passam pelo Canal do Panamá, assim como grande parte dos produtos industrializados provenientes do sudeste da Ásia. Ou seja, os estadunidenses ganham por cada navio que por ali passa, e uma saída para o pacífico que não fosse a da América Central representaria perdas financeiras importantes para a economia dos primos ricos do norte.

Assim, o Chile não poderia conceber a criação dessa ferrovia em seus territórios, mas ao mesmo tempo não podia dizer que não aceitaria sua construção. Em resumo, a intenção do governo chileno era enrolar o quanto fosse possível as negociações para essa monumental obra. O bom e velho "jeitinho brasileiro"...  E convenhamos, o Chile foi eficiente, ele adiou essa obra o quanto pode, mas agora tem a China, e os chineses têm pressa, não só em construir a ferrovia, mas também  (e principalmente) qualquer coisa que venha a enfraquecer a já cambaleante economia dos Estados Unidos. Digamos que agora talvez a obra saia.

Eu disse TALVEZ.

Continua...